Mais de 100 mil pessoas marcharam no último sábado (13) pelo centro de Londres na manifestação batizada de “Unite the Kingdom” (Unir o Reino, em tradução livre), organizada pelo ativista de ultradireita Tommy Robinson, cujo nome verdadeiro é Stephen Yaxley-Lennon.
A polícia estimou cerca de 110 mil participantes, mas organizadores falaram em até 150 mil, caracterizando o ato como uma das maiores mobilizações da extrema direita na história recente do Reino Unido.
A marcha percorreu pontos simbólicos da capital britânica, cruzando o rio Tâmisa e passando pelo Big Ben, em meio a um mar de bandeiras do Reino Unido, da Inglaterra e da Escócia.
Cartazes exigindo a deportação de solicitantes de asilo que cruzam o Canal da Mancha em pequenos barcos se misturavam a slogans contra o primeiro-ministro Keir Starmer.
Muitos manifestantes usavam bonés vermelhos “MAGA”, associados ao ex-presidente Donald Trump, e carregavam também bandeiras dos Estados Unidos e de Israel.
O protesto foi confrontado por um contracomício do movimento Stand Up to Racism, que reuniu cerca de 5 mil pessoas.
A polícia montou barreiras entre os dois grupos, mas ainda assim ocorreram incidentes violentos. Segundo a corporação, 25 pessoas foram detidas e 26 policiais ficaram feridos, quatro deles em estado grave.
Relatos dão conta de agressões com socos, chutes, garrafas e sinalizadores lançados contra agentes.
Vídeos divulgados pela própria Polícia Metropolitana mostraram os choques entre policiais e manifestantes. Embora Robinson tenha pedido calma em meio à tensão — “Estamos pedindo a todos vocês, todos os que estão compreensivelmente frustrados, que, por favor, mantenham a calma e a paz. Vamos manter as coisas seguras e civilizadas” — a corporação classificou os episódios como “violência inaceitável” e reforçou o policiamento com cavalaria.
Discurso de Musk incita multidão
O principal momento do ato foi a participação de Elon Musk, em chamada de vídeo transmitida em telão. O bilionário norte-americano, que no início do ano já havia falado em evento da extrema direita alemã, defendeu a dissolução imediata do Parlamento britânico e convocou a população a forçar novas eleições.
“Tem que haver uma dissolução do Parlamento e uma nova eleição”, disse, acrescentando que os britânicos “têm medo de exercer sua liberdade de expressão”.
Musk também radicalizou sua retórica, chamando a esquerda de “o partido do assassinato” e pedindo que os manifestantes “revidassem”.
Sua aparição foi apontada pela imprensa britânica como o maior atrativo da mobilização, já que desde 2024 ele se tornou um dos principais promotores de Robinson nas redes sociais. Após a compra do Twitter, rebatizado como X, Musk restaurou a conta do ativista, que havia sido banida em 2018 por violar regras de “conduta de ódio”.
O comício ainda prestou homenagens a Charlie Kirk, ativista conservador norte-americano assassinado no dia 10 em um campus universitário em Utah. A morte de Kirk foi utilizada como bandeira por Robinson, que descreveu a manifestação como um festival da liberdade de expressão.
Do palco, o líder de extrema direita chegou a afirmar: “Hoje é a centelha de uma revolução cultural na Grã-Bretanha, este é o nosso momento. Mostramos uma onda de patriotismo.”
A lista inicial de convidados incluía também o nome de Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, mas ele permaneceu nos Estados Unidos para apresentar seu podcast War Room.
Robinson, por sua vez, exibiu vídeos de jovens estrangeiros que viajaram a Londres para participar do ato, entre eles um francês que declarou ter ido em “homenagem a Charlie Kirk”.
Robinson e a trajetória de violência
Aos 42 anos, Tommy Robinson é um dos principais rostos da ultradireita britânica. Fundador da Liga de Defesa Inglesa, grupo nacionalista e anti-muçulmano conhecido por protestos violentos nos anos 2000 e 2010, ele construiu sua notoriedade em torno da hostilidade a imigrantes e à população islâmica.
Sua trajetória, porém, é marcada por uma série de condenações criminais que incluem uso de passaporte falso, fraude imobiliária, assédio a jornalistas e perturbação da ordem pública.
Em 2024, Robinson foi condenado a 18 meses de prisão por descumprir uma ordem judicial ao difundir alegações falsas sobre um refugiado sírio adolescente que o havia processado por difamação.
Libertado em maio de 2025, após redução da pena para sete meses, ele prometeu organizar um festival da liberdade de expressão, cumprido agora com a marcha em Londres.
Apesar da dimensão da mobilização, partidos estabelecidos mantiveram distância. O Reform UK, principal legenda anti-imigração e que lidera pesquisas de intenção de voto, evitou qualquer associação com Robinson.
Já no plano internacional, o ativista mantém laços com figuras como Geert Wilders, líder da extrema direita holandesa, e dirigentes da AfD alemã.
Robinson se apresenta como “jornalista que expõe irregularidades do Estado”, mas acumula passagens pelo cárcere e uma reputação de agitador responsável por fomentar hostilidade contra minorias. Mesmo assim, a marcha em Londres consolidou sua visibilidade política e mostrou que sua base de apoio extrapola os grupos marginais com os quais esteve associado no passado.
Resposta oficial e contexto político
A Polícia Metropolitana mobilizou 1.600 agentes, incluindo 500 vindos de outras forças, para garantir a segurança em Londres. A comandante Clair Haynes declarou que haveria “tolerância zero” para comportamentos discriminatórios ou que cruzassem “a linha entre protesto e crime de ódio”.
Em comunicado, reconheceu que as comunidades muçulmanas tinham “preocupações específicas” diante do histórico de retórica anti-islã nesses atos.
O primeiro-ministro Keir Starmer, em sua primeira reação oficial, defendeu no domingo (14) a diversidade britânica.
“Nossa bandeira representa a diversidade do nosso país e nunca cederemos”, escreveu em publicação no X. O governo trabalhista vinha sendo alvo dos slogans mais repetidos durante a marcha, que pediam sua queda e atacavam a política migratória.
A mobilização ocorreu em um momento de alta tensão social no Reino Unido. Somente em 2025, mais de 28 mil migrantes já atravessaram o Canal da Mancha em pequenos barcos, número recorde que reforçou a imigração como tema dominante na agenda política, eclipsando até a crise econômica.
Antes mesmo da marcha, protestos contra hotéis que abrigam refugiados vinham crescendo em várias cidades.
O episódio também expôs a polarização sobre liberdade de expressão. Uma semana antes, a prisão de mais de 800 pessoas em um ato pró-Palestina reacendeu críticas à legislação antiterrorismo, usada pelo governo para banir grupos como o Palestine Action.