O pacote tarifário anunciado por Donald Trump contra o Brasil foi mais do que uma medida econômica: tratou-se de um ataque político ao BRICS. Para o ex-presidente norte-americano, o grupo — formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia e China — representa uma ameaça direta à hegemonia dos Estados Unidos ao dólar. O ataque de Trump, segundo o professor Evandro Carvalho, busca enfraquecer o bloco e, por tabela, punir países que se aproximam dele.
Assista a íntegra da entrevista:
Mas por que o Brasil? “Trump usou o Brasil como pretexto para atingir o BRICS”, avalia o professor. A crítica revela uma tensão crescente: o avanço da articulação entre economias emergentes e o recuo da influência do G7, o grupo das maiores potências ocidentais. Nesse jogo de forças, o Brasil se encontra numa encruzilhada geopolítica — e ideológica.
Carvalho ressalta que, independentemente do espectro político, há um consenso nacional em torno da necessidade de ampliar o protagonismo do Brasil no cenário global. A divergência está no caminho a ser trilhado: a direita prioriza o alinhamento com o G7; a esquerda aposta na articulação com países em desenvolvimento, como os do BRICS.
BRICS: expansão, autonomia e a força da China
O BRICS, longe de ser um agrupamento anti-G7, afirma Carvalho, é antes uma tentativa de conquistar maior representatividade internacional, sobretudo diante das projeções econômicas que colocam China, Índia e Brasil entre as maiores economias do mundo até 2050.
Com a entrada de novos países — como Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia —, o bloco amplia sua influência. Mas é a China quem lidera essa transformação. “A China não só tem uma política externa global, como tem criado alternativas reais ao sistema financeiro dominado pelos EUA”, afirma o professor, destacando o sistema CIPS (Sistema de Pagamentos Transfronteiriços em RMB), alternativa ao SWIFT (Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), e os avanços na desdolarização das trocas comerciais.
Carvalho avalia que os EUA têm reagido à ascensão do BRICS com hostilidade. Editorialistas e figuras políticas, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, têm defendido abertamente a saída do Brasil do grupo. Mas romper com o BRICS e, especialmente, com a China, seria um desafio logístico e político de enormes proporções. “A relação com a China tem sido percebida por amplos setores como uma relação de ganhos mútuos. Ainda que os ganhos não sejam iguais, são melhores que o jogo de perde-ganha de outras relações bilaterais”.
China x EUA: a locomotiva e o trono
A ascensão chinesa é resultado de um planejamento de longo prazo, explica Carvalho. Desde os planos quinquenais até os investimentos massivos em infraestrutura e pesquisa, a China se preparou sistematicamente para enfrentar desafios como o tarifarismo de Trump. “Eles sabiam que a ascensão econômica geraria resistência. E se prepararam para isso.”
A lógica chinesa, afirma, contrasta radicalmente com a instabilidade política dos EUA, cuja democracia enfrenta ameaças internas — inclusive o ressurgimento de ideologias de extrema direita. “A China é hoje um corpo político mais estável, com projeto de nação claro. Os EUA estão fraturados. E isso torna o jogo difícil para Washington.”
Para Carvalho, mesmo se o Partido Comunista da China quisesse frear o crescimento econômico, talvez já fosse tarde demais. “Com 400 milhões de pessoas na classe média e o objetivo de dobrar esse número até 2035, é uma locomotiva que já está em movimento.”
Asean e a nova geopolítica asiática
Diante do tarifaço, Lula anunciou a busca por novos parceiros comerciais e diplomáticos, citando a Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) como uma das apostas. O bloco asiático, formado por países como Indonésia, Vietnã e Malásia, representa uma região de crescimento econômico acelerado e estabilidade relativa — atributos raros no cenário atual.
A aproximação com a Asean é coerente com o deslocamento do “pêndulo econômico” global para a Ásia. E, mais uma vez, a China desempenha um papel central, sendo o motor que impulsiona o dinamismo econômico da região.
“A relação com a China pode ser o vetor de expansão da presença brasileira na Ásia”, afirma Carvalho. Mas, para isso, o Brasil precisa ampliar sua capacidade de interlocução política, técnica e cultural. “Hoje, os chineses conhecem muito mais o Brasil do que o Brasil conhece a China.”