O Selo Sesc promoveu o sexto lançamento do ótimo projeto Relicário, com uma gravação ao vivo de Renato Teixeira no Sesc Consolação em 1978. Um ano antes, Elis Regina havia gravado Romaria, dando projeção ao cantor e compositor, embora ele estivesse na música havia pelo menos uma década.
É justamente o fato de Teixeira não ser um novato em 1978 que torna esse álbum de 10 faixas bom de escutar. Além de um rico repertório criado até ali, ele faz alguns comentários no espetáculo — reproduzidos no disco —, revelando-se um artista afiado, sarcástico e conectado com o seu tempo.
Naquela ocasião, havia acabado de lançar o álbum Romaria (1978), aproveitando-se da exposição que Elis deu à canção, e se preparava para gravar Amora (1979). O álbum da série do Sesc basicamente tem o repertório de ambos os registros fonográficos.
Da banda que acompanha o artista, destaque para Carlos Alberto de Souza, o Carlão, na viola caipira; José de Ribamar Viana, o Papete (já falecido), na percussão; e Oswaldinho do Acordeon. Eles trazem a sonoridade interiorana e remetem à temática rural da carreira de Renato Teixeira, hoje com 79 anos.
O disco começa com Sentimental Eu Fico – também gravada por Elis Regina no ano anterior – e Viola Malvada (ambas de Teixeira). Na irônica Vira-Bosta (Renato Teixeira), há o trecho: Meu quintal fica no centro da cidade/ Quase do lado do Viaduto do Chá/ Como se vê, o clima é bom e o ar é puro/ Só falta é fazer um muro que é pro povo não me olhar.
Depois da música, o cantor se dirige ao público e afirma: “Essa música que eu acabei de cantar chama-se Vira-Bosta, está no meu LP Romaria e passou pela censura. Outra coisa que passou pela censura foi a história de uma família da roça, do sertão, com todas as suas desgraças”.
Após o comentário, vem a música em questão, Sina de Violeiro, com a seguinte passagem: Por isso mesmo, amigo, é que eu lhe digo/ Não tem sentido em peito de cantor/ Brotar o riso onde foi semeada/ A consciência viva do que é a dor.
Na sequência, Renato Teixeira volta a contar histórias ao público de forma jocosa e sincera: “Depois que a Elis gravou Romaria, foi assim como se eu tivesse obtido um diploma de faculdade. Poder exercer a profissão, assim, numa boa. Aparecem shows, aparecem discos para se gravar. E realmente é uma situação muito confortável, muito boa, porque dá para a gente trabalhar direito, trabalhar legal. Mas eu já gravei música com muita gente. Eu estou há dez anos, e o que vocês estão vendo aqui em cima não é nada de novo. Eu faço essa música há bastante tempo. É a boca do funil que é um pouquinho apertada para a gente passar (risos)”.
Na sequência, ele relaciona artistas com quem já havia trabalhado e toca a bonita Madrasta (dele e de Beto Ruschel), gravada por Roberto Carlos e interpretada pelo Rei no Festival da Record de 1968.
Renato Teixeira apresenta depois sua canção Amora, um clássico caipira. Segue o álbum com Canta Moçada (Alcides Felisbino De Souza, Cesar Durval Sampaio e Joao Salvador Perez, o Tonico), gravada pela dupla de irmãos Tonico e Tinoco.
Mais uma vez o cantor se dirige à plateia e trata de outro tema agudo, antes de interpretar a canção: “Infelizmente, o preconceito até hoje não deixou que o público pudesse sentir toda a pureza e toda a beleza do trabalho deles (Tonico e Tinoco), mas um dia isso fatalmente irá acontecer”.
Fecham o disco três canções de Teixeira: Murro n’Água, Antes que Aconteça – as duas, aliás, com teor engajado da época – e, claro, Romaria. Trata-se de um registro revelador sobre Renato Teixeira, um músico observador da realidade, mais do que ele aparenta ser aos olhos do público.