“Qual o significado da guerra de Israel e Trump contra o Irã?” Fábio Bosco, militante do PSTU, se colocou a tarefa de responder a esta pergunta em matéria publicada no último dia 3, no sítio do jornal Opinião Socialista. Antes de entrar nos deméritos das teses dos morenistas, respondamos de maneira um tanto breve à pergunta.
Desde a revolução de 1979, que, apesar de proletária, levou ao poder um setor do nacionalismo xiita profundamente radical, o Irã se tornou um enorme problema à dominação imperialista na região. Apesar de freada pelo imperialismo, que lançou Saddam Hussein ao governo do Iraque, empurrando-o a uma guerra profundamente destrutiva contra o governo dos aiatolás, a Revolução Islâmica sobreviveu e prosperou.
Mais de vinte anos depois, com o aprofundamento da violência do imperialismo na região nas invasões do Afeganistão e do Iraque (nada pior do que ser um amigo dos EUA, como uma vez disse Kissinger), e a guerra “civil” na Líbia e na Síria, os iranianos conseguiram expandir sua influência na região apoiando movimento xiitas revolucionários no Líbano, no Iraque e no Iêmen, e o movimento revolucionário palestino (sunita), demonstrando que a questão não é ideológica ou religiosa, mas sim política, anti-imperialista mais concretamente. O grande arquiteto do Eixo da Resistência foi o famoso general da Guarda Revolucionário, Haj Qasem Soleimani, assassinado pelos norte-americanos, em 2020. Ou seja, o Irã cumpre um papel importantíssimo na região apoiando movimentos revolucionários contra a dominação do imperialismo e do sionismo.
Por outro lado, a riqueza do país em petróleo e sua posição geográfica privilegiada fazem do Irã um dos eixos centrais, principalmente econômico, da luta contra a dominação imperialista no mundo, donde a doutrina de Brzezinski, que defende que os EUA deveriam fazer o possível para impedir a formação de uma aliança China-Irã-Rússia. Ou seja, a guerra contra o Irã é, na verdade, uma guerra contra todo o bloco de países atrasados que se forma em torno da China.
A matéria começa um tanto “normal” descrevendo com relativa clareza o conflito, até chegar ao momento em que o caráter pró-imperialista do grupo toma conta:
“Contudo, perdeu a capacidade de defender suas cidades ao ter toda a defesa aérea destruída. Ao mesmo tempo, encontrou-se isolado dentro da ordem imperialista, pois o imperialismo russo e o imperialismo chinês se recusaram a lhe dar apoio militar.”
Primeiramente, se o Irã tivesse perdido a capacidade de defender suas cidades, como explicar o progressivo enfraquecimento dos ataques israelenses? Não há dúvidas de que os iranianos sofreram grandes danos, mas, hoje, sabe-se que muitos dos ataques foram realizados por agentes ligados às agências de inteligência imperialistas atuando dentro do Irã. Também não há dúvidas de que os israelense estavam numa posição profundamente desfavorável, explicando a enorme pressão sobre o governo Trump para intervir.
Por outro lado, é notório que aviões de carga chineses pousaram no Irã durante o conflito, enquanto o espaço aéreo iraniano estava fechado; diversos analistas militares também afirmam que o sistema de satélites chineses Baidu teria auxiliado os sistemas de mísseis iranianos; os próprios israelenses acusam os chineses e russos de auxiliarem os iranianos. Finalmente, a ideia de que o Irã se encontra isolado é delirante e não merece grandes comentários.
O próprio autor se contradiz afirmando que “hoje o Irã é, na prática, uma semicolônia do imperialismo chinês.” Para fins de foco no debate em questão, não entraremos no mérito do suposto “imperialismo chinês”, tese absurda criticada à exaustão neste Diário. No entanto, há uma tese nova do PSTU neste trecho: “o Irã é uma semicolônia do imperialismo chinês”.
A burguesia nacional iraniana, também conhecida como Bazar, impulsiona a ala reformista do regime político, justamente a ala buscando um acordo com o imperialismo, que de fato existe. Se o Irã fosse de fato uma semicolônia do “imperialismo chinês”, é de se perguntar se os chineses permitiriam que Pezeshkian chegasse ao governo.
Contemplemos um exemplo histórico, de um país vizinho, o Iraque. Durante a Segunda Guerra Mundial, o golpe da Praça Dourada, que derrubou a monarquia de Faisal II, cujo pai havia sido colocado no poder pelos ingleses, levou ao poder uma ala do exército, que mantinha relações cordiais com as potências do Eixo.
Os comandantes britânicos locais estavam relutantes em combater o novo governo, pois este não havia feito nada contra os esforços de guerra; Churchill, por outro lado, insistiu que Bagdá fosse ocupada e este governo deposto, dando origem à reocupação do Iraque. Ora, nada nem parecido, em momento algum, foi feito pelos chineses, em lugar algum do planeta Terra, muito menos pelo Irã.
Finalmente, no que tange ao Irã, está sempre presente a ideia de que o regime político iraniano seria impopular ou minoritário:
“O Irã já possui urânio para construir 10 ou 20 bombas, já tem a tecnologia para enriquecê-lo para fins militares e já possui tecnologia de mísseis que precisa ser adaptada para portar uma bomba nuclear. Uma ala minoritária do regime, que se fortaleceu, defende essa alternativa.”
Não se sabe se o Irã possui urânio enriquecido o suficiente para a construção de bombas nucleares. Seria desejável.
Por outro lado, não fica claro se a ala minoritária a que o autor se refere é a ala revolucionária do regime político iraniano, ou se faz referência a um setor dentro da ala revolucionária que defende a bomba. De todo modo, mesmo quando procuram “defender” o Irã, os morenistas não conseguem esconder o caráter pró-imperialista de sua política.