Lula deixou sua recente passagem por Pequim trazendo na bagagem uma série de acordos, promessas e memorandos com a China, no que vem sendo divulgado por grande parte da imprensa,e comemorado por setores majoritários da esquerda, como um fortalecimento de um suposto pólo multilateral frente à recente ofensiva protecionista de Trump. Por outro lado, setores expressivos da própria burguesia enxergam esse movimento como uma suposta oportunidade de desenvolvimento e empregos para o país.
As promessas e acordos de investimentos chineses no Brasil seriam, mesmo, uma medida progressista já que, supostamente, se contrapõem ao imperialismo norte-americano? Seria capaz também de desenvolver o país e gerar empregos e rendas para todos?
O significado dos acordos comerciais com a China
Sob um discurso de “acordos mútuos”, “multilateralismo” e “cooperação”, esconde-se a entrega do Brasil ao capital chinês. Ao contrário do que faz parecer grande parte da esquerda e da burguesia brasileira, isso não tem nada de progressivo, mas o aprofundamento do retrocesso do país na divisão internacional do trabalho (com a reprimarização relativa da economia, e o aumento das exportações de commodities), a desnacionalização cada vez maior da economia (com a compra de empresas e a privatização de setores estratégicos ao capital chinês) e a perda da soberania diante de uma potência capitalista em ascensão.
Parte da esquerda defende a China como uma alternativa à dominação imperialista norte-americana. Querem fazer parecer que os investimentos de Pequim são diferentes dos de outras potências capitalistas, e que as relações estabelecidas com a China teriam um outro caráter, mais fraternal dentro de uma suposta relação igualitária “Sul-Sul”. Uma espécie de “capital do bem”.
Não existe, porém, uma dominação imperialista mais ou menos ruim ao país subordinado. Um investimento não é uma doação altruísta realizada pela China em prol do desenvolvimento de determinado país. É o contrário, uma relação de exploração, com o objetivo de extrair as riquezas produzidas pela classe trabalhadora, como ocorre com qualquer relação imperialista.
Exemplo evidente dessa relação é a pilhagem realizada pela China na África. Nos últimos 20 anos o continente recebeu uma enxurrada de investimentos chineses em infraestrutura, como estradas, ferrovias e portos. Tudo para conquistar o controle da produção de matérias-primas, como as minas e poços de petróleo, e escoá-las para o país, devolvendo em troca produtos industrializados e de alta tecnologia, de maior valor agregado. Isso sem falar que grande parte dos ditos investimentos chineses são empréstimos que se transformam em dívida. Cerca de 20% da dívida dos países africanos é justamente com a China.
Uma relação que o próprio presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Akinwumi Adesina, classificou como “predatória”.

Fonte: Escritório Nacional de Estatísticas da China
No Brasil, já acumulamos exemplos do modus operandi do imperialismo chinês. A Ford Camaçari, na Bahia, foi comprada pela chinesa BYD e, no final de 2024, 163 operários chineses foram resgatados da unidade em condições análogas à escravidão. Ou seja, foi um investimento que não aumentou a capacidade produtiva, não gerou empregos, se beneficiou de isenções e subsídios e ainda colocou operários em condições subumanas de trabalho.
Agora, mesmo que se concretizem os investimentos da China no país no sentido de ampliar a infraestrutura, como em ferrovias e portos, será dentro dessa mesma lógica imperialista, ou seja, para explorar os recursos naturais, superexplorar a mão-de-obra e pilhar as riquezas do Brasil. Um investimento que tem por trás não o desenvolvimento ou qualquer tipo de progresso, mas ainda mais subordinação, decadência e retrocesso.
O imperialismo chinês, portanto, não é alternativa ao imperialismo norte-americano. Uma verdadeira soberania pressupõe a luta contra a dominação de todos os imperialismos, incluindo o imperialismo norte-americano, que ainda é amplamente dominante no país, e o imperialismo chinês, que, embora minoritário, vem numa crescente e tenta multiplicar seus tentáculos em meio à crise e decadência dos EUA.
Pequim versus Washington: Uma disputa interimperialista
“Diante das tendências geopolíticas e do confronto entre campos e das crescentes contracorrentes de unilateralismo e protecionismo, a China está disposta a trabalhar com a América Latina para buscar conjuntamente o desenvolvimento e a revitalização e construir uma comunidade com um futuro compartilhado entre a China e a América Latina“, afirmou o líder chinês Xi Jinping, durante o Fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e China, em Pequim, nesta terça-feira, 13.
