A Casa Branca elevou nesta terça-feira (19) o tom imperialista contra a Venezuela ao afirmar que o presidente Donald Trump está disposto a usar ‘toda a força’ para derrubar Nicolás Maduro, acusado sem provas de chefiar um cartel de drogas.
O anúncio foi feito em Washington pela secretária de Imprensa, Karoline Leavitt, que classificou Maduro como “fugitivo” e “chefe de cartel de drogas”.
Caracas rebateu as declarações, acusando os Estados Unidos de difamação e ‘desespero’. Em discurso, Maduro afirmou que “nenhum império tocará o solo sagrado da Venezuela’ e que ‘fuzis e mísseis estarão nas mãos da classe operária para defender a pátria”.
“Maduro não é um presidente legítimo. Ele é um fugitivo e chefe de um cartel narcoterrorista acusado nos EUA de tráfico de drogas. Trump está preparado para usar toda a força americana para deter o tráfico de drogas”, disse Leavitt, a jornalistas, na Casa Branca.
O termo em inglês usado por Leavitt, “power”, pode ser traduzido como “força” ou “poder”.
Caracas reagiu chamando as acusações de difamações sem provas e sinal de “desespero” de Washington. O chanceler Yván Gil afirmou que “acusar a Venezuela de narcotráfico revela a falta de credibilidade e o fracasso das políticas dos EUA na região” e classificou o aumento da recompensa pela captura de Maduro como “uma operação de propaganda ridícula e uma piada”.
O próprio presidente venezuelano também ironizou a ofensiva, dizendo que a ameaça vinda dos Estados Unidos é “extravagante e bizarra, de um império em declínio”.
Num discurso transmitido pela TV estatal, Maduro insistiu para que camponeses e trabalhadores estejam preparados para a defesa nacional. Declarou que o país está mobilizado para vigiar mares, céus e terras, prometendo que a América do Sul não será submetida a qualquer tipo de invasão.
“Fuzis e mísseis para a classe operária, para que defenda a nossa pátria”, disse. “Defendemos nossos mares, nossos céus e nossas terras. Nós os libertamos. Nós os vigiamos e os patrulhamos”, completou o presidente venezuelano.
A mobilização é parte de uma estrutura criada por Hugo Chávez em 2005 e formalizada em 2010. A força popular foi incorporada como quinto componente da Força Armada Nacional Bolivariana e inclui civis, reservistas e militares aposentados.
O ministério da Defesa estima que entre 95 mil e 150 mil combatentes estejam em serviço ativo, apoiados por centenas de milhares de voluntários organizados em brigadas urbanas e rurais.
A escalada norte-americana
O embate ocorre em paralelo ao aumento da recompensa oferecida pelos EUA para capturar Maduro. O governo Trump fixou em agosto o valor recorde de US$ 50 milhões, o dobro da cifra anunciada em janeiro por Joe Biden e muito acima dos US$ 15 milhões definidos em 2020.
A quantia supera o montante destinado ao líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, após os atentados de 2001.
A procuradora-geral Pam Bondi classificou Maduro como “um dos maiores narcotraficantes do mundo” e apontou o Cartel dos Sóis como ameaça à segurança dos EUA. Em fevereiro, Trump já havia designado o Cartel de Sinaloa, no México, e o Tren de Aragua, da Venezuela, como organizações terroristas estrangeiras, categoria até então reservada a grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.
O New York Times revelou que no início de agosto o presidente assinou em sigilo uma ordem executiva que autoriza o Pentágono a realizar operações militares diretas contra cartéis da região.
A medida foi interpretada como o passo mais agressivo de sua gestão no campo antidrogas, pois abre espaço para ataques em território estrangeiro.
Na segunda-feira (18), a Reuters noticiou que três destróieres equipados com mísseis guiados Aegis — USS Gravely, USS Jason Dunham e USS Sampson — seriam deslocados para a costa venezuelana.
Outras agências apontaram que a operação incluiria mais de 4 mil fuzileiros navais, um submarino nuclear, aviões de reconhecimento P-8 Poseidon, o porta-helicópteros USS Iwo Jima, os navios anfíbios USS Fort Lauderdale e USS San Antonio e um cruzador de mísseis guiados.
Embora fontes militares tenham classificado o deslocamento como demonstração de força, analistas lembram que a ordem executiva permite ataques efetivos.
O Pentágono, no entanto, jamais confirmou oficialmente o envio, o que levanta suspeitas de que se trata de uma operação psicológica destinada a ampliar a pressão.
