Das 3.517 salas de cinema do País, 1.294 estavam exibindo, na última semana, Ainda Estou Aqui e Vitória. Além da presença das Fernandas – a Torres no primeiro e a Montenegro, no segundo –, os dois filmes têm em comum o fato de terem sido levados ao circuito pela mesma distribuidora: a Sony Pictures.

Esta foi a primeira vez que a empresa investiu recursos próprios no lançamento de filmes nacionais dos quais não foi também produtora. E esse detalhe chama atenção porque a história da subsidiária da major hollywoodiana com o cinema brasileiro é antiga. Ela começou com a Columbia Pictures, incorporada pela Sony em 1991.

Foi a Columbia que distribuiu, por exemplo, O Cangaceiro (1953), premiado no Festival de Cannes. Décadas depois, seria ela a primeira major a coproduzir filmes brasileiros por meio do art. 3º da Lei do Audiovisual. O mecanismo permite que essas empresas, ao remeter os lucros para a matriz, destinem parte do imposto devido à produção local.

Alguns dos filmes que inauguraram o art. 3º, como O Quatrilho (1995) e ­Tieta do Agreste (1996), foram feitos com a ­Columbia. Na primeira década dos anos 2000, já sob a marca Sony, o modelo produziria campeões de bilheteria como ­Carandiru (2003), Cazuza: O Tempo Não Para (2004) e Dois Filhos de Francisco (2005).

Naquele momento, André Sala, vice-presidente sênior de distribuição na América Latina e diretor-geral da Sony Pictures no Brasil, já estava na empresa. Ele entrou na Columbia em 1998 e viu o cinema brasileiro reerguer-se da crise atravessada no início da década de 1990.

À frente do lançamento de Ainda Estou Aqui, ele diz notar os jovens de sua equipe se sentindo, hoje, um pouco como ele se sentia então: “É como se eles estivessem entendendo o que é ver o cinema brasileiro fazer sucesso”.

Sala conversou com CartaCapital na quinta-feira 13, dia da estreia de Vitória – que ficou em primeiro lugar nas bilheteiras no último fim de semana. Ainda Estou Aqui, que soma 5,8 milhões de ingressos e 117 milhões de reais arrecadados no Brasil, tornou-se a segunda maior bilheteria da Sony no País, atrás apenas de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa.

“Nunca poderíamos imaginar estar há 19 semanas nos cinemas, com o filme programado em 660 salas”

CartaCapital: A esta altura, parece que investir em Ainda Estou Aqui indica uma aposta óbvia. Mas, pelo que sei, o filme chegou a ser recusado por uma distribuidora. A Sony apostou alto no filme?
André Sala: Não divulgamos valores, mas todo filme é um risco. Alguns menos, outros mais, mas todo lançamento em cinema envolve um investimento de dinheiro, tempo e programação. Ainda Estou Aqui vinha dando muitos sinais positivos, mas o histórico recente do cinema brasileiro era de insucessos. E o filme era um drama não espiritual (a Sony trabalhou com esse gênero em Chico Xavier e Maria, Mãe do Filho de Deus, com Padre Marcelo, por exemplo), então, apesar de estarmos confiantes, certeza não era possível ter. Avaliamos as possibilidades e os riscos e entendemos que as chances de transformar o filme num sucesso – e quando falo em sucesso não era esse que foi alcançado – eram suficientes para a gente arriscar. Foi uma daquelas situações raras, em que tudo funciona. O ­timing em que as coisas foram acontecendo, se tivéssemos programado, não teria dado tão certo.

