A Turquia proibiu centros médicos de realizarem cesáreas planejadas. A decisão do Ministério turco da Saúde de meados de abril tem efeito imediato, permitindo o procedimento somente em casos clínicos necessários. Além disso, centros médicos sem salas cirúrgicas próprias também serão proibidos de montar unidades de parto.
A nova regulamentação também exige a documentação digital dos dados dos pacientes e obriga as instituições de saúde a aderir a padrões modernos de segurança e de transparência de dados. Controles regulares terão como objetivo garantir que os tratamentos médicos estejam em conformidade com as diretrizes científicas.
As intervenções nos cuidados obstétricos implementadas pelo Ministério da Saúde local geram controvérsias há dias na Turquia. Vozes próximas ao governo argumentam que as taxas de partos por cesáreas, de qualquer maneira, já estariam diminuindo, embora os dados não confirmem esse argumento.
Na realidade, a taxa de partos por cesáreas na Turquia está bem acima da média da Europa e dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo dados da OCDE, 51,9% dos partos realizados na Turquia em 2018 foram por cesárea, em 2022, foram 57,2%.
Na Europa, a tendência é muito mais moderada. Em países como Suécia, Holanda e França, essa taxa fica abaixo dos 20%. O princípio europeu é de que esse tipo de parto seja realizado somente quando clinicamente necessário, e sempre havendo um diálogo entre o médico e a gestante.
“Pelo menos três filhos” de parto natural?
Enquanto muitos países estão comprometidos em aumentar o empoderamento das mulheres, a Turquia caminha em sentido contrário. O governo islâmico-conservador do presidente Recep Tayyip Erdogan vem causando fortes reações com a nova iniciativa. Há mais de 23 anos, Ancara adota uma política dita “favorável à família”, que muitas ativistas dos direitos das mulheres criticaram como misógina.
Já em 2008, Erdogan pediu que as mulheres turcas “tivessem pelo menos três filhos”, o que causou grande controvérsia na época. O objetivo, segundo o líder turco, seria combater as mudanças demográficas e o envelhecimento da população.
Essa meta, no entanto, não foi alcançada. Desde a vitória do partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) de Erdogan nas eleições parlamentares de 2002, a taxa de natalidade por mulher no país caiu de pouco menos de 2,4 para 1,5 filhos, segundo a agência de estatísticas Türkstat.
Para estimular o aumento da taxa de natalidade, o governo declarou 2025 o “Ano da Família”. A campanha de Ancara pelo parto natural se enquadra neste contexto. É clinicamente comprovado que mulheres podem engravidar novamente com maior rapidez após um parto normal do que após uma cesárea. Nessa lógica, elas poderiam dar à luz mais rápido a mais crianças.
Após uma cesárea, o corte precisa de um tempo para cicatrizar. Recomenda-se um tempo de espera de no mínimo entre 12 e 18 meses após o procedimento para uma nova gestação. No caso de parto natural, esse período é de apenas seis a 12 meses, do ponto de vista médico.
Ataque ao direito das mulheres
Organizações de direitos das mulheres criticam fortemente as novas restrições. “O debate sobre as cesáreas está sendo conduzido com um discurso misógino e com medidas que visam culpar as mulheres e exercer controle sobre seus corpos. Uma abordagem que força as mulheres a dar à luz e busca ditar como elas devem ser mães representa um ataque ao seu direito de tomar suas próprias decisões sobre seus corpos, sua fertilidade e suas vidas. O papel do Estado não é ditar como as mulheres devem dar à luz”, afirmou à DW a organização de direitos das mulheres Lila Dach.
Canan Güllü, presidente da Federação das Associações de Mulheres da Turquia (TKDF), acredita que a regulamentação é uma clara violação da Constituição turca, de acordos internacionais e de direitos humanos fundamentais. “A Constituição garante a todo ser humano o direito à vida, bem como à proteção e ao desenvolvimento de sua integridade física e mental”, escreveu Güllü em nota à imprensa.
Interferir na decisão sobre o tipo de parto é um ataque direto à autonomia física da mulher e ao seu direito à saúde, destacou Güllü. Com suas críticas, Güllü se a junta a um número cada vez maior de vozes da sociedade civil e do movimento feminista que veem a política de saúde do governo como uma intervenção de motivação ideológica. O Estado vê as mulheres como “máquinas de parto”, disse a ativista.
A legenda de oposição Partido Republicano do Povo (CHP) também aderiu aos protestos. Aylin Nazlıaka, vice-líder do partido responsável por políticas familiares e sociais, alerta para as consequências para as mulheres nas áreas rurais: “Em muitos distritos e vilarejos, os centros médicos são o único acesso aos cuidados básicos de saúde. Se as cesáreas planejadas não forem mais possíveis nesses locais, isso representará um enorme retrocesso para a segurança das gestantes.”