O duro embate entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e plataformas de redes sociais e autoridades dos Estados Unidos tem dividido a opinião de especialistas em direito internacional entrevistados pelo jornalista Luis Nassif, no programa TV GGN Justiça [assista abaixo] da última sexta.
Se por um lado há quem diga que o STF tem de ter autonomia e está correta em tentar enquadrar as big techs que se recusam a prestar contas ou regulamentar suas atividades no Brasil, por outro, especialistas levantam a preocupação de a corte estar fazendo interpretações para preencher lacunas legislativas deixadas em aberto pelo Congresso.
Da mesma forma, a pauta do limite da liberdade de expressão também tem sido acalorado. Os Estados Unidos têm a tradição de defender a Primeira Emenda acima de tudo, entendendo que todos têm direito a emitir qualquer tipo de opinião, desde que o discurso não passe para a ação física. Já na Europa e América Latina há uma visão de que a liberdade de expressão não pode ferir direitos subjetivos.
Conduzido pelo jornalista Luis Nassif, o programa TVGGN Justiça ouviu a análise do advogado e especialista em direito internacional José Antônio Miguel Neto, que acredita que o ministro Alexandre de Moraes não tem poderes para obrigar o X ou a rede social Rumble a terem representação legal no Brasil. Ele não vê ameaça à soberania nacional na atuação das big techs.
Também participou do programa o professor de Relações Internacionais da Uniarnaldo Centro Universitário, Vladimir Feijó. Especialista em direito internacional, Feijó avaliou que as plataformas de redes sociais surfam na nova geopolítica dos Estados Unidos, com o segundo governo de Donald Trump retomado a política do “big stick”.
O professor de Direito e juiz federal Eduardo Appio também compõe o quadro de convidados, abordando a questão da soberania nacional, da influência das redes sociais na política e da atuação do Supremo Tribunal Federal no Brasil. Para ele, o STF deve ter a autonomia para responder às ameaças à democracia.
Vladimir: Trump retoma a política do “big stick”
Professor de Relações Internacionais, Vladimir Feijó argumentou que a política americana está se tornando cada vez mais imperialista, com a segunda gestão de Trump assumindo abertamente o papel de império. Ele criticou a mudança de foco dos Estados Unidos, que deixou de defender a ordem baseada no estado de direito para defender uma ordem baseada em normas, o que significa que os Estados Unidos ditam as regras para o mundo. Trump voltou à política do “Big Stick”, usando a força militar e econômica para impor sua vontade.
“Até a gestão do Joe Biden, todas as administrações dos Estados Unidos faziam questão de usar o discurso de democracia, de ‘não estamos impondo, estamos negociando’. Trump escancaradamente preferiu voltar à política americana do Big Stick ]grande porrete] e diz: ‘Olha, eu sou a grande potência, eu vou me impor e quem resistir a mim vai tomar pancada’”.

Feijó apontou uma mudança na visão americana, que está se aproximando do mercantilismo e do neofederalismo, com a crença de que “pessoas excepcionais”, como grandes empresários, devem liderar o mundo. Ele mencionou a influência das Big Techs, que se beneficiam da autorregulação e da customização de informações para esconder ou impulsionar notícias que lhes interessam.
“O que se está percebendo é que existe uma reviravolta ideológica dos Estados Unidos, que não é mais o defensor do liberalismo tradicional, algo talvez mais próximo com mercantilismo, e em especial talvez beira uma discussão de neofederalismo, acreditando que pessoas excepcionais deveriam liderar o mundo e essas pessoas excepcionais são no entorno dele [Trump], são os grandes empresários de dois setores, das finanças e do setor das Big Techs.”
Feijó também chamou atenção para a visão de liberdade de expressão nos EUA, em contraponto com a visão de liberdade da América Latina e Europa.
“Os americanos falam muito na ‘liberdade de’, liberdade para fazer alguma coisa, e o estado ficar ausente dessa ingerência. E os europeus e os latino-americanos, pensamos muito em ‘liberdade em face de’, liberdade de não ser violado por outra pessoa, liberdade de não ser violado por poluição e por aí vai. O mundo no pós-segunda guerra teria chegado a um consenso de que os direitos humanos são interdependentes, incluem liberdades civis, sociais e culturais, as liberdades de e as liberdades em face de. Só que agora os Estados Unidos insistem na primeira visão apenas, que é essa visão do século XVIII de estado mínimo, de não intervenção, de que as pessoas têm que ter a liberdade de fazer qualquer coisa.”
