Um Caminho Real para o Socialismo Utópico
por Alfredo Pereira Jr.
Apesar da enorme polarização esquerda-direita na atualidade, nenhum dos lados tem uma proposta efetiva para melhorar as condições de vida do povo trabalhador.
Os defensores do capitalismo liberal acenam com a prosperidade para todos, a partir dos empreendimentos privados voltados para o lucro, mas a desigualdade social resultante da competição injusta entre privilegiados e miseráveis impossibilita que tal prosperidade seja alcançada pela grande maioria do povo.
Os defensores da tomada violenta do poder pela classe trabalhadora e estatização/coletivização da propriedade privada não dão a devida atenção ao fato de que juntamente com a exploração do trabalho e a dominação da vida social pelo aparelhamento do estado, a burguesia (ou seja, o grande capital) também é responsável pela gestão das empresas que oferecem oportunidades de trabalho e renda, recolhe impostos que financiam o estado, e empresta dinheiro para o estado financiar programas de bem estar social. É verdade que faz tudo isso de má vontade, mas em sua fase progressista foram os capitalistas que forjaram as instituições de democracia republicana que garantiram algum grau de liberdade democrática, o estado de direito, no qual as relações sociais são regidas por leis e não pela violência, e o avanço do conhecimento científico e tecnológico.
Conceber o socialismo como eliminação da burguesia, em uma revolução operária, implica a desconsideração da institucionalidade republicana, que é obra dessa mesma burguesia. Ao invés de se transformar o estado republicano de instrumento de dominação de classe em organização social voltada para a promoção humana, um socialismo “obreiro” implica na prática na destruição das instituições que, no capitalismo, possibilitam algum grau de bem-estar social.
Se não for por uma revolução violenta que elimina fisicamente a burguesia, como seria o caminho para o socialismo? Delineio aqui outro caminho, pacífico e gradual, que historicamente foi chamado de socialismo evolutivo ou utópico.
Primeiramente é preciso conceber o socialismo como uma superação racional do sistema de exploração e dominação de classe, e não como a aniquilação da burguesia pelo proletariado. O capitalismo, como se sabe, gera uma crescente desigualdade social, que termina por inviabilizar o estado de bem-estar social. Medidas que visam manter e ampliar o estado de bem-estar contradizem os fundamentos do capitalismo liberal financeiro vigente. Portanto, quando o povo trabalhador, por sua mobilização e atuação dentro das instituições republicanas, consegue sustentar e melhorar suas condições de vida, está necessariamente deflagrando uma transição socialista, mesmo que em sua maioria não tenha consciência disso. Essa transição não é obra apenas dos proletários, mas da sociedade como um todo, inclusive da burguesia que sustenta as instituições nas quais ocorre a transformação do sistema.
Evidentemente, os intelectuais dos trabalhadores e os intelectuais dos capitalistas conseguem entender tal processo, e fazem de tudo para direcioná-lo a favor dos interesses da classe que defendem. Isso faz parte do jogo. Entretanto, não são os intelectuais que, sozinhos, ganham a batalha em curso, mas os contingentes populares que conseguirem conquistar para suas bandeiras. Essa luta “ideológica” (que na verdade é uma luta política) hoje se trava, além das instituições políticas tradicionais, também nas redes sociais.
Como seria a transição para o socialismo? Tenho refletido, em diversas publicações, sobre esta temática. Trata-se de formular um método de gestão socialista do estado republicano, dentro do capitalismo, para deflagrar um processo no qual, à medida em que este estado promove o bem-estar do povo trabalhador, desconstrói os mecanismos de exploração e dominação de classe. Em outras palavras, na medida em que um estado republicano controlado pelo povo (ou seja, agindo conforme os interesses do povo trabalhador) melhora as condições de vida do povo, especialmente no que diz respeito à sua autonomia financeira, cria condições para que este povo não mais precise se submeter à exploração e dominação de classe para poder sobreviver.
Como fazer isso? Minha proposta é que esta transformação não se faz pela estatização/coletivização da propriedade privada, e sim por um programa consistente de distribuição do dinheiro emitido por um estado popular. É preciso investir seletivamente este dinheiro, em empreendimentos produtivos que gerem os bens de uso necessários para a sobrevivência digna do povo trabalhador, ao mesmo tempo em que se reforça sua renda, para que tenha condições de adquirir os produtos. Essa meta não é utópica, pois já é realizada no Brasil, em programas como o financiamento da agricultura familiar e Bolsa Família. Trata-se de ampliar tais programas, o que demanda emissões monetárias do estado federal, para financiar tais iniciativas – pois não se pode financiar uma transição socialista com dinheiro emprestado dos capitalistas, e pagando altos juros para eles!
Alfredo Pereira Jr. – Professor de Filosofia da Ciência (aposentado) UNESP-Botucatu, Professor Credenciado no Mestrado em Doutorado em Filosofia da UNESP-Marília – Administrador registrado no CREA-MG – [email protected]
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