Um ano de governança de Milei: riqueza para alguns, pobreza e perda para a maioria da Argentina

Desde que assumeu a presidência, o presidente Javier Milei implementou uma agenda econômica controversa que provoca debates acalorados sobre seus resultados e impactos. Políticas que apontam avanços em indicadores financeiros, mas geraram um aprofundamento significativo das desigualdades sociais no país. A gestão é marcada por cortes drásticos nos gastos públicos, desregulamentação de mercados e uma tentativa de estabilização inflacionária que penaliza as camadas mais vulneráveis da população.

Especialistas divergem ao avaliar o que muitos chamam de “sucessos” do governo libertário, contrapostos a um elevado custo social. Apesar da recessão e do avanço da pobreza, o final deste primeiro ano de governo é celebrado pelo mercado financeiro, que tem lucrado como nunca com a “liberalidade” de Milei.

Estabilização cambial e queda da inflação

O economista Eduardo Crespo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que a estabilização cambial e a consequente desaceleração inflacionária têm sido uma conquista da gestão austera e recessiva de Milei. Uma das estratégias adotadas foi uma polêmica “lavagem de capitais”, que injetou dólares na economia e convergiu as diversas taxas de câmbio do país.

Ter “segurado da taxa de câmbio” e a entrada significativa de dólares através de medidas como a anistia de capitais foram centrais para a queda da inflação e a redução do risco-país. “Houve uma lavagem de capitais que deu muito certo, e isso gerou um alívio no mercado financeiro”, explica Crespo.

Segundo Crespo, essa medida trouxe alívio financeiro imediato, embora tenha gerado um desequilíbrio estrutural: “A Argentina ficou cara, o dólar está barato, e isso pode impactar negativamente o turismo e as contas externas no próximo ano”. O aumento nos preços de alimentos, combustíveis e medicamentos é um dos reflexos mais visíveis das políticas regressivas.

Ajuste fiscal e impacto social

Julio Gambina, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e membro do Conselho de Administração da Sociedade Latino-Americana de Economia Política (SEPLA), classifica o “sucesso” do governo Milei como “a conquista da motosserra e do liquidificador”. Em artigo ao Página12, ele destaca que o governo é marcado por muita motosserra e pouco investimento.

Uma política marcada por um congelamento orçamentário que impacta áreas essenciais como saúde e educação. “Mais de 40 mil trabalhadores públicos foram demitidos, enquanto outros 160 mil postos de trabalho desapareceram no setor privado. Isso gerou uma deterioração profunda no consumo popular e na qualidade de vida”, detalha Gambina.

Os cortes brutais no gasto público incluem:

  • Redução do número de ministérios de 18 para 9;
  • Demissão de cerca de 200 mil trabalhadores, somando os setores público e privado;
  • Congelamento orçamentário para 2024 e redução de subsídios em transporte e energia;
  • Vetos a aumentos para aposentados.

Ao mesmo tempo, o orçamento para 2024 manteve os mesmos patamares de 2023, priorizando investimentos em setores específicos como energia e minério, enquanto negligencia direitos sociais básicos. O congelamento de obras públicas e cortes em transferências para as províncias aprofundaram desigualdades regionais.

Benefícios para grandes corporações

Enquanto a população enfrenta dificuldades, grandes setores empresariais acumulam lucros recordes. O setor energético e o complexo agroexportador destacam-se entre os maiores beneficiários:

  • A YPF e a Tecpetrol aumentaram seus lucros em 3.000% e 780%, respectivamente, devido à desregulamentação do setor e à desvalorização cambial.
  • O laboratório Richmond registrou um aumento de 1.325% no lucro líquido no primeiro semestre de 2024, impulsionado pela alta nos preços de medicamentos.
  • Empresas alimentícias, como a Arcor, aumentaram suas margens de lucro em 624%, mesmo com a queda no consumo.

Em contraste, o salário mínimo foi reajustado em apenas 105%, frente a uma inflação acumulada estimada em 120% para 2024.

Desafios futuro

Embora a estabilização cambial e a desaceleração inflacionária sejam celebradas, os desafios estruturais da economia argentina permanecem. A dolarização, uma das principais promessas de campanha de Milei, foi deixada de lado, assim como o fechamento do Banco Central.

Especialistas alertam que o foco excessivo em cortes e ajustes pode comprometer a retomada econômica. Investimentos em infraestrutura e setores produtivos serão cruciais para a geração de renda e emprego. Enquanto isso, a redução da inflação não parece ser suficiente para aliviar as dificuldades enfrentadas pela maioria da população.

O modelo econômico libertário, baseado em cortes, desregulamentação e inserção no mercado global, gera lucros para poucos à custa de grande sofrimento social. Apesar de previsões otimistas de crescimento de 5% no PIB para 2025, a questão central é se esses ganhos serão distribuídos ou se continuarão concentrados nas mãos de poucos. Para a maioria dos argentinos, 2024 foi um ano de perdas: queda na renda, desemprego e aumento da pobreza.

Como alerta Gambina: “É urgente construir uma nova ordem social, sem exploração ou pilhagem, que coloque o bem-estar coletivo acima da lógica monetária”.

Artigo Anterior

Luta contra o tráfico de drogas absorve R$ 8 bilhões do orçamento de segurança de seis estados no ano passado

Próximo Artigo

Justiça argentina fecha investigação sobre acusações de violência sexual contra jogadores de rugby franceses

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!