A reeleição de Donald Trump fez com que a teoria política da esquerda pequeno-burguesa entrasse em curto-circuito. Afinal, para esse setor, o mundo estaria dividido entre “democratas” e “autoritários”. Os democratas seriam pessoas como Joe Biden, o grande financiador da guerra na Faixa de Gaza, Vladimir Zelensqui, o comandante dos batalhões nazistas ucranianos, Daniel Noboa, que roubou as eleições presidenciais e segue mantendo a população equatoriana refém de um estado de sítio. Já os “autoritários” seriam os desafetos destes “democratas”, no que estariam incluídos desde Donald Trump a Nicolás Maduro.

O problema desta análise é que, uma vez que Trump tomou posse, ficou claro que ele é uma pessoa muito menos nociva para a classe operária mundial, quando comparado a um mafioso como Joe Biden. Por isso, a esquerda pequeno-burguesa foi obrigada a criar novas teorias para explicar o fenômeno Trump.

No artigo Para entender Donald Trump, publicado pelo Brasil 247, Denise Assis procura uma explicação na personalidade de Trump:

“Voluntarista, ele desarrumou o mundo tal como o conhecíamos. Isso é perigoso, traz incertezas, mas é o que ele quer. E Donald Trump só faz o que ele quer. Ainda que desarrume o mundo tal como o conhecíamos. Com isso, estamos fechando um ciclo. Vimos e vivemos o apogeu do império. E é alguém tipicamente fruto desse império que o está colocando abaixo. Um homem poderoso, de negócios e de vontades.”

É ridículo acreditar que um único homem, por ser “voluntarista”, estaria pondo abaixo a ordem mundial. Esta é, no entanto, a manobra intelectual operada por Denise Assis: para manter Trump como o maior inimigo a ser combatido, ele seria alguém que estaria contrariando os interesses do imperialismo não por causa de seus próprios interesses, mas porque seria um louco. Se isso fosse fato, Trump já seria menos nocivo que Biden de qualquer modo. No entanto, uma análise de classe explicará o motivo de ele estar se chocando com a ordem mundial.

Antes de partirmos para a análise das classes sociais, destacamos o quanto a política de Denise Assis de sustentar a tese da “democracia x autoritarismo” é reacionária:

“No começo de setembro de 2017, no oitavo mês de governo Trump, Gary Cohn, ex-presidente da Goldman Sachs e principal assessor econômico da Casa Branca, caminhou cuidadosamente em direção à mesa do presidente no Salão Oval […) Na mesa, havia o rascunho de uma carta de uma página de Trump para o presidente da Coreia do Sul, encerrando o tratado de livre-comércio entre os dois países, conhecido como Korus. Cohn ficou chocado. Por meses, Trump tinha ameaçado cancelar o acordo, um dos pilares de uma relação econômica, de uma aliança militar e, o mais importante, de operações altamente confidenciais dos serviços de inteligência. A capacidade de detectar um lançamento em sete segundos daria às forças militares dos Estados Unidos tempo de derrubar um míssil norte-coreano. Talvez fosse a operação mais importante e secreta do governo norte-americano. A presença dos Estados Unidos na Coreia do Sul representava a essência da segurança nacional. (…) Tudo aquilo era resultado da fúria de Trump quanto ao déficit de 18 bilhões de dólares anuais no comércio com a Coreia do Sul e nos gastos de 3,5 bilhões de dólares para manter os soldados lá.”

O que Assis nos demonstra é que a política de Trump guarda tantas contradições com o imperialismo que ele seria capaz de liquidar uma das mais importantes bases norte-americanas em todo o continente asiático. O mais grotesco é a autora apresentar isso como algo negativo, quando, na verdade, seria um progresso para toda a humanidade.

O fato de que Assis se preocupe com o caráter anti-imperialista de muitas ações de Trump apenas revela que a crítica da esquerda pequeno-burguesa ao trumpismo é, na verdade, uma defesa do imperialismo.