O objetivo seria intimidar Caracas, condicionar suas decisões e provocar governos vizinhos a se pronunciarem, criando um clima de hostilidade. O quadro, segundo analistas, mistura intimidação, provocação calculada e capacidade real de ataque.
Parte da escalada também é atribuída ao secretário de Estado e assessor de Segurança Nacional interino, Marco Rubio, que concentrou funções após a saída de Mike Waltz da cúpula de segurança em maio.
Comparado a Henry Kissinger nos anos 1970, Rubio passou a controlar tanto a diplomacia quanto a orientação militar e de inteligência, convertendo o “combate às drogas” em eixo da política externa dos EUA para a América Latina.
Analistas apontam que a estratégia serve ainda para reforçar sua base eleitoral na Flórida, onde enfrenta críticas de que “não faz nada para derrubar Maduro”, e para projetar sua liderança dentro do Partido Republicano de olho em uma possível candidatura presidencial em 2028.
Reação diplomática e quadrantes de paz
A chancelaria venezuelana respondeu com dureza às declarações imperialistas. O ministro Yván Gil afirmou que as acusações de narcotráfico “revelam a falta de credibilidade e o fracasso” das políticas norte-americanas.
Segundo Gil, “essas ameaças não apenas afetam a Venezuela, mas também colocam em risco a paz e a estabilidade de toda a região, incluindo a Zona de Paz declarada pela Celac”.
O chanceler ressaltou ainda que desde a expulsão da DEA, em 2005, o país obteve “capturas bem-sucedidas, desmantelamento de redes e controle efetivo de fronteiras e costas”.
“Enquanto Washington ameaça, a Venezuela avança em paz e soberania, demonstrando que a verdadeira eficácia contra o crime se alcança respeitando a independência dos povos”, disse Gil.
“Cada declaração agressiva confirma a incapacidade do imperialismo de subjugar um povo livre e soberano. O povo de Bolívar e Chávez seguirá vencendo qualquer tentativa de intervenção. A Venezuela é um farol de dignidade, resistência e segurança para a América Latina e o mundo.”
Outra voz importante do chavismo a reagir foi Diosdado Cabello, ministro do Interior, Justiça e Paz e considerado o número dois de Caracas.
Ele afirmou que a Marinha venezuelana está posicionada na costa para defender a soberania nacional. Também rejeitou a acusação dos EUA sobre o chamado Cartel dos Sóis, classificando-o como uma “invenção” de Washington. Segundo ele, “o único cartel de drogas que atua às claras no mundo é a DEA”.
Nesta terça-feira, Maduro participou em Caracas do relançamento de 299 novos quadrantes de paz na comuna Antonio José de Sucre, no bairro El Guarataro.
Os quadrantes integram o chamado Plano das 7 Transformações, eixo estratégico lançado por Maduro para reorganizar o Estado e consolidar o que o governo chama de “poder popular”.
São áreas delimitadas de segurança cidadã e organização comunitária, que funcionam em articulação com a polícia, as Forças Armadas, as comunas e os conselhos populares.
Diferem da Milícia Bolivariana, mas fazem parte da mesma lógica de defesa integral: enquanto a milícia é um componente militarizado da FANB, os quadrantes atuam no território urbano e comunal, reforçando a vigilância, a denúncia de crimes e a mobilização popular diante de ameaças externas e internas.
O presidente venezuelano afirmou que o sistema, que já soma 5.336 unidades no país, transforma a Venezuela em uma pátria inexpugnável. Disse ainda que o país terá uma paz perpétua e que a organização popular é garantia de resistência.
Durante a cerimônia, condecorou 27 oficiais com a Ordem pela Paz, reconhecimento criado para celebrar ações de defesa da segurança nacional. Segundo o governo, os quadrantes reforçam a vigilância em Caracas e em outros centros urbanos, além de articular respostas rápidas contra ameaças externas.
Outras tensões recentes
Além da escalada militar, Caracas denunciou que 66 crianças venezuelanas permanecem nos EUA após terem sido separadas dos pais em processos de deportação. A presidente do programa Retorno à Pátria, Camila Fabri, classificou o caso como “política cruel e desumana” e pediu que as crianças sejam devolvidas.
O governo também suspendeu por 30 dias o uso civil de aeronaves e drones, medida prorrogável, como parte das ações para reforçar a segurança aérea.
Autoridades venezuelanas evocaram ainda a Zona de Paz da Celac, mecanismo regional ameaçado pela postura de Washington, para defender que a América Latina deve preservar sua soberania e manter-se livre de intervenções externas.