“O mundo está do avesso.”

Não consigo externar em palavras quanta tristeza me trouxe a partida do grande Sebastião Salgado, no último dia 23. Foi um ser humano da maior grandeza, ao lado de sua esposa Lélia, de absoluto igual valor humano.

Sua vida ainda vai continuar por muito tempo em seu trabalho mais que vivo. Lélia e Sebastião sempre levaram a sério o propósito de suas existências. Nas palavras de Sebastião: “Não podemos ser apenas espectadores da destruição. Precisamos ser agentes da mudança”.

Economista de formação e com a constante preocupação de utilizar seu conhecimento em favor da justiça social, Sebastião encontrou na fotografia sua maior arma. Arte e ambientalismo foram muito cedo entendidos por ele como sustentáculos da sobrevivência da espécie humana na Terra. E não só da sobrevivência biológica, mas, mais importante ainda atualmente, da sobrevivência moral da humanidade!

O fotógrafo fez arte para dar voz e imagem aos excluídos e exilados e chamar atenção para a destruição do meio ambiente. E quanta Luz nos trouxe seu trabalho. Em suas palavras: “A fotografia é a busca do equilíbrio entre as linhas e as luzes. Quando você fotografa o ser humano, essa harmonia se dá através da dignidade das pessoas”.

Nos deixou como legado a dignidade do ser humano, dos animais e da natureza fotografados e traduzidos por sua lente de empatia profunda. Mas por que falar de Sebastião numa coluna sobre saúde?

Primeiro, porque “há pessoas inesquecíveis e para isso não há cura” e a alma da gente adoece muito com uma perda assim. Em segundo lugar, para ressaltar que o trabalho de Sebastião tem profundo impacto na saúde humana, tanto espiritual quanto física.

Estamos atualmente vivendo o chamado século das pandemias. A história moderna nos mostra que a maioria das pandemias começa nas zonas de invasão humana desordenada nas bordas das florestas em regiões como a África Ocidental, a Bacia Amazônica e o Sudeste da Ásia.

Isso já aconteceu com HIV, Zika, ­Ebola, Nipah e Covid–19. E muitas outras virão enquanto continuarmos a destruir desordenadamente as florestas para convertê-las em fazendas, mineração e exploração de recursos sem o compromisso e o respeito à preservação da biodiversidade.

A biodiversidade é fonte inesgotável de plantas e animais que podem auxiliar na criação de novos medicamentos que nos permitem vencer inúmeras doenças ainda sem cura.

Ao mesmo tempo, entretanto, o habitat selvagem abriga uma quantidade imensa de microrganismos, especialmente vírus, ainda desconhecidos da espécie humana e com potencial mutagênico imprevisível.

Vários estudos estimam que existem em torno de 1,7 milhão de vírus em mamíferos e aves habitantes das florestas tropicais, e que, impressionantemente, menos de 0,1% destes já foram detalhadamente descritos.

Sabe-se também que a manutenção da biodiversidade é um fator protetor para a transposição dos vírus silvestres para a espécie humana. Quanto mais biodiverso e preservado é o ambiente, menor será a incidência de novas doenças.

Paralelamente, a criação de raças de gado, aves e suínos cada vez mais manipulados geneticamente para serem semelhantes favorece a disseminação rápida de vírus entre eles e deles para a espécie humana.

Não é por acaso que as últimas pandemias foram zoonoses (doenças vindas de animais para as pessoas). E vem aí mais uma gripe aviária que já coloca novamente o mundo em alerta.

É claro que existem necessidades econômicas e políticas a serem consideradas, mas não se pode negar que, atualmente, o que a humanidade tem feito é dar vários tiros no fundo do único barco que a abriga. Existem formas mais inteligentes e sustentáveis de explorar os recursos naturais sem esgotá-los. E sem nos destruirmos.

Obrigada por toda a Luz, Sebastião, e que possamos aprender – preferencialmente, rápido – com o seu legado. •

Publicado na edição n° 1364 de CartaCapital, em 04 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um legado de vida’

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Last Update: 29/05/2025