De autoria de Éric Toussaint e Maxime Perriot, o artigo Dívida ecológica e climática: quem é responsável?, publicado na edição do último dia 16 na revista Movimento, afirma que “os conceitos de dívida climática e dívida ecológica são fundamentais para o sucesso da virada ecológica”. Segundo os autores, os países “do Norte” seriam responsáveis tirarem o resto da humanidade do atraso das formas pré-capitalistas de produção e desse pecado original, responsáveis também pelas maiores emissões de poluentes que supostamente, contribuem para o místico aquecimento global, ocasionado pela industrialização. Diz o artigo:

“As classes dominantes da Europa Ocidental começaram a conquistar o mundo a partir do século XV, impondo relações capitalistas mercantis por meio do extermínio, da escravização e da exploração colonial dos povos da América, da Ásia e da África. Eles destruíram muitos setores locais, como foi o caso da Índia nos séculos XVIII e XIX, sob o domínio britânico, ou da Indonésia, sob o domínio holandês. Isso levou à disseminação da revolução industrial na primeira metade do século XIX nos países ocidentais do Atlântico Norte. Esse movimento se espalhou para o Japão na segunda metade do século XIX. As classes trabalhadoras do Norte foram forçadas a trabalhar em condições de superexploração durante todo o século XIX e início do século XX, enquanto as fábricas que usavam grandes quantidades de combustíveis fósseis operavam em capacidade total e liberavam quantidades cada vez maiores de gases de efeito estufa.”

Os autores já partem de uma premissa profundamente reacionária, de que o progresso representado pela Revolução Industrial e a criação do mercado mundial não seriam avanços, por sinal, fundamentais para tirar o homem das superstições e do atraso medieval. Karl Marx e Frederich Engels dedicaram uma parte do Manifesto Comunista para destacar que “a burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário”, acrescentando:

“Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus ‘superiores naturais’ ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do ‘pagamento à vista’.”

Disso que Marx e Engels consideram revolucionário, temos que:

“Os conceitos de dívida climática e dívida ecológica são fundamentais para o sucesso da virada ecológica. A dívida ecológica dos Estados – especialmente os mais ricos e das maiores empresas – do Norte com as populações do Sul Global deve ser reconhecida. Esse reconhecimento deve assumir a forma de cancelamento da dívida dos países do Sul global e de reparações pagas pelos Estados do Norte. Esses últimos devem fazer com que os países mais ricos contribuam e assumam a responsabilidade pela desregulação climática e pelas ações necessárias e urgentes para limitar ao máximo suas consequências e seu agravamento.”

Tal qual a premissa, a política dos autores aqui é extremamente reacionária e oportunista. Toussaint e Perriot não defendem, por exemplo, que os países atrasados se industrializem e se desenvolvam, mas que os países desenvolvidos paguem pelo atraso das demais nações do mundo.

Na prática, é uma defesa da corrupção e da manutenção da miséria nos lugares onde o capitalismo não se desenvolveu suficientemente. Ocorre que essa também é a política do imperialismo, que desde o final do século XIX se dedica a frear a industrialização das nações e, notadamente a partir dos anos 1970, empreende uma política de devastação organizada da economia mundial a fim de manter a lucratividade dos monopólios. O caráter pró-imperialista é ainda mais evidente quando os Toussaint e Perriot nomeiam os “vilões” do suposto aquecimento global:

“Em 2019, a América do Norte e a Europa, que representavam então 12% da população mundial, emitiram quase 30% das emissões de gases de efeito estufa liberadas na Terra. A China, que em 2019 representava 18% da população mundial, emitiu quase 25% do total de emissões em nosso planeta. Deve-se notar que os dados nos quais este gráfico se baseia adotam uma abordagem em termos de pegada de carbono. Isso significa que a produção e o transporte de um telefone fabricado na China para um europeu são contabilizados como emissões da Europa, não da China.”

Não é apenas que o desenvolvimentismo chinês seja, para os autores, um crime, mas um crime subnotificado, uma vez que a metodologia adotada pelos responsáveis pela elaboração do “estudo” não considera a produção chinesa, mas o destinatário dessa produção. E não só a China:

“A restrição para limitar as mudanças climáticas deve recair sobre os países do Norte (América do Norte, Europa, Rússia (grifo nosso), Leste Asiático), em particular os mais ricos, as grandes empresas e as classes dominantes em geral.”

Outro alvo do imperialismo, a Rússia, também deve sofrer “restrição para limitar as mudanças climáticas”, de acordo, claro, com os esquerdistas. O alinhamento de Toussaint e Perriot ao imperialismo no ataque aos principais países atrasados do mundo, porém, não é de tudo surpreendente.

A própria importância dada pelos autores ao tema em questão, a suposta “mudança climática”, já é um demonstrativo da submissão política da dupla à ditadura dos monopólios. Vivemos, finalmente, em um mundo onde o atraso é a norma (afinal, o capitalismo só se desenvolveu plenamente nos EUA, no Canadá, na Europa Ocidental e no Japão) e a miséria consequente disso, uma calamidade global. Ocorre que as nações atrasadas lutam para se industrializar e superar as formas pré-capitalistas ainda existentes em suas sociedades.

O imperialismo, desde o seu surgimento, opõe uma resistência feroz à tentativa dos demais países de se desenvolverem e, nas últimas décadas, para dar um verniz humano a uma política extremamente reacionária, tiraram da cartola o “aquecimento global” e todo uma ideologia que condena o progresso. É ao reforço dessa propaganda que o artigo escrito por Toussaint e Perriot serve.

Adotando-e a política defendida pela dupla, no máximo, poderíamos ter o imperialismo dando esmolas para as nações atrasadas, que assim permaneceriam eternamente. “Verdes”, belas e morais do ponto de vista imperialista e ambientalista, porém ainda atrasadas e povoadas por massas de miseráveis.

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Last Update: 18/01/2025