Trump brinca de Vai e Vem e Xi fecha os braços

por Maria Luiza Falcão Silva

O Vai e Vem é um brinquedo clássico conhecido pela criançada no mundo inteiro! É formado por uma bola oval, onde passam dois fios. Você dá um nó nas extremidades de cada fio. Duas crianças participam dessa brincadeira, cada uma fica de um lado, segurando uma ponta do fio em cada mão. Conforme elas abrem e fecham os braços, a bola desliza pelo fio de um lado para o outro. Cada jogador abre e fecha os braços para empurrar a bola para o outro jogador, que deve fazer o mesmo movimento para “devolver” a bola. Trump abriu os braços e a bola foi. Xi devolveu a bola abrindo seus braços, mas cansou rápido. Resolveu permanecer com os braços fechados – “game over”. Trump resolve suavizar o discurso e tenta uma conciliação. Tenta trazer Xi de volta para o joguinho de sua guerrinha comercial, mas não está fácil trazer a China de volta.

 A China mantém uma postura firme, disposta a suportar dificuldades econômicas para pressionar os Estados Unidos (EUA) e segue com uma estratégia mais de longo prazo.

Xi Jinping, busca unir a população e as empresas em torno da ideia de que esta é uma luta crucial, promovendo menos dependência dos EUA e priorizando o desenvolvimento tecnológico e o consumo interno. A resposta chinesa inclui a redução de importações de produtos americanos e a interrupção de embarques para os Estados Unidos, além de um trabalho diplomático para fortalecer alianças com outras nações.

Tenta não entrar na pegadinha de negociar país a país para reverter o tarifaço. Fortalece suas relações diplomáticas, especialmente com nações do Sudeste Asiático e com a União Europeia. A China também alertou outros países sobre possíveis consequências de acordos que afetem seus interesses numa tentativa de “fechar o cerco”.

Depois de alertar publicamente os países sobre fechar acordos com Trump que prejudicam os interesses chineses, Pequim instruiu os fabricantes sul-coreanos a não exportarem para os EUA produtos que contenham metais de terras raras de origem chinesa.

As exportações chinesas de algumas matérias-primas usadas para fabricar produtos como baterias, motores de caça e dispositivos caíram drasticamente em março, de acordo com dados da alfândega chinesa. Isso foi antes de Pequim responder às tarifas do “Dia da Libertação” de Trump restringindo as exportações de minerais de terras raras adicionais, onde a China domina o mercado global. Ficar completamente isolado do fornecimento chinês desses minerais pode ser extremamente prejudicial ao desiderato de Trump de impulsionar a indústria americana.

Embora a economia chinesa se encontre em um momento de desaceleração e enfrentando uma crise imobiliária, a China demonstra sinais de resistência e capacidade de manobra econômica, com um crescimento anual melhor do que o esperado. A taxa de crescimento projetada de 5,4% para o ano, deu força às declarações de Pequim de ser capaz de resistir à pressão dos EUA.

Os formuladores chineses de políticas econômicas, sob o comando do Partido Comunista Chinês (PCCh),  prometeram gastos governamentais adicionais, se necessário, e recrutaram grandes plataformas de compras online para impulsionar a demanda interna e ajudar os fabricantes a encontrar compradores locais para produtos que eles não podem vender para os EUA.

Com mídia e redes sociais monitoradas pelo Estado é mais fácil difundir sentimentos de patriotismo e raiva em relação aos Estados Unidos e de apoio à resistência firme de Pequim contra as tarifas de Trump. O poderoso Politburo do PCCh prometeu aumentar os fundos de desemprego para empresas fortemente afetadas por tarifas e tomar medidas para estabilizar o emprego e a economia o mais cedo e efetivamente possível. Agora é “China First”.

Xi está apostando que pode sobreviver a Trump ao mobilizar a nação com uma mistura de fervor patriótico, demanda interna fortalecida e apoio estatal às principais indústrias.

Apesar de todas essas medidas o impacto das tarifas é significativo nas relações comerciais e na indústria. A aeronáutica, em particular, onde a China mostra disposição para comprometer entregas de jatos da Boeing, sinalizando sua resistência e determinação em responder à pressão americana, é grave. A Boeing depende de fornecedores chineses para algumas partes das aeronaves, assim como a China depende da Boeing para jatos comerciais. Essa interdependência cria uma dinâmica complexa. A guerra comercial e tarifária impactou de forma significativa essa cadeia de suprimentos específicamente.

A China já vinha procurando alternativas para reduzir sua dependência dos norte-americanos investindo em suas próprias capacidades de fabricação de aeronaves, com a estatal Commercial Aircraft Corporation of China (COMAC) tentando competir com a Boeing e a Airbus. No entanto, a COMAC ainda depende de componentes e tecnologia dos EUA. Não é algo que possa ser feito de imediato.  Houve devolução pela China, depois do tarifação de três dígitos, de duas aeronaves da Boeing e mais uma já foi rejeitada. Estima-se que cerca de 50 aeronaves da Boeing estavam encomendadas pelos chineses para esse ano.

