O que ocorreu nos últimos dias, foi um padrão de especulação financeira muito comum nos anos 1990 e 2000.
Trata-se do seguinte jogo:
- Os maiores jogadores do mercado combinam um evento gatilho. É aquele em torno do qual formam-se expectativas de alta, alavancadas pelos jogadores com investimentos pesados na ponta compradora do ativo. No caso presente, títulos do Tesouro, ações de empresa, individualmente ou na forma de fundos multimercados.
- O passo seguinte é a entrada de investimentos externos no país, ou de grandes bancos internacionais ou de capitalistas brasileiros com dinheiro no exterior. Esses recursos são convertidos em reais, para entrada no jogo.
- Todo o jogo é em reais, mas a linha de análise é o preço dos ativos em dólares. Ou seja, embora todos os contratos sejam negociados em reais, o parâmetro de precificação é o valor dos contratos em dólares.
- Aí se espera o momento do evento-gatilho. Em períodos não muito antigos poderia ser a reforma da Previdência, as votações do Supremo Tribunal Federal para facilitar venda de estatais ou redução dos direitos trabalhistas. Forma-se a expectativa até à véspera do evento. Na véspera, os grandes jogadores começam a vender seus ativos – seja qual for o resultado esperado – para realizar o lucro. Aprovando ou não a reforma da Previdência, aprovando ou não a abertura para privatização, não interessa: na véspera, começam a vender seus ativos.
- Cria-se, então, o movimento manada de queda. Vendo cair os preços, outros investidores tratam de vender logo suas posições, para não morrer com o mico na mão (lembrando o jogo de baralho do mico-preto). E aí, os preços despencam. E essa desvalorização dos ativos se reflete na cotação do dólar real, afetando toda a economia, impactando a inflação, encarecendo importações.
Um Banco Central passivo
O grande problema é o fato do Banco Central aceitar passivamente esse jogo. Além de impedir qualquer atuação do BC para amenizar as flutuações de mercado, em várias ocasiões Campos Neto tratou de provocar desequilíbrios com declarações individuais visando influenciar as expectativas de mercado.
O grande problema nessa história é a completa apatia do governo em relação ao mercado, ao sistema Faria Lima – e não se torne por reação declarações agressivas, não acompanhadas de nenhuma ação.
Esse movimento especulativo se faz com apostas em torno de preços de ativos. Como autoridade monetária, o Banco Central tem condições de regular essas operações, definir exigências de depósitos prévios de quem pretende entrar no jogo, definir chamadas de margem (isto é, se os preços sobem ou descem, os vendidos ou comprados, respectivamente, precisam depositar a diferença), atuar como dono da banca, o único jogador que conhece as cartas dos demais jogadores.
Nada disso é feito, e nem há sinais de que será no próximo ano. Essa postura excessivamente cautelosa é uma marca do governo como um todo.
O governo apático
No Lula 2, o enorme sucesso não se deveu apenas à alta das commodities – que não vai se repetir agora –, mas a um Ministério criativo, constantemente provocado por Lula. Foi assim que nasceu o Bolsa Família, os movimentos de apoio ao pequeno negócio, o apoio à inovação, a diplomacia comercial fantástica – impulsionada pela reputação internacional de Lula.
Agora, o que se vê é uma boiada indo em direção ao matadouro de 2026, completamente paralisada.
Tome-se a 5a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Pouco antes, havíamos insistido aqui na urgência de definição de algo semelhante ao Plano de Metas de JK ou ao New Deal, de Roosevelt: um plano de ação interministerial, com participação de agentes econômicos e sociais, definindo diagnósticos, metas e prazos. No encerramento da conferência, Lula fez um discurso conferindo aos cientistas a montagem do plano. No próprio discurso, ele saudou Sérgio Rezende, a quem chamou de maior Ministro de Ciência e Tecnologia da história.
Seria um discurso histórico, uma virada de mesa, se fosse implementado. Quatro meses depois, a Ministra de Ciência e Tecnologia sequer convocou os cientistas para implementar qualquer coisa. Há áreas de excelência em planejamento estratégico do governo, o CGEE (Centro de Gestão de Estudos Estratégicos), o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), a Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisa), a própria ENAP (Escola Nacional de Administração Pública) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Pergunte se algum desses atores foi convocado pelo MCTI para elaborar qualquer projeto.
Não apenas aí. Tem-se um Ministério medíocre pela falta essencial de um maestro-regente.
O presidente da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) tem em suas mãos um belíssimo desafio: organizar pequenas e micro empresas em arranjos produtivos, promover a integração entre grandes empresas inovadoras e seus fornecedores, incluir o sistema S em sua estratégia). Dia sim, dia não, ele solta excelentes twitters contra o mercado financeiro, pavimentando sua futura carreira política. Mas quais os planos da ABDI? Quais os projetos portadores de futuro?
País carente
Ontem vim lançar meu livro em Curitiba. Em um dos eventos, senhoras contaram o trabalho que passaram a fazer em periferias, de organização de comunidades, esforços individuais de quem quer dar sua contribuição isolada para vencer o marasmo.
Há uma demanda por otimismo nos setores democráticos e progressistas do país, um receio concreto de volta do militarismo, nas eleições de 2026 ou 2030, pelas mãos de Tarcísio de Freitas. Querem uma marca de governo, uma bandeira aglutinadora. Depositam-se todas as esperanças nas mãos de uma pessoa, Lula. Sem Lula o que será da democracia, nem se diga o que será do PT.
O país tem a sorte de ainda contar com um político da dimensão de Lula, hoje em dia a maior referência mundial pela paz, o estadista do momento em um mundo dominado pela insensatez.
Mas e o Lula presidente? A estratégia na qual ele aposta – de dois ou três anos de austericídio para colher os frutos no último ano – não se repetirá. Não haverá boom de commodities, a Faria Lima continuará com seu trabalho de desestabilização, seja qual for o pacote fiscal. O governo vive a passividade da boiada em direção ao matadouro.
A próxima elevação da Selic provocará terremotos de monta no próximo ano, explodirá as empresas que apostaram na manutenção do crescimento econômico e se endividaram em CDI, ampliará a inadimplência dos consumidores. E, especialmente, dará carne fresca para a mídia, que voltou aos tempos pré-impeachment, pouco se lixando para o país, desde que se apresente um presidente inescrupuloso o suficiente para privatizar a Petrobras e os bancos públicos.
Há bandeiras disponíveis, ideias em abundância, há a bandeira do empreendedorismo solidário, em contraposição ao blefe do empreendedorismo individual da direita.
Falta um Lula 2024 que se espelhe no exemplo de Lula 2008-2010 e se apresente para salvar o futuro do país e da democracia.