A qualidade da formação médica no Brasil é tema de crescente preocupação e debate. Em um cenário complexo, no qual se multiplicam as escolas de medicina e se diversificam os modelos pedagógicos, garantir a excelência do ensino e a adequada preparação dos futuros médicos torna-se um desafio crucial e inadiável.

Como apontei no artigo “A quem interessa?”, a avaliação das escolas médicas deve ser encarada como um processo obrigatório e permanente, com o objetivo de promover a melhora contínua da formação. Não se trata de buscar culpados ou punir estudantes após a conclusão do curso, mas identificar fragilidades do sistema de formação e implementar ações efetivas para superá-las ao longo do processo educacional.

Nesse contexto, o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica ­(EnaMED), uma modalidade do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) específico para a medicina, lançado esta semana pelo Ministério da Educação (MEC), surge como uma ferramenta promissora.

O EnaMED será aplicado pelo Inep anualmente e avaliará os concluintes dos cursos de graduação em Medicina em relação aos conteúdos programáticos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Contribuirá, assim, para um diagnóstico mais abrangente e preciso da formação oferecida pelas instituições de ensino.

A obrigatoriedade do EnaMED como componente curricular dos cursos de graduação reforça seu papel estruturante na avaliação e aprimoramento das escolas médicas. Os resultados do exame, comparáveis ao longo dos anos, permitirão o monitoramento contínuo da qualidade dos cursos, identificando eventuais deficiências e subsidiando a implementação de medidas corretivas por parte do MEC.

O EnaMED diferencia-se significativamente dos exames de proficiência defendidos por algumas corporações médicas por não ter foco no indivíduo e não impedir os formandos de exercer a medicina. Avalia-se, por meio do estudante, a instituição formadora.

Uma medida inovadora foi adotada pelo MEC para estimular ampla participação dos formandos no EnaMED, já que a baixa adesão de alunos de algumas universidades públicas e a escolha seletiva de recém-formados oriundos de instituições privadas no Enade implicavam um importante viés na análise da qualidade das instituições. O EnaMED permitirá que a nota obtida no exame seja a utilizada para a seleção da residência médica no Exame Nacional de Residência ­(Enare). Essa possibilidade funciona como um incentivo adicional aos estudantes e um facilitador para o acesso à especialização, valorizando o mérito acadêmico e a excelência na formação.

Já critiquei, neste espaço, a proposta de “exame de ordem” para o exercício da medicina. Acredito que tal medida não garante melhor formação, concentra poder excessivo nas mãos de uma parte da corporação e pode resultar em reserva de mercado. Além disso, um exame de proficiência que restrinja o número de médicos com habilitação para atuar teria consequências graves. Primeiro, influenciaria a formação médica e a busca por cursinhos preparatórios, levando a uma experiência voltada apenas para o teste, em vez de uma formação mais ampla e prática.

Segundo, ao restringir a entrada de novos profissionais no mercado de trabalho, impactaria o sistema de saúde neste momento em que o Brasil, finalmente, começa a superar a escassez de médicos na atenção básica em áreas remotas e periféricas. Corre-se, ainda, o risco de aprofundamento no gargalo de especialistas para atuar no SUS, prejudicando o acesso da população a serviços de saúde de qualidade.

É preciso reconhecer que a qualidade da formação médica é tema complexo e multifacetado, que envolve diversos atores e dimensões. Além da avaliação dos cursos, é fundamental investir na qualificação do corpo docente, na infraestrutura das escolas, nos cenários de prática e em políticas que promovam a equidade e a diversidade no acesso à educação médica.

O EnaMED, ao oferecer um instrumento de avaliação abrangente, transparente e orientado para a melhora contínua da formação médica no Brasil, representa um avanço importante nesse sentido. Agora temos a oportunidade de construir um novo capítulo na história da educação médica, marcado pela qualidade, pela ética e pelo compromisso com a saúde da população. •


*Colaborou José Santana, médico e doutorando em Saúde Coletiva pela Unifesp.

Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um novo paradigma’

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Last Update: 24/04/2025