“E as big techs vem nesse mesmo sentido, porque é o que as beneficia, elas fazerem a autorregulação e usar dentro outras coisas, essa customização para esconder notícia ou impulsionar notícia ao que melhor interessa elas, inclusive interferindo na política“, diz Vladimir Feijó.
Miguel Neto: STF está agindo fora de suas competências
O advogado José Antônio Miguel Neto avaliou que há certo exagero na resposta do STF à resistência das Big Techs e que não há nenhuma ofensa à soberania nacional nesse imbróglio.
Segundo ele, o Rumble não tem nenhuma representação física no Brasil e não há nenhuma lei que obrigue uma pessoa jurídica ou física que não está no Brasil a ter um procurador no País.
“Nem a lei civil brasileira, nem o Código Civil, nem a lei das SA’s e muito menos o marco civil regulador da internet obrigam quem não está no Brasil de maneira nenhuma ter um procurador no Brasil.”

O advogado especialista em direito internacional apontou que as decisões do STF, atuando nas lacunas da lei, estão criando insegurança jurídica.
Para Miguel Neto, os EUA não estão tentando impor suas leis ao Brasil, mas sim defendendo sua concepção de liberdade de expressão.
“A primeira emenda nos Estados Unidos é a base da democracia americana.”
Em sua decisão polêmica, o ministro Alexandre de Moraes ordenou que o site americano Rumble, sem representação física no Brasil, removesse contas de algumas pessoas investigadas por atos antidemocráticos e ataques às instituições. O Rumble foi à Justiça dos EUA para não cumprir a ordem de Moraes.
Miguel Neto criticou a “falta de competência” do Supremo para dar ordens a entidades estrangeiras e a “falta de base legal” para a intimação do site americano. Ele também defendeu o direito à liberdade de expressão, mesmo que as opiniões sejam divergentes, e argumentou que a polarização nas redes sociais beneficia os políticos.
Eduardo Appio: STF age na defesa da democracia
Professor de direito e juiz federal. Eduardo Appio apontou que o Supremo Tribunal Federal tem ocupado espaços que deveriam ser do Congresso Nacional, como a criação de figuras típicas penais, e que essa “hipertrofia” do Supremo, apesar de ter gerado algumas boas decisões, realmente preocupante.
Ao falar do voluntarismo do STF, Appio lembrou que a corte adquiriu um protagonismo nos últimos anos, abrindo espaço para a Lava Jato e surgimento de figuras como Sergio Moro. Ele também mencionou que o Supremo tem desconstruído o país ao acabar com a legislação trabalhista, tirar direitos e dizer que subsidiárias de empresas estatais não são empresas estatais.
Por outro lado, Appio defendeu que o Supremo deve ter autonomia para julgar ataques à própria instituição, mas que essa autonomia não deve ser usada para criar novas leis ou invadir a competência do Congresso.
“O ministro Alexandre tem sido herói, e é dever cívico de cada cidadão brasileiro apoiar o ministro Alexandre e o Supremo Tribunal Federal nesse momento. Nós estamos sofrendo um ataque.”
A queda da FCPA
Por fim, Vladimir Feijó chamou atenção para a um dos decretos de Trump e o impacto que deve ter tido sobre a relação entre as empresas americanas e o governo americano.
“É bom a gente estar atento também que o Trump jogou fora a lei americana que poderia punir empresários e cidadãos americanos por promover corrupção no exterior [a FCPA]”, diz Vladimir.
“Pode ser que tenha uma ação coordenada do Ministério de Relações Exteriores para pressionar autoridades de outros países, mas a gente também pode ver empresários americanos fazendo o serviço do Trump ou do interesse dele, até para cair nas boas graças dele e interferir ainda mais na soberania do nosso país, tentando uma por uma derrubar as autoridades que tentam promover e ações soberanas.”