CC: Por que vocês escolheram a data de 7 de novembro, bem anterior ao anúncio das indicações ao Oscar?
AS: Algumas pessoas acharam que era cedo. Mas o filme vinha do Festival de Veneza, com os prêmios, e havia a esperança de que poderia ser escolhido para representar o Brasil no Oscar. Mas é claro que muita coisa podia acontecer, como o filme não ser o selecionado. Mas ele foi, e a gente aproveitou isso em uma campanha que envolvia a ideia de orgulho e respeito pelo nosso cinema. Tinha outra coisa importante, que era a semana seguinte ao 7 de novembro, com o feriado do dia 15. Se você vai bem no lançamento e, na sequência, tem um feriado prolongado, aumenta a chance de continuar bem no segundo fim de semana. Depois disso, tería­mos mais um mês até a short list dos indicados ao Oscar (divulgada em 17 de ­dezembro), que daria uma sobrevida. E então viria o Natal, com O Auto da Compadecida 2. Pensamos que o filme daria uma esfriada, mas, havendo indicações ao Oscar, a gente voltaria em janeiro. Esse era o plano. Mas nunca poderíamos imaginar estar há 19 semanas nos cinemas, com o filme programado em 660 salas. Ao longo dessas 18 semanas, em apenas uma delas o filme não esteve no Top 5 das bilheterias.

Em cartaz. Com a estreia de Vitória, a distribuidora ocupou 1.294 salas do País com filmes nacionais – Imagem: Suzanna Tierie

CC: Tendo em vista o cenário pós-pandemia, com o cinema brasileiro tendo uma participação de menos de 5% nas bilheterias, se o filme tivesse chegado em 1 milhão de ingressos já teria sido considerado bom?
AS: Claro! Um milhão parece pouco agora, com 5,8 milhões, mas, para qualquer filme, chegar em 1 milhão é um belo resultado. Chegar nesse número com um drama não espiritual nos deixaria muito felizes.

CC: Esse resultado, somado à presença da Fernanda Montenegro, fez com que Vitória ganhasse tração?
AS: Como todos os filmes nacionais – e talvez um pouco mais que os outros –, Vitória está sendo positivamente afetado por Ainda Estou Aqui e pela volta do interesse das pessoas pelo cinema brasileiro. Vitória estreou em 719 salas. Os dois filmes ocupam, hoje, 1.294 salas do Brasil. A equipe trabalhou muito esta semana! Os exibidores se mostraram interessados em Vitória ao mesmo tempo que mostraram disposição de manter Ainda Estou Aqui em cartaz. Algumas salas exibem os dois filmes, em diferentes sessões.

CC: Vitória, como Ainda Estou Aqui, é um original GloboPlay e tem a produção da Conspiração. A Sony fechou algum tipo de pacote?
AS: Não. Estamos fazendo a distribuição nos cinemas brasileiros do segundo original GloboPlay. Inclusive, fechamos primeiro Vitória, que retomava nossa parceria com a Conspiração anos depois de Dois Filhos de Francisco. Temos uma conexão emocional com o filme. Fomos os distribuidores de Gêmeas (1999), primeiro longa-metragem do Andrucha Waddington (diretor de Vitória), e de Dois Filhos de Francisco, também o primeiro filme do Breno Silveira (que dirigiria Vitória, mas morreu no início das filmagens). Essas ligações acabam contando também um pouco da história da Sony com o cinema brasileiro.

“Os cinemas nacionais fortes levam mais pessoas para o circuito, além de atrair um novo público”

CC: A Sony, na primeira década dos anos 2000, dominou a distribuição do cinema brasileiro. Este ano a empresa vai voltar a ter um lugar de destaque, não?
AS: Já no ano passado, com Ainda Estou Aqui, cresceu o nosso market share, mas havia bilheterias altas, como as de Minha Irmã e Eu e Farofeiros 2, e depois veio O Auto da Compadecida 2, que foi muito bem em janeiro. Mas Ainda Estou Aqui, só este ano, fez 2,7 milhões de ingressos.

CC: Como isso tem sido recebido pela Sony internacional?
AS: A gente sempre precisa da autorização e do apoio da matriz para seguir com essas ideias. Na semana passada, mandei para eles os vídeos das pessoas celebrando o Oscar no Brasil, dizendo que eu não tinha palavras para descrever o que tinha acontecido aqui. Mandei vídeos das pessoas na rua, pulando na hora do anúncio, para eles entenderem o que significava ganhar o nosso primeiro Oscar em um domingo de Carnaval. O estúdio está muito contente, também porque é importante para qualquer mercado haver um cinema local forte na bilheteria. E, no pós-pandemia, os cinemas nacionais, em vários países, demoraram mais para retomar o desempenho (do que os blockbusters).

