Um Pepe Mujica que nunca existiu

O artigo Pepe Mujica se vai deixando exemplo de coragem e coerência, assinado por Denise Assis, pinta um Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, muito distante da realidade.

Denise Assis diz no primeiro parágrafo que “Pepe Mujica se foi e não volta, mas sua trajetória é tão marcante, suas lições de tal grandeza, que ficaremos por anos a fio nos lembrando de suas frases e ensinamentos”. Fato é que se Mujica, no início de sua trajetória, chegou a pegar em armas para lutar contra a extrema direita, ele terminou sua carreira fazendo inúmeras concessões ao imperialismo.

Mujica foi militante do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T). Esse grupo atuou durante as décadas de 1960-1970, era de inspiração marxista, anti-imperialista, e se espelhava na Revolução Cubana. O nome Tupamaro é uma homenagem ao líder índio Túpaq Amaru II, nome adotado por José Gabriel Condocanqui, um descendente de nobres incas que liderou uma grande rebelião contro o domínio colonial espanhol no Peru em 1780.

O ex-tupamaro também acabou criando uma imagem de si que pouco ajuda a esquerda. Denise Assis exalta que Pepe Mujica “nos ensinou com os seus atos, com o seu modo de vida. Falava em simplicidade, mas vivia com simplicidade. Ou seja, demonstrava na prática o que era se deslocar em um fusca azul, do ano de 1987, que o levava ao centro da cidade de Montevidéu, com a mesma eficiência de qualquer SUV. Não tinha pressa e, portanto, desde que chegasse e cumprisse a sua agenda, pouco importava se a pintura azul calcinha era ou não reluzente e moderna. Era eficiente, e isto bastava”.

Cada um vive como quer, mas o socialismo, o comunismo, não tem nada a ver com as pessoas vivendo uma vida de monge franciscano, com tecnologias atrasadas, ou afeitas a uma vida de escassez. O socialismo luta por uma vida baseada no amplo desenvolvimento tecnológico e social.

Enquanto os índios de verdade, as pessoas que vivem na Região Amazônica, sonham com eletricidade, escolas, hospitais e Internet, os oportunistas não querem sequer que se leve eletricidade à região. Pregam uma “pureza” na qual eles mesmos não vivem, como Sonia Guajajara e outras figuras deletérias da esquerda brasileira.

É verdade que Mujica “se jogou cedo pelos caminhos do ideal revolucionário, pagando o preço pela opção pelos pobres, pela redução das desigualdades; acreditou na luta e mofou em solitárias”. Mas isso ficou no passado. Se, antes, os tupamaros, chegaram a assaltar bancos, Mujica, na presidência, adotou uma política que beneficiou esse setor parasitário da sociedade. O neoliberalismo foi mantido mesmo com sua subida ao poder e não houve nem mesmo um enfrentamento mínimo com o imperialismo, como ficou explícito em sua política externa.

Pepe Mujica criticou governos nacionalistas que vêm sendo acossados pelo imperialismo. Se opôs a Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua), cujos países sofriam, ainda sofrem, sanções dos Estados Unidos. Assim como diz a grande imprensa, nacional e internacional, Mujica acusava os dois presidentes de não serem de esquerda, mas autoritários. Bem como pregou que a Venezuela passaria por uma revolução interna que derrubaria o chavismo. A mesma política que o imperialismo defende, ao ponto de treinar e financiar grupos paramilitares para atacarem os governos desses países.

Afirmar que Mujica “encontrou o caminho da política tradicional e a praticou com a paciência que não teve na juventude” é mascarar que ele abandonou suas convicções e se voltou enormemente para a direita.

Como já foi dito por este Diário, Pepe Mujica foi o único presidente “de esquerda” da América do Sul a concluir seu mandato entre 2010 e 2016 sem sofrer perseguições, deposição ou ataques diretos das forças golpistas.

Outro sinal de sua política reacionária é o modo como a grande imprensa capitalista o tratava, descrevendo-o como um símbolo de moderação e simplicidade.

O medo da crítica

No Brasil, a esquerda costuma fugir do debate, toda crítica é tomada algo negativo, mas não existe marxismo sem pensamento crítico.

Se Mujica teve um começo na esquerda e, na volta para a política, passou a promover uma política neoliberalismo e pró-imperialista, isso precisa ser dito.

Como bem expressou Lênin, “dizer a verdade é revolucionário”. Sem isso, sem fazer a devida crítica, a esquerda acaba se mirando em figuras como Pepe Mujica e se afastando de seus objetivos.

Já foi escrito no DCO, que nos últimos anos, mesmo afastado da vida partidária, Mujica seguiu como referência para setores políticos latino-americanos alinhados com o chamado “campo democrático”, isto é, os mais alinhados aos EUA, em particular ao imperialismo norte-americano e ao Partido Democrata.

É preciso ter clareza dos fatos. Ainda que não se deva jogar lama no passado radical de Mujica, o final de sua carreira foi prejudicial para a esquerda. Se alinhar ao Partido Democrata americano é estar ao lado dos senhores da guerra, dos financiadores de golpes pelo mundo; é estar com os apoiadores do genocídio em Gaza.

No Brasil se tem visto o que é um “campo democrático”: um balde onde cabe todo tipo de lixo; de defensores de Alexandre de Moraes, apoiadores da continuidade da guerra na Ucrânia, e aqueles que pregam abertamente que a esquerda deve se unir com as democracias liberais (o imperialismo) contra o “fascismo”.

Sem dizer a verdade, sem desmascarar falsos mitos, a esquerda se torna linha auxiliar do imperialismo e acaba se juntando com os inimigos da classe trabalhadora.

Artigo Anterior

Petroleiros ameaçam reagir com greve contra arrocho na Petrobrás

Próximo Artigo

Focos de gripe aviária suspendem exportações de frango brasileiro

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!