O governo de Donald Trump anunciou nesta terça-feira (22) a retirada oficial dos Estados Unidos da Unesco, agência das Nações Unidas voltada à educação, cultura e ciência.
A decisão, que terá efeito a partir de dezembro de 2026, foi justificada pela Casa Branca como uma resposta à suposta “agenda globalista e woke” promovida pela organização com sede em Paris.
Essa é a terceira vez que Washington abandona a Unesco, num gesto que reforça a guinada isolacionista e ultraconservadora do segundo mandato de Trump.
Segundo o Departamento de Estado norte-americano, a Unesco estaria promovendo causas “sociais e culturais divisivas”, com ênfase nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), descritos como “incompatíveis com a política externa America First”.
O governo também voltou a acusar a entidade de manter um viés anti-Israel, citando como “motivo problemático” a admissão da Palestina como Estado-membro, em 2011.
Com a saída, os EUA deixarão de contribuir com cerca de 8% do orçamento da agência da ONU — impacto considerado administrável por dirigentes da Unesco, que afirmam ter se preparado para o anúncio com reformas estruturais e diversificação de financiadores. A diretora-geral Audrey Azoulay lamentou a decisão e afirmou que ela contraria os princípios do multilateralismo.
Retrospecto da tensão: do reconhecimento da Palestina à volta de Trump
Esta é a terceira vez que os Estados Unidos se retiram da Unesco. A primeira ocorreu em 1984, durante o governo Reagan, sob o argumento de que a agência promovia um viés antiocidental.
O retorno só veio em 2003, sob George W. Bush. Em 2011, a votação da Unesco que aprovou a admissão da Palestina resultou na suspensão dos repasses financeiros por parte dos EUA, devido a uma lei federal. Isso gerou um acúmulo de dívidas que chegou a ultrapassar US$600 milhões.
Durante o primeiro mandato de Trump, em 2017, a Casa Branca voltou a retirar o país da agência, alegando “prejuízos financeiros”, “falta de reformas” e “viés anti-Israel”.
Já em 2023, sob o governo de Joe Biden, os EUA retornaram à Unesco como forma de conter a crescente influência da China, que havia se tornado o maior financiador da organização.
Como condição para o reingresso, Washington concordou em quitar os valores em atraso e apoiar programas de memória do Holocausto, segurança de jornalistas e acesso à educação na África.
A nova retirada anunciada agora retoma os argumentos do governo anterior, mas com ênfase ampliada na cruzada ideológica contra os chamados valores “woke”, termo usado pela extrema direita para atacar políticas de diversidade, direitos humanos e justiça social.
Efeitos práticos e simbólicos da saída norte-americana
Embora a contribuição financeira dos EUA represente uma parcela importante do orçamento da Unesco, o impacto desta nova saída será mitigado por medidas adotadas após 2017, como a diversificação das fontes de recursos. Segundo Audrey Azoulay, não haverá cortes de pessoal nem suspensão de programas.
O que está em jogo, no entanto, é mais do que o orçamento. A retirada enfraquece a legitimidade de ações multilaterais nas áreas da educação para a paz, combate ao antissemitismo, proteção de patrimônios históricos e promoção do diálogo intercultural. A Unesco é responsável, por exemplo, pela designação de sítios do Patrimônio Mundial — como o Grand Canyon (EUA), Palmyra (Síria) e Machu Picchu (Peru) — e pelo estímulo à memória histórica, incluindo a preservação de arquivos sobre o Holocausto.
Ao atacar essa agenda, o governo Trump contribui para o esvaziamento de uma das poucas agências da ONU dedicadas à cooperação entre culturas e à defesa de direitos fundamentais.
Além disso, reforça a tendência de retirada seletiva de organismos internacionais — que inclui a OMS, o Conselho de Direitos Humanos e a agência de assistência aos refugiados palestinos (UNRWA).
Aliança com Israel e veto à Palestina como pano de fundo
A decisão de abandonar novamente a Unesco também deve ser lida à luz da política externa dos EUA em relação ao Oriente Médio. Em 2011, a adesão da Palestina como Estado-membro da Unesco gerou fortes reações em Washington e Tel Aviv.
Desde então, a agência passou a ser alvo de boicotes, atrasos no financiamento e campanhas de deslegitimação por parte do governo norte-americano e de aliados israelenses.
Desta vez, a retirada foi comemorada pelo chanceler israelense Gideon Saar, que classificou a decisão como “um passo necessário para garantir justiça e tratamento igualitário a Israel dentro do sistema da ONU”.
A Unesco, no entanto, rejeita as acusações de viés político e reforça seu papel em iniciativas contra o antissemitismo e em programas educativos voltados à paz e ao pluralismo.
Para analistas da diplomacia internacional, a ofensiva de Trump contra a Unesco é mais um exemplo do alinhamento incondicional dos EUA à política israelense de bloqueio à representação palestina nas instituições multilaterais. Isso reforça o caráter seletivo da doutrina America First, que retira os EUA de fóruns onde há críticas a Israel, mas amplia sua presença em espaços de imposição militar e comercial.
Defesa da soberania internacional e resistência global
Diante do anúncio, Audrey Azoulay declarou que “a decisão dos Estados Unidos é lamentável e contradiz os fundamentos do multilateralismo”, mas reiterou que a Unesco continuará atuando como espaço de consenso e ação concreta.
Ela lembrou que as acusações de Trump não condizem com os avanços recentes da agência, especialmente em áreas como educação para a paz, enfrentamento da desinformação e combate ao racismo.
Organizações da sociedade civil, educadores e diplomatas de vários países manifestaram apoio à continuidade da Unesco e denunciaram a tentativa de Trump de transformar a política externa dos EUA em uma plataforma ideológica reacionária.
“É a terceira vez que os EUA abandonam a Unesco. Mas também é a terceira vez que o mundo reafirma que a cultura, o conhecimento e a solidariedade não podem ser pautados por ameaças e chantagens”, declarou uma nota conjunta de ONGs ligadas à educação internacional.