Ao lado de Xi Jinping, Lula afirmou que a região “não deseja ser palco de disputas hegemônicas“. “Não queremos repetir a história e encenar uma nova guerra fria“, declarou. Discurso reafirmado pelo presidente colombiano Gustavo Petro, que disse que os líderes ali presentes estariam enviando “uma mensagem ao mundo de reconstrução do multilateralismo“.
A China prometeu o equivalente a 9 bilhões de dólares (R$ 51 bilhões) em investimentos na América Latina e Caribe. Seriam, essencialmente, investimentos em projetos de infraestrutura na região. Tudo embalado num discurso de parceria e acordos mútuos entre iguais.
Antes mesmo do Celac, na segunda-feira, o governo brasileiro divulgava acordos com empresários chineses que preveem investimentos de R$ 27 bilhões no Brasil nos próximos anos. Entre as áreas que receberiam o capital chinês estão o delivery, com a empresa Meituan, carros elétricos da montadora GAC e a mineração, através da gigante Bayin Nonferrous.
Disputa de mercados

Trump durante encontro com delegação chinesa no G20 realizado em 2019 no Japão. Foto White House
A investida chinesa na região se dá em meio ao aprofundamento da disputa interimperialista entre EUA e China, que escalou após o anúncio por Trump de um tarifaço generalizado, um ataque ao conjunto dos países, mas cujo alvo principal é Pequim. Apesar do anúncio de uma trégua temporária com a China, com a redução das tarifas, a tensão entre essas duas potências capitalistas está longe de terminar.
A China, diante da ofensiva trumpista (que reflete uma reação perante a decadência dos EUA enquanto potência imperialista hegemônica), enxerga o momento como uma oportunidade para tomar vantagem na disputa pelos mercados dos países semicoloniais. Algo fundamental para manter, e impulsionar, sua tendência de vertiginoso crescimento e conseguir fazer frente aos EUA enquanto principal país imperialista.
A chamada Iniciativa Cinturão e Rota da China (Belt and Road em inglês), faz parte dessa estratégia chinesa, com investimentos na Ásia, Europa e África. Com a precipitação da disputa com os EUA, a China acelera seus planos para a América Latina.
A presença chinesa no mercado brasileiro já vinha numa crescente. As importações da China subiram de 10,2% para 18,7% entre 2019 e 2024. Só em 2025, as importações chinesas cresceram 28,1%, segundo dados do painel de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Um memorando recente assinado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, prevê um Plano de Cooperação com bilionários investimentos no Novo PAC. No pacote entrariam ferrovias (com trens, metrôs, VLT’s), além da privatização de estradas, portos e aeroportos.
Resumindo: uma abertura aos produtos industrializados e ao capital chinês centrado em infraestrutura para controlar e escoar commodities, associado ao agronegócio, num movimento que, longe de significar uma reindustrialização do país, aponta exatamente para o aprofundamento ainda maior do processo de reprimarização e desindustrialização já em curso.
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O governo brasileiro, porém, ao mesmo tempo em que promete entregar o país ao capital chinês, tampouco abre mão de sua subordinação aos EUA. O maior exemplo disso foi a recente viagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao país de Trump. Haddad foi apresentar o Plano Nacional de Data Centers, que prevê a construção desta que é uma espécie de infraestrutura física para o funcionamento da Internet. São, basicamente, megainstalações que demandam alto fornecimento de água, energia, entre outros recursos.
Haddad ofereceu privilégios tributários às big techs norte-americanas, como o Google, a Amazon e a NVIDIA para a construção desses data centers no Brasil. O mais absurdo é que os detalhes do plano que Haddad apresentou às big techs são secretos. O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) pediu o acesso ao plano à Secretaria de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, e foi simplesmente negado.
“Já vimos esse tipo de justificativa ser usada para esconder documentos, mas especialmente nesse caso é ainda mais absurdo, já que materiais já foram apresentados para executivos de empresas estrangeiras, mas não para a própria população brasileira”, divulgou em nota o Idec. Um caso escandaloso de subordinação e de entrega de um setor estratégico às mesmas big techs que financiam a extrema direita, inclusive o governo Trump.
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