Uma das maiores operações migratórias da história dos EUA atingiu nesta semana a fábrica de baterias da Hyundai e da LG em Ellabell, na Geórgia. O complexo, construído com bilhões de dólares sul-coreanos, foi concebido para atender à política de produção doméstica defendida por Donald Trump. 

Na quinta-feira (4), agentes federais detiveram 475 trabalhadores no canteiro de obras. Mais de 300 eram cidadãos sul-coreanos. O Departamento de Segurança Interna (DHS) classificou a ação como a maior já realizada em um único local durante o governo Trump.

A prisão em massa provocou uma crise diplomática imediata. O governo da Coreia do Sul anunciou no domingo (7) que fretou um avião para repatriar os cidadãos presos, após negociações com Washington. Segundo o cônsul-geral Cho Ki-joong, os trabalhadores devem embarcar já na quarta-feira (10).

O vice-chanceler Park Yoon-joo considerou “lamentável” a divulgação, pelos EUA, de imagens que mostraram operários algemados nos pulsos, tornozelos e cintura, com coletes estampados com os nomes “Hyundai” ou “LG CNS”. O vídeo exibiu ainda helicópteros e veículos blindados cercando o canteiro.

A ação na Geórgia se soma à ofensiva de Trump para ampliar batidas em empresas. O “czar da fronteira” da Casa Branca, Tom Homan, disse à CNN que novas operações estão previstas. 

A justificativa contrasta com a realidade de setores inteiros da economia norte-americana. Agricultura, hotelaria, construção pesada e frigoríficos relatam falta de trabalhadores desde que a Casa Branca cortou fluxos migratórios e intensificou as batidas.

Parlamentares asiático-americanos do Congresso chamaram a operação de “alarmante”. Em nota, acusaram o governo de perseguir imigrantes em comunidades de trabalhadores para cumprir cotas de deportação em massa, em ações que “destroem famílias, prejudicam a economia e minam a confiança de parceiros globais”.

A retórica contra a imigração irregular vinha escalando. Trump e auxiliares sugeriram o envio de tropas da Guarda Nacional e de agentes federais a Chicago. No sábado (6), o presidente publicou em sua rede Truth Social um meme inspirado no filme Apocalypse Now que mostrava o horizonte da cidade em chamas, cercado por helicópteros. A postagem foi criticada por moradores e autoridades locais por sugerir a cidade como alvo militar.

O ICE informou que a operação em Ellabell foi executada sob mandado judicial por suspeitas de práticas trabalhistas ilegais. Segundo a agência, parte dos detidos entrou no país de forma irregular; outros ultrapassaram o prazo de visto ou estavam com vistos de turismo e negócios que não permitem trabalho.

Apesar de defender mais produção doméstica, o governo Trump restringe a imigração a ponto de criar gargalos para obras de semicondutores, veículos elétricos e data centers. Analistas descrevem o paradoxo como um freio à expansão industrial que a própria administração diz priorizar.

Reação imediata da Coreia do Sul

A batida ocorreu apenas dez dias após a cúpula entre Trump e o presidente sul-coreano, Lee Jae Myung, que havia resultado em promessas bilionárias de investimento e reforço da aliança. A prisão em massa foi vista em Seul como um golpe na confiança construída no encontro.

Além de Park Yoon-joo, o chanceler Cho Hyun confirmou que mais de 300 cidadãos coreanos estavam entre os presos e indicou que pode viajar a Washington se necessário. O chefe de gabinete, Kang Hoon-sik, prometeu revisar o sistema de vistos para trabalhadores que viajam aos EUA, a fim de evitar incidentes semelhantes.

A chancelaria sul-coreana destacou que “as atividades econômicas de nossas empresas e os direitos de nossos cidadãos não devem ser injustamente violados durante a aplicação da lei norte-americana”.

A imprensa do país criticou a operação e ressaltou a contradição de um governo que exige investimentos, mas restringe a presença de trabalhadores estrangeiros. Parlamentares da Geórgia e congressistas em Washington também afirmaram estar “profundamente alarmados” com a ação.

Empresas em alerta

A Hyundai declarou que nenhum de seus funcionários diretos foi preso, mas abriu revisão interna para verificar o cumprimento das normas por terceirizadas. Já a LG Energy Solution reconheceu a prisão de 47 empregados próprios, além de dezenas de terceirizados, e anunciou medidas emergenciais.

A LG suspendeu viagens de negócios aos EUA, determinou o retorno de funcionários no país e enviou um executivo de recursos humanos à Geórgia para acompanhar o caso.

As duas empresas são sócias em um projeto de US$4,3 bilhões para produzir baterias de veículos elétricos, considerado um dos maiores investimentos industriais da história da Geórgia. O complexo como um todo envolve US$12,6 bilhões, deve empregar 8.500 pessoas até 2031 e receber até US$2,1 bilhões em incentivos fiscais.

O impacto da operação sobre o cronograma ainda é incerto. A Hyundai anunciou em agosto que elevaria seus investimentos nos EUA de US$21 bilhões para US$26 bilhões, incluindo uma unidade de robótica. Mas a continuidade dependerá da resolução das tensões migratórias e tarifárias.

As empresas também enfrentam risco de perder competitividade com a recente decisão dos EUA de reduzir tarifas sobre carros japoneses, enquanto veículos sul-coreanos seguem taxados em 25%. O setor automotivo é um dos pilares da economia da Coreia do Sul.

Contradições industriais e cenário geopolítico

O episódio intensificou as tensões entre Washington e Seul em meio à negociação de um acordo comercial anunciado em julho, que prevê US$350 bilhões em fundos para empresas sul-coreanas ampliarem sua presença no mercado norte-americano. Na ocasião, Lee Jae Myung prometeu ainda US$150 bilhões adicionais em investimentos, em gesto de confiança na aliança.

Menos de duas semanas depois, a repressão em Ellabell expôs a fragilidade da relação. Ao mesmo tempo em que exige recursos e fábricas de seus aliados estratégicos, o governo norte-americano aciona a máquina migratória contra os trabalhadores que viabilizam esses projetos.

“Vocês querem nosso dinheiro, mas não nos querem aqui”, resumiu Tami Overby, ex-diretora do Conselho Empresarial EUA–Coreia, sobre o clima em conselhos empresariais asiáticos.

O paradoxo é corrosivo: Trump impõe tarifas de 25% aos automóveis sul-coreanos e pressiona por mais produção dentro dos EUA, mas paralisa empreendimentos erguidos com capital estrangeiro. Para Seul, o gesto soou como traição à confiança selada dias antes na cúpula presidencial.

Segundo a CNN, Trump pode visitar a Coreia do Sul em outubro, durante a reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). Se confirmada, a viagem ocorrerá sob o impacto da maior operação migratória já realizada contra trabalhadores de uma das principais aliadas de Washington na Ásia.

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Last Update: 08/09/2025