
Por mais que analistas e jornalistas tentem emprestar uma aura de complexidade geopolítica ao bate-boca entre Donald Trump e Elon Musk, o episódio não passa de um repeteco de um roteiro já conhecido — o termo certo, aliás, é barraco. Quem testemunhou o rompimento barulhento e malcheiroso entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro conhece bem a coreografia: dois malandros que se conhecem demais para continuarem dividindo o mesmo quadrado. Porque, no fundo, não há espaço para dois pilantras no mesmo saloon.
O caso Trump-Musk é de uma obviedade curitibano-lavajatista. Ambos se prestaram, nos últimos anos, a um balé de conveniências, dançando juntos quando seus interesses convergiam e apunhalando-se pelas costas quando a partilha dos espólios revelou-se desigual. O empresário bilionário virou funcionário do Estado em um governo que jurava querer destruir o próprio Estado — um paradoxo só possível onde o cinismo serve de cola para unir os falsários.
Musk tornou-se o “czar da eficiência governamental”, o sujeito encarregado de cortar gastos públicos como quem derruba árvores em uma floresta de papelão. Nada entregou além de grosseria, promessas megalomaníacas e interrupções em serviços que importam aos pobres, não aos ricos. E não entregou por um motivo simples: Musk não sabe entregar nada. Nunca soube. É apenas uma farsa midiaticamente construída, um hub de negócios por onde muita gente lava dinheiro. Elon Musk é apenas um Pablo Marçal da vida. E ponto.
O problema — e aqui se repete o enredo flatulento de Moro e Bolsonaro — é que, cedo ou tarde, o pacto entre escroques racha. E não racha por ética, nem por divergência ideológica. Racha porque dois farsantes que dividiram o mesmo balcão sabem exatamente de onde vêm os esqueletos no armário um do outro. Ambos praticaram juntos seus truques de mágica institucional; ambos manipularam informações, recursos, narrativas e, sobretudo, expectativas. Mas como nenhuma dessas práticas pode ser confessada ao distinto público, a separação precisa vir embalada num dramalhão de acusações infantis — como se tudo não passasse de um mal-entendido pessoal.
Musk acusa Trump de ingratidão. Trump ameaça cortar os subsídios da Tesla. Musk responde com insinuações envolvendo Epstein. Trump resmunga algo sobre orçamentos e lealdade. O nível da disputa é digno de uma briga em pátio de colégio. A diferença é que quem paga a conta somos nós — e, nos bastidores, quem decide quem ganha ou perde não é o eleitor nem o cidadão, mas o mercado, esse deus gaguejante e vingativo que, quando perde a paciência, fecha a torneira do dinheiro e deixa o bilionário pelado no meio da praça. Não por acaso, passaram o início da semana especulando sobre a dependência farmoquímica do fascista sul-africano.
É isso que se avizinha: Elon Musk, como Sergio Moro, será devolvido ao aterro sanitário de onde nunca devia ter saído. E não será Trump o coveiro, mas os investidores. Os mesmos que um dia enxergaram em Musk uma espécie de aríete tecnocrata para escoar o orçamento público para os seus bolsos, sem precisar sujar os dedos.
— Elon Musk (@elonmusk) June 5, 2025
Quando esse tipo de aposta azeda — e azeda rápido —, o capital pula fora com a dignidade de uma barata fugindo de chinelo. Musk perderá contratos, credibilidade, influência e, sobretudo, acesso a recursos. Será humilhado pelo gabinete trumpista do ódio, que o chamará de traidor, lunático, moleque mimado. A mesma máquina que antes o vendia como gênio libertário.
E, como todo oportunista humilhado, voltará rastejando. Foi o que fez Moro. Chamado de comunista, de traidor, de “herói de barro”, teve sua reputação moída em praça pública. Mas, na hora do aperto, da solidão política e da escassez de grana, retornou ao colo do bolsonarismo como cão arrependido, farejando qualquer migalha de poder. Musk fará o mesmo: o messias do carro elétrico voltará a pedir bênção ao apóstolo da ignorância.
Este não é o fim, mas apenas mais um capítulo de um gênero literário específico que poderíamos chamar de tragédia cínica americano-latino-americana. A aliança entre empresários megalomaníacos e políticos autoritários, quando rui, nunca rui por princípios; rui por uma guerra de egos inflados por esteroides, onde a lógica é simples: só pode haver um vigarista por vez no topo da cadeia alimentar.
O império dos farsantes também tem suas guerras civis. E nelas, os vencidos não morrem, apenas aguardam sua vez de lamber as botas do novo senhor da vez, fingindo que a história não se repete. Mas ela repete, sim. Musk só está esperando o devido tempo de virar Moro; porque, no teatro das fraudes, o último a cair nunca cai de vez: apenas aguarda, nos bastidores, a hora certa de reaparecer fantasiado de aliado.