CC: Você falou da importância dos cinemas nacionais, que é algo que pode soar um tanto artificial, vindo de uma major. São, afinal de contas, as majors que dominam o mercado praticamente no mundo todo. Ao mesmo tempo, me lembro que, em 2003, ano de Carandiru, quando o cinema brasileiro teve um market share de 21,62% – algo que não se repetiria –, o cinema norte-americano também teve resultados ótimos. Se dizia, então, que os filmes nacionais, mais que tirar o público dos blockbusters internacionais, fazem o bolo crescer. Isso é uma verdade?
AS: Isso era e é uma verdade. Os cinemas nacionais fortes levam mais pessoas para o cinema, além de atrair um novo público. Ainda Estou Aqui recolocou em contato com a experiência do cinema gente que, depois da pandemia, tinha parado de ir ao cinema, ou ia de forma esporádica. Então, um filme brasileiro que consiga mobilizar o público é importante para qualquer mercado e, inclusive, para qualquer distribuidor. Quantos filmes não tiveram o trailer exibido nas sessões de Ainda Estou Aqui? Quanto mais gente no cinema, mais público se gera para outros filmes. Um filme não é um carro ou uma geladeira, que você compra hoje e só volta a comprar depois de anos. Consumir o filme A hoje não te impede de consumir o filme B daqui a quatro dias ou daqui a quatro meses. Esse é um mercado em que a força de um ajuda o próximo. Eu, como distribuidor, não quero o fracasso de ninguém. Quero o sucesso de todos – o meu incluído.

Em cartaz. Com a estreia de Vitória, a distribuidora ocupou 1.294 salas do País com filmes nacionais – Imagem: Suzanna Tierie
Longa história. Ainda Estou Aqui (2024), Dois Filhos de Francisco (2005) e O Cangaceiro (1953) foram todos distribuídos pela Sony e pela Columbia, incorporada ao grupo japonês em 1991 – Imagem: Redes sociais

CC: Uma questão que deriva da anterior é que se entende que uma major sempre vai privilegiar o filme da matriz. Então, essa relação das majors com o cinema brasileiro parece ter sempre algo de contraditório, por causa da ideia de concorrência desleal. Ficou famoso o caso do filme De Pernas Pro Ar 3 (2019) tirado de cartaz para que se abrisse espaço para Vingadores: O Ultimato. Como você enxerga essas sensações do setor cinematográfico brasileiro em relação aos grandes estúdios norte-americanos?
AS: Posso falar apenas pela Sony. Neste momento, temos dois filmes em cartaz, distribuídos pela Sony, com zero envolvimento em produção da nossa parte. Somos distribuidores dos filmes no Brasil, e investimos nesses lançamentos. Hoje, o que a gente percebe, conversando com as pessoas, é que existe um melhor entendimento do tipo de trabalho que a gente pode entregar atuando com esses filmes. Na Sony, e antes na Columbia, a distribuição sempre esteve vinculada à coprodução (ao entrar num filme com o art. 3º, a empresa ganha o direito de distribuí-lo). Agora, quebramos essa lógica, e com muito sucesso. Tivemos o apoio do estúdio para testar esse modelo novo.

CC: O fato de figurar apenas como distribuidor muda alguma coisa na relação?
AS: A gente sempre se relacionou da mesma maneira com os produtores, discutindo problemas, facilidades e pensando no que se pode fazer em conjunto.

CC: Vocês seguirão utilizando o modelo do artigo 3º da Lei do Audiovisual?
AS: Sim. Neste momento, temos dez projetos em diferentes fases de produção. •

Publicado na edição n° 1354 de CartaCapital, em 26 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma aposta inédita’

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Last Update: 20/03/2025