Desde que assumiu a presidência, Donald Trump transformou sua retórica anti-mídia em ações concretas, usando processos judiciais, investigações federais e ameaças de retirada de licenças para silenciar críticas e pressionar veículos de comunicação. Sua estratégia, descrita por especialistas como um “lawfare generalizado” (perseguição judicial), tem como alvo principal organizações de notícias que questionam suas ações ou políticas.
O ataque multifacetado à liberdade de expressão, especialmente à capacidade de jornalistas de questionar o governo Trump, é percebido com um esforço para intimidar a imprensa à submissão.
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Processos, investigações e intimidação
Trump já moveu ações judiciais contra alguns dos maiores nomes da mídia americana. Em março de 2024, processou a ABC News por US$ 15 milhões após o âncora George Stephanopoulos afirmar que o presidente havia sido “considerado responsável por estuprar” a escritora E. Jean Carroll, após a condenação por “abuso sexual”. A rede acabou resolvendo o caso fora dos tribunais, em um acordo que incluiu o pagamento à fundação presidencial de Trump.
Outro alvo foi o programa 60 Minutes, da CBS, acusado por Trump de editar de forma enganosa uma entrevista com a então candidata Kamala Harris. A Comissão Federal de Comunicações (FCC), agora liderada por Brendan Carr, aliado de Trump, abriu investigações sobre a CBS e pressionou a rede a entregar transcrições e vídeos brutos da entrevista. A CBS cedeu, mas a medida foi criticada como uma tentativa de censura e precedente perigoso.
Ameaças às licenças e ao financiamento público
Trump também ameaçou retirar licenças de transmissão de redes como a NBC e a ABC, alegando interferência eleitoral. Embora a FCC não tenha autoridade para revogar licenças sem justificativa técnica, a pressão política criou um clima de medo entre as emissoras.
Além disso, a FCC abriu investigações contra a NPR e a PBS, acusando-as de exibir comerciais, o que violaria suas licenças de radiodifusão pública. Ambas negaram as acusações, mas o financiamento federal dessas organizações está em risco. “Isso é claramente uma tentativa de intimidar a imprensa pública”, criticou Anna Gomez, comissária da FCC nomeada por Biden.
Mudanças no acesso à informação
No Pentágono, o Departamento de Defesa, agora liderado por um ex-apresentador da Fox News, reorganizou o espaço de trabalho da imprensa, substituindo veículos tradicionais por meios de extrema direita, como a One America News Network (OAN). A medida foi vista como uma retaliação à cobertura crítica de Trump.
A medida considerada previsível também é considerada uma oportunidade para os veículos excluídos se concentrarem em reportagens investigativas, em vez de depender do acesso facilitado a informações de bastidores. Já se prevê também obstrução do acesso da imprensa a informações oficiais para fins investigativos.
O clima de medo e a autocensura
A estratégia de Trump não se limita a ações judiciais e administrativas. Seus aliados, como o indicado para diretor do FBI, Kash Patel, ameaçaram publicamente perseguir jornalistas, ao falar em podcasts de extrema direita. Enquanto isso, a Casa Branca anunciou a criação de uma cadeira de mídia para podcasters e criadores de conteúdo, muitos dos quais não seguem os mesmos padrões editoriais da imprensa tradicional.
“Essas medidas criam um clima de medo que pode levar à autocensura”, alerta Katherine Jacobsen, do Comitê para a Proteção dos Jornalistas. “É uma ameaça direta à democracia.”
Um legado de hostilidade
A hostilidade de Trump em relação à imprensa não é nova. Durante seu primeiro mandato, ele rotulou jornalistas de “inimigos do povo” e usou o Departamento de Justiça para investigar vazamentos e apreender registros telefônicos de repórteres do The Washington Post, The New York Times e CNN.
“O governo Obama usou o Espionage Act de forma problemática, mas Trump levou isso a outro nível”, diz Heidi Kitrosser, professora de direito constitucional que se concentra em questões de liberdade de expressão na Northwestern University, em entrevista à Aljazira. “Ele é um presidente vingativo que vê a imprensa como um inimigo pessoal.”
Uma democracia sob ameaça
A ofensiva de Trump contra a imprensa crítica representa uma ameaça sem precedentes à liberdade de expressão nos EUA. Ao usar processos judiciais, investigações federais e mudanças no acesso à informação, o governo busca silenciar vozes dissidentes e controlar a narrativa pública. Enquanto isso, organizações de mídia e defensores da liberdade de imprensa alertam para os riscos de um jornalismo intimidado e autocensurado.