O programa TVGGN Justiça da última sexta-feira (5) contou com a participação do antropólogo e especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares, que lançou recentemente o livro Escolha a Sua Distopia ou Pense pelo Avesso.

Na obra, Soares analisa os fatores que levaram o Brasil a viver um dos períodos mais sombrios de sua história recente e destacou como a herança autoritária, a violência policial e a falta de uma verdadeira transição democrática continuam ameaçando o Estado de Direito no país.

Segundo o autor, a obra reúne reflexões escritas desde 2018, quando Jair Bolsonaro despontava como favorito nas eleições presidenciais. Para Soares, o bolsonarismo não foi um acidente, mas resultado de processos históricos que incluem o enfraquecimento do pacto constitucional de 1988, a ruptura institucional no impeachment de Dilma Rousseff e o law fare.

“Parte do problema provém justamente dessa brutalidade que foi assimilada pela sociedade brasileira, que vem sendo gestada, que é parte da nossa história, não é preciso falar da escravidão, desse capitalismo autoritário, do patriarcalismo que nos caracteriza, do racismo etc. Tudo isso está presente na segurança pública de uma maneira muito evidente, se manifesta ali com muita crueza”, comenta o antropólogo.

Soares criticou especialmente a postura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e de seu secretário da Segurança, Guilherme Derrite, por endossarem publicamente a letalidade policial. Ele lembrou que operações recentes da Polícia Federal mostraram que é possível alcançar resultados significativos sem disparar um tiro, em contraste com a política do “liberou geral” nas periferias.

O antropólogo também resgatou a declaração de voto de Jair Bolsonaro durante o impeachment de Dilma Rousseff, quando homenageou o coronel Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar. Para ele, o episódio deveria ter provocado repúdio nacional imediato.

“Aquilo é uma coisa tão monstruosa, tão repulsiva, mas passa como se fosse mais uma idiosincrasia daquele sujeito grosseirão. Afinal de contas, isso não teria nenhuma significação maior. Mas isso deve ser objeto da nossa consideração atenta, porque ali você tem, em primeiro lugar, ele não fez nenhum esforço para homenagear a memória do coronel Ustra, defendendo-o de acusações. Seria uma hipótese. Todo mundo está errado, ele, de fato, jamais torturaria alguém etc. Ele não fez isso. Ao contrário, ele o definiu como o pavor de Dilma Rousseff. E, ao fazê-lo, de certa maneira, ele repôs, recompôs, reencenou aquele momento, estendeu, desdobrou aquela cena terrível de tortura”, avaliou.

Outro ponto abordado foi a relação entre forças policiais e grupos religiosos. Segundo Soares, práticas de obrigar policiais a participar de cultos neopentecostais durante o trabalho configuram um processo de adesão forçada com claros objetivos políticos.

Ao tratar do crime organizado, Soares destacou a aliança entre grupos paramilitares, organizações criminosas e setores políticos. Para ele, a lógica que associa criminalidade apenas às periferias mascara o avanço de estruturas ilícitas em prefeituras, assembleias legislativas e até no Congresso Nacional.

“Hoje, com as emendas parlamentares secretas, você tem uma tomada pelo crime organizado que praticamente todas as instituições. É um jogo, e daí vem o poder financeiro, para o poder financeiro vem o poder político, e daí você entra numa dinâmica aí. Onde está a saída?”, alertou.

O especialista criticou ainda a omissão do Ministério Público no controle externo da atividade policial e apontou a autonomia das corporações como ameaça permanente à democracia. Ele defendeu que segurança pública deixe de ser tratada como capítulo marginal em programas de governo e passe a ocupar posição central na agenda política.

Por fim, Soares relacionou os riscos internos à conjuntura internacional, citando a vulnerabilidade da soberania brasileira diante de interesses estrangeiros e da dependência tecnológica. Para ele, a combinação de fatores históricos e atuais exige vigilância constante.

“É uma coisa também inacreditável, com chantagem de todo tipo. Se um poder imperialista, com essa voracidade e esse tipo de arrogância, se dispusesse a atuar aqui, você imagina o que poderia acontecer com as nuvens onde todos os arquivos, informações das empresas, das nossas pessoais estão guardados”, concluiu.

Confira a entrevista na íntegra:

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Last Update: 07/09/2025