por Henrique Zétola e Jamil Assis

A trágica cena de ataque seguida de suicídio na Praça dos Três Poderes não apenas chocou o país, mas também revelou as profundas fragilidades da nossa cultura democrática. Um ato tão extremo deveria ter despertado reflexões sérias sobre os fatores sociais, psicológicos e políticos por trás do caso. No entanto, a reação foi marcada por uma busca apressada por culpados e pela repetição de discursos simplistas.

Durante uma palestra no Ministério Público do Distrito Federal, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, declarou que as redes sociais e o extremismo que elas propagam seriam os verdadeiros culpados. Embora seja inegável que a internet reflete e por vezes amplifica polarizações, responsabilizar as plataformas digitais às vésperas do julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet é uma simplificação perigosa. Essa narrativa desvia o foco das deficiências estruturais do Brasil, que permitem que eventos como este ocorram.

Para preservar a democracia, é imprescindível que o Estado assuma seu papel de mediador dos conflitos sociais, políticos e econômicos. A ideia de que as plataformas digitais são a causa principal do extremismo e da polarização, e que sua regulamentação resolveria o cenário que enfrentamos, negligencia uma questão essencial: a incapacidade do Estado brasileiro de utilizar os instrumentos já disponíveis para proteger a sociedade e fomentar um ambiente propício ao florescimento democrático. Nada é mais perigoso do que um homem que não tem nada a perder. O problema não é a ausência de regulação das redes sociais, mas a ausência de perspectivas para uma parcela da sociedade. Precisamos de instituições que vão além do combate ao extremismo, oferecendo soluções concretas para a violência, a pobreza e a injustiça.

Confiar às big techs a tarefa de arbitrar o debate público não é apenas ineficaz – é também injusto

A regulamentação das redes sociais é, sem dúvida, necessária, mas deve focar na garantia de transparência e na adoção de procedimentos claros, e não na transferência às plataformas da responsabilidade de vigiar discursos. Empresas privadas não podem substituir o papel da polícia, do gestor de políticas públicas ou da Justiça. Confiar às big techs a tarefa de arbitrar o debate público não é apenas ineficaz – é também injusto. Essas empresas, guiadas por interesses econômicos ou políticos próprios, podem comprometer a pluralidade e a democracia ao tomar decisões que silenciem vozes legítimas.

O impasse no Congresso sobre a regulamentação das plataformas é um reflexo da polarização que domina a sociedade. Diante da ausência de consenso, muitos depositam suas esperanças no Supremo Tribunal Federal e no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet – que definirá o regime de responsabilidades das redes. Contudo, essa saída é ainda mais preocupante. O STF, ao preencher a proposital e temporária omissão do Legislativo, pode incendiar ainda mais o debate. A declaração de constitucionalidade do artigo 19 seria a medida mais prudente, reafirmando a importância de respeitar os papéis institucionais e incentivando o Legislativo a amadurecer sua resposta com uma legislação mais equilibrada, que garanta a liberdade de expressão e a responsabilidade.

É importante que esteja claro que o julgamento do artigo 19 coloca em jogo a própria base jurídica que protege a liberdade de expressão no Brasil no ambiente digital. Ao reinterpretar ou invalidar o artigo, sem uma visão clara e rigorosa sobre os limites de intervenção das plataformas, há um risco real de que os direitos à liberdade de expressão e ao pluralismo sejam enfraquecidos, abrindo espaço para censura privada e insegurança jurídica.

Pluralismo e liberdade de expressão não podem ser tratados como moeda de troca ou anteparo para compensar as falhas das instituições públicas. Somente com políticas inclusivas e estratégias eficazes será possível enfrentar os desafios do extremismo e da polarização, preservando os valores fundamentais de uma sociedade democrática. O ataque seguido de suicídio na Praça dos Três Poderes deveria ser um alerta para reflexões mais profundas. Em vez de buscar soluções fáceis, é preciso fortalecer políticas públicas e instituições que equilibrem segurança com liberdade, ordem com pluralidade, prosperidade com inclusão. A democracia exige mais do que palavras ou gestos simbólicos. Requer um Estado forte, mas não autoritário; presente, mas não invasivo.

Henrique Zétola é diretor executivo no Instituto Sivis

Jamil Assis é diretor de relações institucionais no Instituto Sivis

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Last Update: 12/12/2024