Quando Donald Trump prometeu “drenar o pântano” em Washington, muitos esperavam o fim da velha política. O que se seguiu, porém, foi uma presidência que transformou o cargo mais poderoso do mundo em uma extensão de um império de negócios — com cifras e práticas que, segundo o jornalista Peter Baker do New York Times, ultrapassaram todos os limites éticos e legais conhecidos na história dos EUA.

Nos últimos meses, a família Trump faturou cerca de US$ 320 milhões com uma criptomoeda lançada em nome do presidente, promoveu empreendimentos bilionários no exterior e iniciou um clube privado em Washington com cotas de US$ 500 mil. Tudo isso enquanto Trump ocupa novamente a Casa Branca.

Muito mais que joias árabes, e silêncio institucional

O caso mais notório veio do Catar: um jato de luxo de US$ 200 milhões foi doado formalmente à Força Aérea, mas designado para uso pessoal de Trump, incluindo sua futura biblioteca presidencial. Isso ultrapassa, sozinho, o valor de todos os presentes recebidos por presidentes anteriores — somados.

A Casa Branca negou qualquer irregularidade. “O presidente está cumprindo todas as leis de conflito de interesses que são aplicáveis ao presidente”, disse Karoline Leavitt, porta-voz da presidência. Mas como o próprio Trump já afirmou publicamente, essas leis não se aplicam a ele.

Não há investigações em andamento — o próprio presidente removeu inspetores-gerais, esvaziou agências reguladoras e garantiu que o Congresso republicano não vá promover audiências. Para especialistas, trata-se de uma desarticulação sistemática dos mecanismos de controle ético.

A ética que se apagou

Em outros tempos, lucros bem menores geraram comoção. Quando Hillary Clinton ganhou US$ 100 mil com investimentos futuros de gado antes mesmo de seu marido assumir a presidência, a reação foi feroz e a Casa Branca precisou abrir uma revisão. Hoje, Melania Trump pode embolsar US$ 28 milhões com um documentário patrocinado por Jeff Bezos sem maiores repercussões.

“Ou o público nunca se importou com corrupção”, avaliou Paul Rosenzweig, conselheiro da investigação de Ken Starr contra Bill Clinton, “ou está exausto demais para reagir agora.” Ele aposta em uma mistura de ambas.

Dinheiro do Golfo, silêncio republicano

Grande parte da nova riqueza da família Trump vem do Oriente Médio. Além do jato doado pelo Catar, Trump e seus aliados fecharam negócios com monarquias árabes — os mesmos países que ele criticou Hillary Clinton por aceitar doações, ainda que, naquele caso, para uma fundação filantrópica.

Agora, os lucros vão direto para contas pessoais de Donald Trump Jr., Eric Trump e Jared Kushner. Mesmo assim, o Congresso, que dedicou anos a investigar Hunter Biden por valores muito menores, ignora o novo arranjo comercial da família presidencial.

“Corrupção escancarada” — e a indiferença pública

O acúmulo de episódios levou o jurista Fred Wertheimer, da organização Democracy 21, a uma conclusão dura: “Não há nada na história americana que se aproxime do uso da presidência para ganho pessoal maciço.” Segundo ele, Trump ocupa “os dez primeiros lugares” em qualquer ranking de corrupção presidencial.

Mas a falta de resposta institucional ou popular ainda é o aspecto mais alarmante. Mesmo quando uma pesquisa da Harvard/CAPS Harris revelou que 62% dos americanos veem problemas éticos no presente do Catar, a reação foi branda.

Ben Shapiro, Laura Loomer e até Tucker Carlson — apoiadores influentes de Trump — manifestaram incômodo. Mas ainda não foi o suficiente para mobilizar ação.

A conta vai chegar?

Peter Baker encerra sua análise com uma nota de esperança. Para críticos da administração, o tamanho dos abusos pode, eventualmente, ser sua ruína. “Vai levar algum tempo”, diz Wertheimer, “mas vai alcançá-lo.”

Trump, que um dia prometeu limpar a política americana, pode ter, na verdade, redefinido o que ela tolera. Se essa nova normalidade será revertida — ou consolidada — ainda é incerto. Mas a presidência como negócio privado parece, por enquanto, ter saído vitoriosa.

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Last Update: 25/05/2025