O ex-presidente Jair Bolsonaro mobilizou ao menos 15 servidores para tentar liberar joias no final de seu mandato, em dezembro de 2022. Os itens foram retidos na alfândega do Aeroporto de Guarulhos (SP) e ele criou uma “operação” para tentar enviá-los aos Estados Unidos no avião presidencial, que decolou no dia 30 daquele mês.
Nas duas últimas semanas de seu mandato, Bolsonaro mobilizou sete servidores de altos cargos da Receita Federal, quatro ajudantes de ordens da Presidência, três integrantes do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência e um funcionário da Secretaria-Geral da Presidência na ocasião.
A Polícia Federal encontrou uma mensagem do então chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, enviada a um subordinado que dizia: “Bota todo mundo para trabalhar para a gente”. Ele recebeu um pedido de Bolsonaro na primeira quinzena de dezembro daquele ano para tentar liberar as joias, segundo seu depoimento à corporação.
O material foi apreendido pela Receita em setembro de 2021 com um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Ele havia recebido um kit de joias femininas da marca Chopard durante viagem à Arábia Saudita.
A principal suspeita da PF é que os itens seriam recuperados e vendidos nos Estados Unidos, assim como outros presentes. Investigadores afirmam que houve “uma operação, até certo ponto desesperada, para tentar subtrair as joias femininas retidas pela Receita Federal, em tempo hábil a despachá-las no avião presidencial, que decolaria no dia 30 de dezembro de 2022, com destino aos Estados Unidos”.
A operação começou no dia 14 de dezembro de 2022. Após reunião com Bolsonaro, o chefe da Receita procurou sua chefe de gabinete para tratar do assunto e encaminhou um e-mail para o subsecretário de Administração Aduaneira “para saber sobre a situação desses bens”.
O pedido então foi enviado enviada à Superintendência Regional da Receita Federal da 8ª Região Fiscal, em São Paulo, e o responsável pelo órgão afirmou que foi decretado o perdimento das joias por conta da importação irregular.
Após saber do caso, o chefe da 8ª Região Fiscal encaminha a resposta para o subsecretário de Gestão Corporativa e contata o chefe da Coordenação-Geral de Programação e Logística da Receita. Neste momento, já havia cinco funcionários em cargos de chefia ou gabinetes da Receita na operação.
Funcionários do órgão relataram pressa para resolver o caso e pressão de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e do próprio ex-presidente para reaver os itens. Em 27 de dezembro, o auxiliar do então mandatário acionou o chefe do GADH, Marcelo Vieira, e pediu para que ele encaminhasse um ofício à Receita para incorporar os itens ao acervo presidencial.
O responsável pelo gabinete, no entanto, informou que não tinha atribuição para fazer o pedido e sugeriu que o secretário de Administração da Secretaria-Geral da Presidência fosse acionado para resolver o problema. O chefe do GADH relatou que “até o presidente” falou com ele para tentar liberar as joias.
No dia 28, o chefe da Receita articulou a criação de um ofício para pedir a liberação formal das joias e enviou um áudio ao superintendente da 8ª Região dizendo o seguinte: “Bota todo mundo para trabalhar para a gente de forma que a gente consiga cumprir isso daí e disponibilize isso amanhã às cinco da tarde”.
Posteriormente, foram acionados o subsecretário-geral da Receita e o superintendente-adjunto da 8ª Região Fiscal, que reclamou da iniciativa do ex-presidente e seus auxiliares. “Essa tentativa final ‘apressada’ pode deixar uma série de pontas soltas nessa história e repercutir negativamente para a imagem do dirigente de nossa instituição”, afirmou a um colega.
A última investida de Bolsonaro e seus auxiliares para reaver os itens ocorreu com um ajudante de ordens, que viajou até Guarulhos em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) e acabou tendo o pedido de liberação rejeitado por servidores da Receita.
De todos os envolvidos, apenas Cid, Cesar Vieira e Marcelo Vieira foram indiciados. Os dois primeiros foram acusados de associação criminosa e peculato, enquanto o terceiro também cometeu advocacia administrativa, segundo a Polícia Federal.
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