Com sotaque inconfundível de quem carrega Pernambuco na voz e nas memórias, Maria Fernanda Ramos Coelho construiu uma trajetória que a levou a diferentes regiões do Brasil. Ao longo do caminho, presidiu a Caixa Econômica Federal por cinco anos, atuou em diversos ministérios e hoje ocupa a diretoria de Crédito para Micro, Pequenas e Médias Empresas do ­BNDES. Também lidera o Fundo Rio Doce e preside a Associação Brasileira de Desenvolvimento. Nesta entrevista, Ramos Coelho analisa o avanço na abertura de pequenos negócios, os efeitos de programas do governo, novas linhas de crédito e os fundos garantidores criados para ampliar o acesso ao financiamento. Reflete ainda sobre os desafios da formalização, a importância da inovação e a urgência de criar fontes de crédito capazes de romper o ciclo histórico de juros altos.

CartaCapital: Podemos começar com um panorama geral do setor de micro e pequenas empresas?
Maria Fernanda Ramos Coelho: O BNDES sempre foi conhecido por financiar grandes empresas, mas é um importante braço do sistema bancário para o fomento das micro e pequenas. Isso acontece por meio de um modelo de atuação em parceria com instituições financeiras. Hoje, com a participação de 80 bancos, conseguimos chegar a todas as regiões do País. Essa presença é fundamental quando se fala em políticas públicas, emprego e renda. Em 2025, observamos forte crescimento na abertura dessas empresas. No primeiro trimestre, houve aumento de 24% no número de novos empreendimentos, em comparação com 2024. Outro fator importante foi o programa Desenrola, que beneficiou tanto pessoas físicas quanto jurídicas, com destaque para as MPEs. Além disso, o setor tem sido um importante gerador de empregos. Quase 50% dos postos de trabalho formais estão ligados aos pequenos.

CC: Qual a importância da quitação de dívidas para os pequenos empresários?
MFRC: O programa Acredita firmou o compromisso com políticas públicas específicas para esse segmento. Para que as MPEs pudessem ter acesso a essas políticas, era necessário resolver o problema das dívidas. O Desenrola, que começou com pessoas físicas, foi depois ampliado para os pequenos negócios. Essa foi uma mudança importante. Outro avanço foi a ampliação dos fundos garantidores, reforçados em 2024 para facilitar o acesso ao crédito.

CC: E em relação à formalização?
MFRC: É importante separar a informalidade da precarização no empreendedorismo. Existem setores com alta precariedade, e o governo tem conduzido um debate sobre isso com a sociedade. A partir de 2023 interrompemos o ciclo de aumento da informalidade. Hoje, perto de 38% da população economicamente ativa está na informalidade, ante 42% no período de 2015 a 2022. A formalização passa por ampliar o conhecimento. O empreendedor precisa entender por que se formalizar e quais os benefícios concretos. O acesso ao crédito é um deles, pois permite crescimento e melhora do negócio.

CC: Quais as novas linhas de crédito?
MFRC: Em 2024, realizamos 502 mil operações, sendo 350 mil em crédito e 145 mil em garantias. No primeiro trimestre de 2025, o crescimento foi expressivo. O volume de aprovações de financiamento e garantia subiu 87,7% em relação ao mesmo período de 2024, alcançando 34,7 bilhões de reais. A principal inovação foi o BNDES Crédito Digital, lançado no fim de 2024 com o Sicredi e o BTG. Após uma fase de testes, o Banco do Brasil passou a ser nosso novo parceiro nacional. A linha é acessível via aplicativo, com limite de até 300 mil reais, prazo de até 60 meses e carência de 12 meses. As prestações são fixas, o que facilita o planejamento financeiro dos empresários.

“O grande desafio é romper o ciclo de crédito caro para os pequenos”

CC: E o acesso à inovação?
MRFC: Temos recursos mais baratos do que os tradicionais. O programa Mais Inovação, reaberto em junho, conta com 3,3 bilhões de reais para este ano, focando em digitalização, máquinas e equipamentos. Temos parceria com o Senai no Brasil Mais Produtivo, que trabalha a transformação digital dos pequenos negócios. Investimentos na indústria e em infraestrutura acabam gerando dinâmicas locais importantes. Um exemplo é a Via Dutra, cujas obras impulsionam novos negócios em gastronomia, comércio e serviços. Pernambuco viveu situação semelhante com a chegada de grandes indústrias.

CC: Como avalia o impacto da taxa de juros sobre as MPMEs?
MRFC: O contexto das micro e pequenas empresas sempre foi de juros altos e escassez de crédito. Com o BNDES presente em todo o País e com o aumento no número de parceiros, criamos um canal que permite executar políticas públicas e buscar fontes de financiamento mais acessíveis. Hoje, precisamos discutir quais fontes de crédito podem ajudar essas empresas a sair desse ciclo histórico de juros elevados, que não é resultado apenas da Selic­ atual, mas de um longo período. A taxa de juros afeta toda a economia, mas para as micro e pequenas empresas o impacto é de curto prazo. Elas trabalham com giro rápido, incorporam o custo do crédito ao preço final e não têm a margem de espera que as grandes empresas possuem. O BNDES tem buscado oferecer linhas com previsibilidade. O Crédito Digital é um exemplo. Também temos o Mais Inovação, com taxas entre 9% e 16% ao ano, prazo de até dez anos e carência de dois anos. Destaco ainda o Fundo Clima, com foco em máquinas e equipamentos, que já movimentou 1 bilhão de reais desde maio.

CC: Qual a meta do BNDES para 2025?
MFRC: No mínimo, repetir o desempenho de 2024, que foi um recorde em todos os setores: comércio, indústria e serviços.

CC: Como funciona o Fundo Garantidor?
MFRC: O fundo é acessado pelas instituições financeiras, que fazem a análise de risco dos clientes e calibram suas estratégias de crédito com base nesse instrumento. Em 2023, realocamos 100 bilhões de reais para os próximos 18 meses, o que fortaleceu o uso desses fundos. A garantia é decisiva na tomada de crédito. Como muitas MPEs não têm garantias reais, o fundo cobre até 80% do valor concedido. Se houver inadimplência, o banco recupera esse porcentual, o que facilita a concessão. Outro avanço foi o Fundo Garantidor BNDES Sebrae, com 9,4 bilhões de reais previstos. Anunciamos o Bradesco como novo operador e, no Crédito Digital, o Banco do Brasil também se junta como parceiro nacional. •

Publicado na edição n° 1367 de CartaCapital, em 25 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um banco de todos’

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Last Update: 18/06/2025