Numa pré-estreia exclusiva para convidados em São Paulo, com a presença de crianças, Carlos Saldanha compartilhou: “A temática deste filme é um pouco o que eu vivi, que foi desenhar a minha vida”. O personagem-título de Harold e o Lápis Mágico, em cartaz nos cinemas desde quinta-feira 22, é um menino que pode, com seu lápis roxo, desenhar o que quiser.
O diretor, que viveu nos Estados Unidos, onde dirigiu as franquias A Era do Gelo e Rio, contou ter se encantado com Harold and The Purple Crayon, o livro em que o filme se baseia, ao lê-lo para seus filhos.
A obra, de 1955, é um clássico da literatura infantil em língua inglesa. E Saldanha, ao transformar Harold, uma criança pequena, em um homem adulto, com espírito infantil, parece ter se metido numa encrenca.
Críticos do Guardian e do New York Times, conhecedores do livro de Crockett Johnson (1906-1975), não gostaram nada da adaptação da história original para uma aventura cheia de outros elementos dramáticos.
É que, no filme, Harold (Zachary Levi) e os dois amigos por ele desenhados, Alce (Lil Rel Howery) e Porco-Espinho (Tanya Reynolds), saem do papel, em 2D, e chegam a uma cidade real, em três dimensões, com gente de carne e osso.
A transmutação dos bonecos em gente gerou, de fato, certa incongruência narrativa. Mas, para as crianças – ao menos para as que desconhecem o livro –, as questões de verossimilhança não parecem incomodar. Para elas, aquele homem de azul com jeito de bobo e seus dois amigos que, na forma humana, mantêm trejeitos de animais, são sobretudo engraçados.
A trama, em linhas gerais, parece beber na fonte de E.T.: O Extraterrestre (1982), com o ser estranho que chega a um lar despedaçado pela ausência paterna e insere, num cotidiano duro, a mágica – que termina, inevitavelmente, em situações de trapalhada.
Em Harold, os personagens de outro planeta – o planeta da criação literária – entram na vida de uma viúva (Zooey Deschanel) e de um menino (Benjamin Bottani) que tem um amigo imaginário. O roteiro presta homenagem a Crockett Johnson, dando ao escritor um lugar central na narrativa.
Em um mercado dominado pelos filmes da Pixar, empresa que claramente se preocupa em agradar aos adultos – que são, no fim, quem vai pagar pelos ingressos –, os filmes infantis mais ingênuos podem não passar pelo crivo da crítica. Isso não significa, porém, que não agradem às crianças. As risadas e os comentários ouvidos na sessão paulistana que o digam.
Publicado na edição n° 1325 de CartaCapital, em 28 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um filme infantil para… crianças’