A dinâmica das relações entre China e EUA na indústria de aviação reflete tendências mais amplas do comércio global, em que a nacionalização e a busca por autossuficiência estão se tornando mais comuns devido a tensões comerciais e geopolíticas.

A China parece pronta para resistir e suportar dificuldades econômicas a longo prazo. Se a economia dos EUA sofrer mais impactos devido às tarifas, especialmente em setores sensíveis, pode crescer a pressão doméstica sobre Trump. O índice de aprovação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está em queda. Já caiu 14% nos três primeiros meses de seu segundo mandato.

A resposta de outras nações, especialmente em relação a como elas se alinham com os EUA ou com a China, pode influenciar a dinâmica da guerra comercial. Formar alianças ou blocos econômicos pode alterar a situação.

A China está reforçando parcerias com vários blocos de países, como a União Europeia, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) e o grupo BRICS, para aumentar sua influência global e o comércio. Fortaleceu suas relações com a Rússia, quando esteve ao seu lado no momento do embargo e demais sanções decorrentes da guerra na Ucrânia. Encontra-se numa posição inédita ao se aproximar do Japão e da Coreia do Sul visando uma resposta conjunta ao tarifaço de Trump. O Fórum de Cooperação China-África (FOCA), plataforma estabelecida pela China e países africanos para consulta e diálogo coletivos e como um mecanismo de cooperação entre países em desenvolvimento completa quase 25 anos e congrega a Comissão da União Africana. O Fórum China-CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos que reúne 33 países) vem progredindo há cerca de 15 anos. Esses são apenas alguns exemplos. A China, hoje, é líder do Sul Global fortalecendo cada vez mais suas relações com economias emergentes.

Os EUA investem no isolacionismo e protecionismo. Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Parceria Transpacífico (TPP) logo após assumir a presidência em janeiro de 2017. O TPP era um acordo comercial ambicioso que envolvia 12 países da região do Pacífico e tinha como objetivo promover o comércio e reduzir tarifas entre os países membros. A decisão de Trump de sair do TPP já, em 2017, sinalizava uma parte de sua plataforma de “America First“, que enfatiza a renegociação de acordos comerciais para favorecer os interesses americanos e proteger empregos nos Estados Unidos. A saída do TPP foi amplamente interpretada à época como um movimento para reavaliar e reestruturar as relações comerciais dos EUA com a Ásia e outros parceiros do Pacífico.

O presidente Joe Biden, ao suceder Trump, seguiu uma abordagem diferente em relação ao comércio no Pacífico, conhecida como o “Quad“. O “Quad” refere-se ao Diálogo Quadrilateral de Segurança, uma aliança estratégica que envolve quatro países: os Estados Unidos, a Índia, o Japão e a Austrália. Este grupo foi inicialmente formado em 2007 e, após um período de inatividade, foi revitalizado em 2017 no primeiro mandato de Trump, especialmente em resposta às crescentes tensões na região do Indo-Pacífico devido à influência da China. Biden, como Trump, elegeu a China como seu maior inimigo.

A postura geral dos EUA sob Biden foi mais alinhada com a ideia de fortalecer parcerias no Indo-Pacífico e atuar em uma estratégia com o foco em negociações bilaterais e multilateralismo com interesses em questões comerciais e de cadeia de suprimentos, ao invés de reintegrar os EUA ao TPP.

Trump já iniciou seu segundo governo imperial desrespeitando a zona de livre comércio conhecida como Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA). Criou, também, rusgas com a União Europeia no contexto da guerra com a Ucrânia.

Há sinais de que, sem estardalhaço, algumas transações estão se realizando sem tarifas no comércio da China com os EUA. A China isentou discretamente de tarifas alguns semicondutores fabricados nos Estados Unidos, em uma tentativa de proteger suas principais empresas de tecnologia por conta do confronto comercial com o presidente Donald Trump. Vazou também que taxas sobre pelo menos oito classificações de microchips fabricados nos EUA foram reduzidas a zero, em vez da tarifa retaliatória de 125% que Pequim impôs a todos os outros produtos dos EUA, informou a Caijing, uma agência de mídia financeira chinesa, nesta sexta-feira (25 de abril). Pragmatismo por debaixo do pano!!!!

Questionado sobre as recentes isenções um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China afirmou não ter conhecimento do assunto. E o ministro das Relações Exteriores da China foi mais categórico dizendo, na quinta-feira (24 de abril), que não havia negociações com o governo Trump sobre comércio, reiterando que Pequim não negociará sob pressão dos EUA.

Portanto difícil confirmar se o jogo do Vai e Vem continuará a ser jogado. Em momentos como esse, vem à tona a famosa citação de Zygmunt Bauman: “A única coisa que podemos ter certeza é a incerteza”.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 25/04/2025