Quando Vinicius nasceu, o médico veio até Eugenia para falar dos cuidados a se ter com um filho com síndrome de Down. Foi um choque para a mãe, que até então não sabia.
Nos dias seguintes, recebeu a visita de outras mães de crianças Down, e as recomendações sobre como proceder. E Eugenia cumpriu todas as determinações com a vontade férrea que sempre a marcou, que permitiu, tendo apenas um diploma da Faculdade de Direito de São João da Boa Vista, passar no concorrido concurso para procurador do estado de São Paulo e, depois, da procuradoria federal.
Foi um exercício diário de puxar conversa com a criança, fazê-la falar, exercitar-se, tomar seus remédios, pressentir todos os momentos de perigo pelos quais passava, com sua saúde frágil. E sempre se fortalecendo com a cena inesquecível do filho, com apenas um mês de idade, procurando-a com os olhos, a ponto de virar a cabecinha, enquanto ia para a sala de cirurgia, para uma operação do coração.
O modo como Eugênia reagiu à dor, mudou a vida de milhares de crianças por todo o país. Empenhou-se na luta pela inclusão escolar de crianças com deficiência, escreveu uma cartilha que se tornou o amparo de todas as famílias, percorreu o país em conferências em defesa de sua tese, enfrentando a ira de Associações de Pais e Amigos de Excepcionais, enfrentando 3 mil processos movidos por eles e, no final da caminhada, conseguindo convencer o futuro Ministro Fernando Haddad a montar um programa que incluiu milhares de crianças na rede federal.
Passei a acompanhar sua história, principalmente seu papel de mãe, a partir dos 11 anos de Vinicius, o rigor com que exigia que tomasse medicamentos, que se exercitasse. Ou a maneira como o olhava, que derretia Vinão por dentro:
- Olha não!, dizia ele, enquanto se derretia com o olhar de paixão da mãe.
Todo Dia das Mães, Eugenia acordava com o café da manhã servido por Vinicius. Quando viajávamos, Vinicius recusava-se a atender o telefone, por motivo de força maior:
- Estou com alergia de saudades.
Combinava palavras, recriava expressões mas, em todas as frases, as declarações irrestritas de amor.
No ano passado, junto com a irmã Gabriela, encomendou o presente que daria no aniversário da mãe, em 21 de março. Um travesseiro com a inscrição: “Para descansar sua cabeça”.
Não entregou. No meio do mês foi abatido por uma dengue. Foi internado no Hospital 9 de Julho, com um atendimento horroroso, teve um instante de melhora, depois foi para a UTI e nos deixou.
Eugenia, mais uma vez, transformou a dor em um bem para as pessoas. Levantou minuciosamente todas as falhas cometidas pelo hospital, na chegada de Vini, na falta de visitas de médicos na UTI, na falta de cuidados. Depois, solicitou uma reunião com a diretoria.
Nela, explicou que não pretendia acionar, nem pedir nada. Apenas exigia que o Hospital corrigisse todas as falhas, para não atingir outras crianças, especialmente aquelas debilitadas pela Síndrome de Down.
Este ano, no seu aniversário, a filha trouxe a almofada de presente. Toda noite, Eugenia dorme abraçada à almofada.
Acordamos, hoje, sem o café da manhã encomendado por Vini. Mas com a inesquecível declaração às mães, às “mulheres do Brasil”, que ele deixou no seu Instagram.