A volta de Donald Trump à Casa Branca tem sido marcada por uma escalada agressiva no protecionismo comercial. Em um movimento que impacta diretamente 185 países, o presidente americano anunciou um “tarifaço” sobre produtos importados, atingindo desde a China até o Brasil. Embora o país sul-americano tenha sido um dos menos afetados — com uma tarifa geral de 10% e 25% sobre o aço —, os efeitos colaterais são vastos e estratégicos.
As declarações de Trump foram além da economia. Em entrevista à Time Magazine, ele afirmou que países como Brasil, Índia e China “ficaram ricos” às custas dos EUA, ao imporem barreiras tarifárias sobre produtos americanos. Acusou o Brasil de sobreviver “roubando” empregos e tesouros dos EUA, e garantiu que manterá tarifas elevadas até que empresas americanas tragam suas fábricas de volta para casa.
O que Trump esconde nessa retórica, é que Washington criou essa lógica globalista para se beneficiar de mão de obra mais barata, e agora se vitimiza reclamando dos efeitos disso em sua indústria local. O trabalhador menos qualificado nos EUA ficou alijado dos bons salários da indústria, enquanto as grandes corporações enriqueceram “fabricando” um forte operariado principalmente na Ásia. Cidades como Detroit foram desmontadas juntas com suas fábricas de automóveis, gerando miséria e subúrbios abandonados.
Trump defende as tarifas como um “tremendo sucesso”, afirmando que bilhões de dólares estão sendo arrecadados e que empresas estrangeiras estão migrando para os EUA para evitar custos adicionais. “Não há tarifas se fizerem seus produtos aqui”, reiterou, destacando a visão de que a medida fortalece a economia local. Mais uma vez, ele acredita estar enganando seus eleitores, enquanto as bolsas e os índices econômicos do país são uma sirene estridente de como o mercado tem reagido de forma negativa às medidas de seu governo.
Choque global, abalo local
A medida impacta o Brasil de forma direta e indireta. Enquanto a sobretaxa de 25% sobre o aço compromete a competitividade da indústria siderúrgica nacional nos EUA. A ameaça é indireta: produtos de países que perderam competitividade no mercado americano podem ser desviados para cá, inundando o Brasil com produtos de baixo custo, aumentando a concorrência.

O setor siderúrgico, por sua vez, enfrenta uma sobretaxa de 25% sobre o aço exportado aos EUA. A Abimetal-Sicetel alerta para uma possível “invasão silenciosa” de aço de outros países, pressionando a indústria nacional. A entidade defende medidas de defesa comercial urgentes, como ampliação de tarifas de importação e articulação com o governo federal.
Enquanto setores industriais enfrentam pressões, o agronegócio pode se beneficiar. A guerra comercial entre EUA e China cria espaços para o Brasil ampliar exportações de soja, carne e outros produtos, diante da saída forçada de concorrentes americanos de alguns mercados asiáticos. No entanto, a volatilidade dos fluxos comerciais imposta pela guerra tarifária global exige cautela e preparo estratégico por parte dos exportadores brasileiros. Abre chances, mas exige estratégias agressivas.
Logística em xeque: entre estoques e incertezas
A logística brasileira é outro ponto crítico. Operadoras que transportam componentes, máquinas e commodities estão em compasso de espera. “O mercado não sabe se deve estocar produtos ou aguardar uma redução das tarifas”, destaca análise setorial. A instabilidade prejudica negociações e eleva custos, especialmente para setores como o agronegócio, dependente de insumos importados.
A volatilidade exige flexibilidade. Especialistas em logística ressaltam que o Brasil precisa de visão estratégica e tecnologia para transformar desafios em vantagens. A logística de alta performance será crucial para capturar oportunidades em um cenário global reconfigurado.
Oportunidades à espreita
Mesmo diante das ameaças, o Brasil tem janela para crescer. A reconfiguração dos fluxos globais pode favorecer a inserção de produtos nacionais em mercados estratégicos, principalmente na Ásia. Para isso, será necessário reforçar infraestrutura logística, ampliar certificações internacionais e buscar acordos comerciais bilaterais ou via blocos regionais.
A possibilidade de empresas americanas anteciparem compras do Brasil — como já se observa no setor automotivo — é uma brecha que pode ser explorada. Mas é preciso atenção: a ausência de uma resposta coordenada pode comprometer toda a cadeia produtiva.
Preparação é defesa: o que o Brasil deve fazer
Diante do cenário, três pilares estratégicos se impõem:
- Fortalecer a defesa comercial: Ampliar a lista de produtos com tarifas de proteção, especialmente no setor siderúrgico e de manufaturados, para conter a enxurrada de importados desviados dos EUA.
- Diversificar mercados: Reduzir a dependência de parceiros tradicionais, como os EUA, apostando em mercados emergentes e reforçando o Mercosul e acordos com a África e o Sudeste Asiático. Fortalecer acordos comerciais com blocos como União Europeia.
- Buscar certificações internacionais (como rastreabilidade e sustentabilidade) para atender demandas globais.
- Investir em inovação tecnológica para aumentar produtividade na agricultura e indústria;
- Reforçar a logística estratégica: Investimentos em armazenagem, transporte multimodal e logística emergencial serão cruciais para dar agilidade às exportações e evitar gargalos em momentos de pico, assim como evitar perdas pós-colheita. Preparar a logística para fluxos comerciais alternativos, como corredores de exportação para Ásia e Oriente Médio.
Riscos macroeconômicos e pressão inflacionária
O cenário externo ameaça a economia brasileira de forma dupla. A pressão inflacionária nos EUA pode influenciar juros globais, afetando investimentos; e a recessão em grandes economias pode deprimir preços de commodities, aumentando a competição por mercados.
Paralelamente, o Federal Reserve (Fed) sinaliza possíveis cortes de juros nos EUA, o que poderia atrair capitais para o Brasil. No entanto, a instabilidade comercial exige cautela da política monetária brasileira para equilibrar o câmbio.
Um tabuleiro em movimento
O “tarifaço” de Trump não é um episódio isolado, mas parte de uma estratégia de longo prazo que busca redesenhar o papel dos EUA na economia global. Para o Brasil, ele representa mais do que um desafio comercial: é um teste de resiliência estratégica. A forma como o país responderá a essa pressão poderá definir sua posição nos mercados globais da próxima década.
As tarifas redefinem as regras do jogo comercial, colocando o Brasil em uma encruzilhada. Enquanto setores como o aço e automotivo enfrentam turbulências, o agronegócio pode emergir como vencedor — desde que o país aposte em diplomacia, modernização e agilidade logística. A guerra comercial não é apenas uma crise, mas um teste para a capacidade do Brasil de se adaptar a uma ordem global em transformação.
Analistas internacionais preveem que a pressão inflacionária nos EUA forçará Trump a negociar. Analistas têm dito que a economia norte-americana não suportará tarifas altas por muito tempo. A guerra de Trump não é apenas contra os adversários, mas contra o próprio tempo. Enquanto isso, a China mantém a postura rígida, mas sinais de abertura em setores como tecnologia e energia podem surgir após a reunião do Politburo, em julho.