Em recente texto, feito sob o calor das eleições da presidência do Partido dos Trabalhadores, Juarez Guimarães e Carlos Henrique Árabe se colocam na tarefa de analisar o governo Lula, suas dificuldades, e o que deve ser feito. 

Em um primeiro momento, eles até identificam a dificuldade do governo Lula em governar de fato, e que o regime neoliberal precisa ser enfrentado “de modo público e decisivo, pelo PT e pelas frentes de partidos de esquerda e centro-esquerda” do contrário “o governo Lula até o final de seu mandato continuará prisioneiro de seus impasses institucionais neoliberais”.

Relata ainda a insatisfação da base que elegeu o presidente, o que é verdade, e que tem aumentado consideravelmente nos últimos meses. Podemos citar um adicional que é a pressão para que o governo rompa com “Israel”, algo que foi requerido recentemente por uma série de políticos e artistas ligados ao PT. A base que levou o petista de volta ao Planalto espera mais, “que o governo Lula cumpra o programa para o qual foi eleito!”, afirmam os redatores.

Ocorre que as saídas para a crise que o governo se encontra devem partir de uma análise de classe da atual situação política, e a que tem sido feita pela esquerda, de que estamos diante de uma luta entre democracia contra o fascismo, é justamente a análise que conduzirá o governo ao fracasso total. É este o erro dos analistas do texto ora polemizado.

Ou seja, para eles e para boa parte da esquerda pequeno burguesa, é correta a ideia central de que se deve dar a “luta democrática contra o governo Donald Trump, entendido como ‘líder mundial do fascismo’, e Jair Bolsonaro (cuja base social abarcaria em torno de 20% a 25% dos brasileiros)”. A isso, acrescentam:

“Existe já uma amplíssima área de estudos e debates sobre a relação entre neoliberalismo e expressões fascistas contemporâneas, distinguidas daquela sua expressão histórica clássica no intervalo entre as duas guerras mundiais. Este debate reúne os principais estudiosos internacionais sobre neoliberalismo e fascismo.”

Este é o erro fundamental da análise. Jair Bolsonaro e Donald Trump seriam a expressão mais bem acabada de um governo neoliberal, ou seja, os ditos “fascistas”. Nesse sentido, a principal luta a ser travada seria contra os dois ou os que se parecem com eles.

É por conta dessa análise que existe todo um frenesi na perseguição contra os bolsonaristas feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A histeria é tão grande que a esquerda abandonou princípios democráticos históricos quando se avalia o andamento de um processo penal, como a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, o contraditório, enfim, contra os bolsonaristas vale tudo.

O STF, visto dessa forma, seria uma espécie de instituição divina, alheia a luta de classes, e disposta a acabar com a direita brasileira na marra. Os ministros que até ontem estavam no acordo “com STF com tudo” agora, por um passe de mágica, estariam do lado das lutas populares. Nada mais falso e loucu. 

“Esta compenetração decisiva entre as políticas neoliberais e o surgimento de governos autoritários com algumas características fascistas é fundamental para explicar a ascensão de Donald Trump – e também de Jair Bolsonaro (…) foi por não conseguir imprimir um governo que realizasse as suas promessas de retomar uma dinâmica do New Deal – de fato, apenas muito parcialmente cumpridas – que o Partido Democrata perdeu as eleições. Além é claro, da tardia substituição de Joe Biden por Kamala Harris.”

Joe Biden que era o típico governo neoliberal, o governo que os capitalistas do mundo sonham. Se por um lado, o democrata não conseguiu levar adiante toda a desgraça neoliberal pretendida, por outro lado, fez surgir a direita trumpista que guarda consigo muita insatisfação social, tal qual a direita bolsonarista.

Trump não é a escolha neoliberal típica. Ele não veio fazer o que Biden não conseguiu fazer, muito pelo contrário. As medidas e declarações dele comprovam isso.

Se opondo ao democrata, o atual presidente tem tentado, sem sucesso, por fim aos gastos militares internacionais dos Estados Unidos. Algo jamais sonhado pelos governos do tipo Biden. É notória a insatisfação dos neoliberais com o governo Trump. 

“Por isto, a correta centralidade do combate ao bolsonarismo não deve ser confundida com a exclusividade do combate a esta liderança, mas ao conjunto delas que organizam uma agenda neoliberal anti-Lula, extremamente agressiva aos direitos do povo brasileiro, através de diferentes modalidades de liderança, como as de Tarcísio, Zema, Ratinho Jr., Ronaldo Caiado ou mesmo Eduardo Leite.”

Como conclusão de uma análise errada, o resultado é uma luta genérica contra os outros candidatos que não sejam o Lula, sem entender, de fato, o que está se passando. Ou seja, sem entender a manipulação eleitoral em marcha, que visa tirar os candidatos populares do pleito, para empurrar goela abaixo do povo um Biden brasileiro.

“Uma estratégia política correta deveria ser centrada na recuperação da popularidade do governo Lula, de suas relações com suas bases sociais e eleitorais, de tal modo que se apresente nas eleições como uma força democrática polarizadora da esperança do povo brasileiro em dias melhores” (…) Esta dinâmica faz convergir na ação pública o governo Lula, a frente de partidos de esquerda e centro-esquerda e os movimentos sociais.”

Como resultado da luta contra os bolsonaristas, fica a receita de sempre, a frente ampla. Os autores não mencionam o que seriam os partidos da “centro-esquerda”, mas a verdade é que são os “aliados” de sempre do PT em uma frente eleitoral. A tal “esperança” do povo brasileiro em 2022, por exemplo, era representada pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), além do PSB e a Federação PSOL-REDE, Solidariedade, Avante, Agir e PROS.

“Este ano de 2025 é decisivo: o bolsonarismo está na defensiva e em julgamento público”. De fato, mas os que deixaram o bolsonarismo na defensiva por este julgamento são justamente as forças econômicas que querem tomar o controle total do País de volta. 

“(…) As forças da extrema-direita neoliberal ainda não foram capazes de construir sua unidade para 2026; o governo Lula – com a inflação em ritmo baixo e com o real valorizado – tem todo um campo possível de ações em defesa dos direitos do povo brasileiro. A construção de uma agenda democrática de superação do regime neoliberal está na ordem do dia!”

O problema não é uma “agenda democrática”, até porque o STF já passou por cima de todos os direitos democráticos existentes, e vai passar o carro em cima do quase nada que resta. Não é a defesa da “democracia” que irá salvar o governo Lula ou derrotar os bolsonaristas.

Superar o regime neoliberal está na ordem do dia, mas isso não se faz com uma “agenda democrática” e menos ainda com o STF. Isso se faz com mobilização e o povo trabalhador nas ruas, e é justamente isso que o PT tem se esforçado para evitar, em um erro de cálculo crasso, que só fortalecerá o bolsonarismo se não for devidamente criticado.

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Last Update: 30/05/2025