
Ao abrir esta crônica, preciso deixar algo muito claro. Poucos personagens da história recente conseguiram converter o ridículo em método com tamanha eficácia quanto Donald Trump. Seu governo não representou um desvio de rota: foi a encarnação crua da engrenagem imperial estadunidense, sem maquiagem nem meias-palavras. Onde antes havia verniz diplomático, ele expôs a grosseria. Onde havia cálculo, ostentou impulsos. Trump não rompeu o sistema; ele o revelou.
A justiça ianque falhou e não o prendeu. O Trump rancoroso do segundo mandato foi apenas a versão intensificada do primeiro. Fascista é assim: quando não está pendurado de cabeça para baixo, amplia o espalhamento do mal que o sufoca internamente.
Como se ainda estivesse em cena como animador de O Aprendiz, aprofundou seu estilo confrontador com uma ofensiva de tarifas protecionistas brutais contra México, China e Brasil, somada a ameaças delirantes de anexar a Groenlândia, o Canadá e até o Canal do Panamá. Invocou a Lei Magnitsky como pretexto para sancionar desafetos. Promoveu abertamente a apologia à desinformação, desmontando iniciativas de checagem de fatos e legitimando teorias conspiratórias nas redes sociais. Trump é um blefador — não um blefador qualquer, convém destacar. Ao contrário do jogador de pôquer que desafia o destino, ele desafia a lógica. Não por genialidade, mas porque, atrás dele, há uma cadeira giratória no Salão Oval, porta-aviões à disposição e um país com PIB de US$ 27 trilhões, além de mais ogivas nucleares do que juízo. Ninguém blefa como Trump, justamente porque ninguém blefa com tanto poder. E, com tanto poder, apenas um fraco se esconde atrás do blefe. É isso que Trump é: fraco.
Irresponsavelmente, como palhaço de circo, Trump balança, de tempos em tempos, a corda sobre a qual o mundo inteiro, instavelmente, se equilibra. A cada abalo, enriquece seus amigos e empobrece milhões de pessoas mundo afora.
Desde o primeiro mandato, cientistas políticos buscam decifrar o modus operandi do fascista alaranjado. Muitos deles, aliás, concordam que, consciente ou não, ele adota a chamada “Teoria do Louco”. Trata-se de uma estratégia de negociação coercitiva em que o líder simula irracionalidade ou imprevisibilidade para provocar temor nos adversários e, assim, forçá-los a fazer concessões sem necessidade de cumprir ameaças extremas. A lógica é simples: se o oponente acredita que está diante de um maluco — alguém disposto a apertar o botão vermelho —, tende a recuar.
Embora o nome sugira instabilidade mental (e, no caso de Trump, isso é literal), a teoria exige cálculo e racionalidade. E é aí que tudo beira o absurdo: Trump aplica a Teoria do Louco não por dominá-la, mas por acidente cênico. Como observa o cientista político James Boyce, apenas líderes com discernimento lógico são capazes de utilizá-la com eficácia. No caso de Trump, trata-se de um tropeço performático.
A Teoria do Louco — teatro meticulosamente encenado por Nixon para assustar o Vietnã e hipnotizar eleitores — renasceu sob Trump, agora pixelada, histérica e turbinada por algoritmos. Há, porém, uma diferença gritante: Nixon tinha Kissinger; Trump, por sua vez, tem o Truth Social. Enquanto Nixon lançava aviões secretos em silêncio sobre a URSS, Trump thruta insanidades em CAPS LOCK. Nixon cochichava ameaças a portas fechadas, enquanto Trump urra as suas no alto-falante do planeta. O primeiro fingia loucura. O segundo a personifica.

Como Trump é um caso peculiar de “desinformação privilegiada”, tudo o que diz, por vício da mídia, adquire ares de informação relevante, como se ostentasse atestado de veracidade; em nome da transparência, as redações prestam, involuntariamente, o maior serviço de RP ao homem mais antijornalístico da história recente. Quando Trump escreve que “a OTAN nos rouba como nunca antes!”, o que se espera de um correspondente em Bruxelas? Um fact-check ou um jornaleiro?
Pior ainda são os algoritmos. O século XXI descobriu um engenhoso meio de amplificar o blefe: plataformas que confundem insanidade com engajamento e ameaças nucleares com “conteúdo relevante”. O Trump que lança mísseis verbais pelo Truth Social é promovido, con mucho gusto, por empresas que juram combater o extremismo, ao mesmo tempo que analisam, em seus laboratórios, quais surtos rendem mais cliques.
Mas há antídoto. Chama-se racionalidade. É com o velho “não bater palma pra maluco dançar” que se desmonta a teoria.
Sim, é ela quem segura os fios da realidade enquanto o louco dança. Quando Trump tentou sabotar o acordo nuclear com o Irã, Teerã respondeu com o silêncio estratégico de quem joga xadrez persa, e não boliche no Twitter. Quando ameaçou pulverizar a Coreia do Norte, Kim Jong-un respondeu com imprevisibilidade coreografada: sorrisos fotogênicos em cúpulas inúteis. O blefe, para funcionar, exige que o outro lado acredite. E o mundo aprendeu: Trump ladra, mas não morde. É um leão desdentado, um urso sem garras, um poodle — chato e agressivo como todo poodle —, porém com a penugem tingida de alaranjado. Daí o já clássico acrônimo TACO (Trump Always Chickens Out), que, em português espigoense, equivale a algo como “Trump sempre arregla”.
A grande ironia é que, ao tentar parecer imprevisível, Trump tornou-se previsível: um script de surtos cuidadosamente roteirizados. E o mundo, ao perceber o padrão, já não se assusta. O blefe perde valor. E aí resta ao louco uma única saída: cumprir a ameaça. No caso, ele sempre chicken outa.
Portanto, quando Trump subir novamente ao palco, munido de uma conta no Truth Social, um botão nuclear e um ego ferido, a pergunta deixará de ser “ele está fingindo ser louco?” e passará a ser: “será que ele terá coragem de provar que é?”. Porque o blefe só dura enquanto ninguém pede as cartas.
E, nisso, estamos tranquilos: Lula foi criado em rodas de truco.