Saiu recentemente no New York Times uma reportagem sobre como a cena de restaurantes mudou em Nova York nos últimos 25 anos. Em 2000, Anthony Bourdain lançava Cozinha Confidencial, em que desnudava o que se passava entre os chefs e trazia verdades inconvenientes ao grande público: “se você comer o pão grátis do couvert, é bom saber que ele passou de mão em mão em outras mesas.”
O hambúrguer chegava à alta gastronomia envolto em trufas e foie gras pelas mãos do chef Daniel Boulud. Em 2003, a cidade começou a discutir a proibição de fumar nos estabelecimentos sob a ameaça dos proprietários de bares e restaurantes de que a decisão fecharia muitas portas e provocaria demissões em massa. O cigarro foi banido sem grandes impactos para a indústria de alimentação.
Em 2008, para democratizar o acesso, o Momofuku começou a usar um sistema de reserva online para seus endereços. Era o fim dos telefonemas, do envio do fax e dos e-mails para conseguir um lugar às mesas, que ganharia outro impulso em 2015, com a chegada dos aplicativos como o Uber Eats. Os estrelados do Michelin podiam chegar à sua casa.
A pandemia trouxe uma outra realidade para os restaurantes de Nova York, com o fechamento de alguns, demissões de muitos colaboradores, revisão de processos e cardápios e o uso mais intenso de entregadores para levar a comida das cozinhas para as casas. Em alguns casos, quem sobreviveu vendeu parte da adega ou mudou a proposta para algo mais em conta.
E o Brasil? E São Paulo? O que mudou nesses 25 anos? Em 1999, com a abertura do DOM, Alex Atala buscou realçar a gastronomia brasileira a partir de ingredientes nativos ainda pouco conhecidos fora de suas regiões natais: jambu, tucupi, açaí ganhavam palco fora da Amazônia e nas mãos de um brasileiro. (O movimento de destacar ingredientes brasileiros tem raízes em dois franceses: Claude Troisgros e Laurent Suaudeau.)
Nos anos 2000 foram um momento em que a cozinha molecular, sob o esteio do El Bulli e do chef espanhol Ferran Adriá, ganhou espaço. Espumas surgiram nos pratos. No início de 2010, Mino Carta foi entrevistar o chef italiano Heinz Beck e abriu o texto com sua opinião sobre as moléculas alimentares. “De quando em quando colhem-se na Terra provas da existência de Deus. Eis aí, acaba de fechar o restaurante El Bulli de Ferran Adrià, o inventor da chamada cozinha molecular, que inúmeros prosélitos fez pelo mundo para alegria de quem não aprecia os sabores autênticos da comida genuína.”
Como em Nova York, a fumaça dos cigarros e charutos saiu dos restaurantes e bares. Em maio de 2009, o Estado de São aprovou a Lei n° 13.541/2009, a primeira em nível estadual no país que proibiu o fumo em ambientes fechados e coletivos.
As transformações por aqui vieram também da intensa verticalização, com a valorização do metro quadrado alugado e os preços nos menus ascendendo vertiginosamente na mesma velocidade dos espigões, do uso maciço das redes sociais nas palmas das mãos e o declínio da mídia tradicional, do avanço do conhecimento brasileiro sobre vinhos, a chegada do guia Michelin ao Brasil e a gourmetização do pão nosso de cada dia.
A verticalização intensa levou ao fechamento de casas (espanhol Dom Curro), à mudança de alguns estabelecimentos (Vinheria Percussi) e à abertura de muitos restaurantes em shoppings (Piselli) e ao aumento dos preços. As redes sociais criaram uma legião de novos críticos e fotógrafos, sendo que em alguns casos a decoração e a luz dos restaurantes se tornaram mais importantes que os pratos.
O consumo per capita de vinhos no Brasil cresceu: de 1,8 litro em 2019 para cerca de 3 litros em 2022, com um aumento significativo no número de consumidores regulares. Entre 2022 e 2023, o consumo de vinho no Brasil aumentou 11,6%, o segundo maior aumento do mundo, atrás apenas da Romênia, com 20%, de acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). A gourmetização das padarias convive com as estrelas do guia Michelin, que chegou ao Brasil na esteira dos grandes eventos esportivos da década passada.
Entre avanços e mudanças nos pratos, nas mesas e nas garrafas, a busca pela comida genuína continua. De preferência, num casarão de portas abertas em uma vizinhança sem espigões e sem shoppings. Ainda existem.