Trump conta com o arcabouço

por Gilberto Maringoni

Estamos entrando em nova etapa da reação brasileira à ofensiva tarifária desfechada por Donald Trump contra as exportações. Passada a fase inicial da exaltação nacionalista – na qual o governo Lula se articulou com o empresariado, excluindo o povo – os efeitos da elevação em 50% das taxas começam a se fazer sentir, antes mesmo de 1º. de agosto, data estipulada para sua entrada em vigor.

COMO QUASE TUDO, o comércio internacional é totalmente financeirizado. Exportadores fecham negócio com clientes e o sistema bancário antecipa pagamentos, com deságio. Produtos contratados para embarque nos próximos meses já foram pagos ao vendedor, via sistema bancário. A antecipação de receitas envolve a emissão de títulos e comercialização de dívidas, o que na prática transforma a produção em ativos financeiros. Assim, uma quebra nas exportações acarreta prejuízos em cadeia também ao mercado especulativo.

COM O TARIFAÇO, a maior parte dos embarques será cancelada e o agro, em especial, ficará com uma dívida no colo. O setor de suco de laranja – que exporta 80% da produção para os EUA – enfrenta situação dramática, entre outros. Vários empreendimentos poderão quebrar.

O EMPRESARIADO AGRÍCOLA, segundo reportagem da CNN, já reage, demandando socorro estatal e recuo do governo diante de Washington. O poder de pressão de toda a cadeia exportadora frente ao Estado é imenso. É uma situação para lá de difícil.

CASO NÃO DEFINA UMA ESTRATÉGIA CLARA, o Planalto corre o risco de ser emparedado pela realidade, apesar do jogo de pressões ser perceptível desde 2 de abril, quando o Itamaraty escreveu às autoridades estadunidenses propondo negociações.

QUE INICIATIVAS LULA poderia tomar diante da encalacrada? A primeira delas seria manter o enfrentamento e seguir o caminho trilhado por Getúlio Vargas há 95 anos. O Brasil tinha então uma economia muito mais frágil e encarava conjuntura internacional pior, fruto da crise de 1929. O presidente que acabara de chegar ao palácio do Catete no bojo da Revolução de 30 decidiu manter e ampliar o subsídio aos produtores de café, comprando estoques na baixa das exportações.

COM ISSO, A MANUTENÇÃO DA RENTABILIDADE do principal setor da economia evitou a quebra do país e a perda de investimentos e empregos. Uma política de viés elitista se mostrou decisiva para que o Brasil fosse o primeiro país do mundo a superar a hecatombe da Grande Depressão. O processo é examinado em detalhes por Celso Furtado em “Formação econômica do Brasil” (1958). Hoje em dia, melhor seria o governo conceder subsídio e crédito barato aos setores afetados – com contrapartidas claras, entre elas a manutenção de empregos – e buscar direcionar pelo menos a produção alimentícia ao mercado interno. Um exemplo seria tornar suco de laranja obrigatório na merenda escolar.

A SEGUNDA SERIA CONVOCAR SINDICATOS e entidades populares para mobilizações públicas em defesa da economia brasileira. O nacionalismo sempre encontra eco vigoroso nas camadas populares.

MAS NENHUMA INICIATIVA ANTICÍCLICA é possível com a vigência do arcabouço fiscal, que criminaliza o gasto público. Um exemplo recente se deu a partir da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, ano passado. Houve alguma verba para ações emergenciais para poucos setores. Projeto estratégico e liberações orçamentárias de vulto para a reestruturação da economia regional não existiram. O estado segue tão vulnerável quanto antes e a sorte é que as chuvas deste ano, até aqui, foram mais brandas.

O VIOLENTO AJUSTE FISCAL promovido pelo arcabouço impede a defesa da economia, dos investimentos e do emprego, diante da ofensiva imperial. Há algumas soluções emergenciais e parciais à vista: a solicitação de créditos extraordinários, a retirada dos subsídios às exportaões do arcabouço, ou a concessão de créditos via bancos públicos.

Mas a restrição essencial segue de pé. O arcabouço bloqueia a formulação de qualquer plano ou projeto expansionista, que não seja manter a rentabilidade da especulação financeira, concentradora de renda em qualquer situação. O arcabouço é uma bomba relógio contra o Brasil. Trump conta com o mecanismo formulado pelo Ministério da Fazenda em favor da Faria Lima. É a frente ampla do gol contra.

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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Last Update: 21/07/2025