O artigo “Que a Igreja de Francisco não se acovarde”, de Moisés Mendes, publicado nesta segunda-feira (21), no Brasil 247, traz um olho curioso: “O Papa morto deve inspirar os cardeais, para que seu sucessor também seja odiado pelo fascismo”.

Por que seria curioso? Porque a Igreja e o fascismo têm um conhecido histórico de colaboração. Em 1929, por exemplo, a Igreja Católica assinou os Tratados de Latrão com o governo fascista, que estabeleceram a Cidade do Vaticano como um Estado independente e reconheceram o catolicismo como a religião oficial da Itália.

O Papa Pio XI, em 1933, assinou uma concordata com a Alemanha nazista liderada por Adolf Hitler. O objetivo declarado era proteger os direitos da Igreja Católica na Alemanha, garantindo o funcionamento das instituições católicas. No entanto, essa concordata foi criticada posteriormente por ser vista como uma legitimação do regime nazista, especialmente porque veio pouco depois da ascensão de Hitler ao poder.

Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a Igreja apoiou amplamente o fascista Francisco Franco, que era abertamente anti-comunista e anti-separatista. Após a guerra, a Igreja desempenhou um papel central na vida pública espanhola sob o regime franquista.

Em Portugal, o regime de António de Oliveira Salazar, conhecido como “Estado Novo”, também manteve boas relações com a Igreja Católica.

Na América Latina, em países como Argentina, Brasil e Chile, a Igreja Católica teve relações variadas com regimes militares e autoritários. Em alguns casos, bispos e padres colaboraram com governos repressivos

Feitos esses breves esclarecimentos acima, notamos que Moisés Mendes considera que “Francisco era uma ilha de humanismo cercada de poder fascista por todos os lados. Nesse mundo de déspotas eleitos, o Papa era um líder progressista”. Mas não é bem assim, como veremos.

O “progressismo” de Francisco

Em 2020, o Papa “progressista”, manifestou-se contra a aprovação de projeto de lei que tentava legalizar o aborto na Argentina até a 14ª semana de gestação. Em resposta a uma carta que recebeu das “mujeres de las villas”, um grupo que milita contra o aborto, escreveu:

“A pátria está orgulhosa de ter mulheres assim. E sobre o problema do aborto, ter presente que não é um assunto primariamente religioso, mas de ética humana, anterior a qualquer confissão religiosa. E faz bem fazer-se duas perguntas: É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema? É justo contratar um assassino para resolver um problema?”.

No ano de 2023, o Papa Francisco comparou Daniel Ortega a Hitler, e isso durante uma ofensiva do imperialismo contra a Nicarágua. Disse em entrevista que o governo eleito da Nicarágua é semelhante às “ditaduras comunistas de 1917 ou à de Hitler em 1935”. Estava indignado com a prisão do bispo Rolando Alvarez, acusado de “conspirar para minar a integridade nacional”. Vale lembrar que o Bispo foi registrado ao lado de agitadores.

Também em 2023, o Papa defendeu a política imperialista de controle da Amazônia, afirmando que o desmatamento no Brasil é “escandaloso” e que o país está “preso à exploração das riquezas naturais”.

Democracia x fascismo

Mendes anda preocupado, deseja que “os cardeais indicados pelo Papa sejam coerentes com o que Francisco fez ao reconhecê-los como integrantes da elite da Igreja que ele mudou. Que tenham a coragem de enfrentar não só os controles internos dos espaços em que vivem, mas também o mundo externo que Trump e seus satélites pretendem dominar”.

Donald Trump é o bicho-papão que venceu a eleição contra o “democrata” Joe Biden, aquele que colocou o mundo à beira de uma Terceira Guerra Mundial e financiou amplamente o genocídio em Gaza. Para setores da esquerda, é preciso derrotar o fascismo, para isso é necessário apoiar as democracias liberais, lideradas por Macron, Keir Starmer, democracias que prendem pessoas por postagens nas redes sociais e que reprimem violentamente quem se manifesta a favor da Palestina.

Moisés Mendes teme que “no contexto de um cenário internacional dominado por líderes fascistas, a Igreja pode – porque tudo é imprevisível no conclave – cometer o erro de fazer média com essa gente, alinhando seus interesses às ambições das ditaduras criadas pelos disfarces da democracia”. Seria interessante se o jornalista indicasse quais são as democracias e quais são as ditaduras. E, como vimos, a igreja fazer média com líderes fascistas nem chega a ser uma novidade.

Mudou de água para vinho

No mundo imaginário de Moisés Mendes, milagres acontecem. Podemos citar, por exemplo, Alexandre de Moraes, o ministro do STF indicado pelo golpista Michel Temer; um sujeito que votou pela prisão de Lula… mas, que para o jornalista se transformou em um bravo defensor da democracia.

No que se refere ao Papa, a lógica segue a mesma, pois afirma que:

“Jorge Mario Bergoglio não era um padre com marca progressista e, durante a ditadura, teria sido vacilante nas relações com os generais, como líder dos jesuítas argentinos. Mas, eleito Papa, redimiu-se e fez tanto pelas liberdades que passou a ser odiado pela direita mundial e, no caso brasileiro, pelo bolsonarismo”.

Terão sido apenas relações “vacilantes”?

As alegações de que Jorge Mario Bergoglio, colaborou com a ditadura militar na Argentina (1976-1983) surgiram principalmente em relação ao seu papel como jesuíta e líder da Companhia de Jesus no país durante um dos períodos mais sombrios da história argentina. Esse regime foi marcado por gravíssimas violações dos direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados, torturas e assassinatos de opositores políticos.

Durante esse período, milhares de pessoas foram perseguidas, sequestradas e mortas sob a acusação de serem “subversivas” ou ligadas a movimentos de esquerda. Muitos desses desaparecidos eram jovens estudantes, trabalhadores, intelectuais e até mesmo religiosos.

Na época, Bergoglio era o provincial da Companhia de Jesus na Argentina, posição que ocupou entre 1973 e 1979. Como líder da ordem jesuíta no país, ele teve influência sobre as decisões e posturas da Igreja Católica.

Dois sacerdotes jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics , foram sequestrados pela ditadura em 1976. Eles trabalhavam em favelas de Buenos Aires, e foram acusados de ter ligações com grupos de esquerda. Após sua prisão, ambos foram torturados e mantidos em cativeiro por cinco meses antes de serem libertados.

Os críticos de Bergoglio argumentam que ele não fez o suficiente para proteger os dois padres e que pode ter retirado seu apoio institucional a eles. No mais, ele não falou abertamente contra as atrocidades cometidas pela ditadura enquanto ela estava no poder, embora muitos outros membros da Igreja Católica tenham denunciado os crimes.

Fantasias

As afirmações de Mendes sobre o Papa que acaba de falecer são fantasiosas. O jornalista passa por cima de um tema muito importante sobre a ditadura argentina.

A luta contra o fascismo é falsa. Praticamente toda a imprensa que se diz de esquerda apoiou a eleição de Joe Biden e utilizam Donald Trump como espantalho, não que ele seja grande coisa, mas o estrago que os democratas produziram são enormes, inclusive a orquestração do golpe de 2016. Aquele “com Supremo, com tudo”.

Mendes pede que “os eleitores do Vaticano respeitem a memória de Francisco”. A qual memória ele se refere?

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Last Update: 23/04/2025