Também chama a atenção que ela ignora que Trump foi eleito por 77 milhões de norte-americanos. Dizer que a sua política é baseada em sentimentos como “fúria” é o mesmo que dizer que a população norte-americana não tem interesses a serem defendidos.

Trump se choca com o imperialismo porque é o representante de uma classe social em choque com a sua política. O presidente norte-americano defende os interesses da burguesia interna norte-americana – burguesia esta que está sendo destruída pela política neoliberal. Trump representa os interesses daqueles setores que fecharam as portas por causa da chamada “globalização” e do financiamento das guerras imperialistas.

Na medida em que defende estes interesses, Trump acaba adotando políticas que são favoráveis à classe operária. E é por isso que ele teve tantos votos, incluindo muitos setores operários. Romper com a Coreia do Sul, buscar um acordo com a Coreia do Norte e diminuir a pressão sobre a Rússia não são motivados por uma “fúria”, mas parte de uma política consciente.

Seguindo um raciocínio semelhante ao de Denise Assis, o economista Richard D. Wolff publicou um vídeo intitulado Trump, Hitler e o fim do império americano. Nele, Wolff argumenta que:

“A classe trabalhadora está sendo atingida de muitas maneiras. Está revoltada, está com raiva, e não vê uma saída. Essa é uma descrição do proletariado alemão na ascensão de Hitler”.

Nada poderia ser mais falso. A classe operária alemã estava revoltada, sim, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Tanto que duas revoluções proletárias ocorreram depois do conflito. Contudo, a ascensão de Adolf Hitler é o resultado de uma profunda derrota do movimento operário. O nazismo foi um movimento impulsionado pelos grandes capitalistas para impedir uma nova revolução.

No caso dos Estados Unidos, a classe operária não está, atualmente, ameaçando tomar o poder. Há muita insatisfação com a política neoliberal, mas ela não foi suficiente para romper o refluxo da classe operária. Por isso, a política de Trump, ao contrário da de Hitler, não se choca com os interesses do proletariado no momento. Pelo contrário, sua política, se bem sucedida, levará ao fortalecimento da classe operária.

Wolff ainda argumenta que:

“Precisamos estudar o passado não para repetir os erros, mas para aprender com eles. O império está acabando, e temos que decidir o que virá em seu lugar.”

O governo Trump é um sinal de decadência do imperialismo? Sim, sem dúvidas. É a demonstração de que a ordem mundial entrou em colapso. Para que ela sobrevivesse, foi preciso destruir parte da indústria norte-americana. Agora, esta indústria provoca uma revolta na cabine de controle de toda a ordem mundial. É uma crise sem precedentes.

Essa consideração, no entanto, é um cavalo de pau na política defendida anteriormente pela esquerda pequeno-burguesa. Afinal, se Trump iria acelerar a crise capitalista, por que fazer uma campanha histérica contra ele no passado?

Chama muito a atenção a capacidade da esquerda pequeno-burguesa mudar da política de “o mundo vai acabar se Trump vencer” para “Trump fará o imperialismo afundar”. A primeira é uma defesa explícita do Partido Democrata e do imperialismo em geral. A segunda, um oportunismo total, que indica que o imperialismo irá se auto-implodir, sem a necessidade de uma ação revolucionária das massas. Trata-se, portanto, também de uma defesa do imperialismo.

Embora Trump represente um setor em contradição com o imperialismo, o fato de ele se tornar presidente não muda a política do imperialismo. Pelo contrário: o imperialismo é capaz de agir contra o presidente, como está fazendo no momento, procurando pressioná-lo de todas as formas. O imperialismo está reagindo e sempre irá reagir a toda revolta contra ele. Por isso, não adianta comemorar o seu estado de decadência, é preciso uma política que organize a classe operária mundial para responder à contra-ofensiva do imperialismo.

E ela passa, neste momento, pela defesa intransigente da Resistência Palestina, pela defesa intransigente da Rússia na luta contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pela luta do povo brasileiro contra a ditadura que está se instaurando no País.

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Last Update: 16/04/2025