Nova ordem contra a Constituição norte-americana, por Celso de Mello

Uma nova “Executive Order” vem de ser editada por Donald Trump, que parece transgredir, frontalmente, a Primeira Emenda à Constituição dos EUA, que formalmente consagra, entre outras liberdades fundamentais, a separação institucional entre Estado e Igreja (“The Establishment Clause”).

É preciso relembrar que a República americana é laica! Isso significa que os Estados Unidos da América, tal como o Brasil, não podem ter nem revelar preferência, promover perseguição ou envolver-se com qualquer denominação religiosa!

Ao proceder como o fez, demonstrando, em ato oficial, preferência evidente por uma dada confissão religiosa (a cristã), criando um “Escritório da Fé” na Casa Branca (a ser dirigido por uma conhecida televangelista) e organizando força-tarefa coordenada pela procuradora-geral da República, destinada a erradicar preconceito contra cristãos, Donald Trump demonstrou grave ignorância quanto a uma advertência feita há 223 anos por Thomas Jefferson!

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Em discurso proferido na data de ontem (06/02/2025) , no “Annual National Prayer Breakfast” (“Café da Manhã de Oração Nacional e Anual”) , o presidente Trump disse, expressamente, que “We will protect Christians in our schools, in our military, in our government, and in our workplaces” .

Como se sabe (ou como Trump deveria saber) , em carta datada de 1o. de janeiro de 1802 , dirigida à comunidade batista de Danbury, Connecticut , THOMAS JEFFERSON – que, além de político (foi o 3o. Presidente dos Estados Unidos da América) e fiel seguidor das ideias iluministas , era , também , um homem profundamente religioso – ENFATIZOU a necessidade de se erigir , com apoio na Primeira Emenda à Constituição americana, “a wall of separation” , “um muro de separação”, entre Igreja e Estado .

Ao expor a razão de ser dessa medida , que foi adotada pelos “Founding Fathers” (“Pais Fundadores” da jovem República americana) quando da promulgação do “Bill of Rights” (“Declaração de Direitos”) , THOMAS JEFFERSON assim justificou os três objetivos fundamentais visados pela separação entre o domínio secular ou temporal (no qual atua o Estado) e a esfera espiritual ou religiosa (que se exaure no plano do foro íntimo de cada pessoa) : (1) IMPOR neutralidade axiológica ao Estado em matéria confessional , para, desse modo, com fundamento no dogma constitucional da laicidade estatal , assegurar a todos os cidadãos da República , inclusive àqueles que compõem grupos minoritários , a plena fruição da liberdade religiosa, que compreende tanto o direito de professar quanto o direito de não professar determinada crença religiosa , (2) PROTEGER a liberdade religiosa das pessoas em geral , impedindo que o Estado, ao indevidamente manifestar preferência em favor de certo grupo confessional, venha a perseguir, inibir , constranger ou embaraçar o exercício daqueles que professem outra fé religiosa e (3) FRUSTRAR qualquer tentativa de controle do aparelho de Estado por grupos religiosos, notadamente por grupos fundamentalistas, obstando, desse modo, a ilegítima apropriação religiosa do Estado e de suas instituições , inviabilizando , assim , o surgimento de Estados confessionais ou, o que é pior, a formação de Estados com perfil teocrático !

Celso de Mello, Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal , biênio 1997-1999

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Last Update: 07/02/2025