O governo dos Estados Unidos abriu nesta terça (15) uma investigação contra o Brasil que inclui, entre suas alegações, a acusação de que o Pix — sistema gratuito de pagamentos usado por milhões de brasileiros — representa uma prática comercial desleal por parte do Estado.
A medida foi determinada diretamente por Donald Trump, que já havia anunciado um tarifaço de 50% sobre as exportações brasileiras como represália ao processo que o ex-preisdente Jair Bolsonaro responde no STF por tentativa de golpe.
Agora, a ofensiva se estende para além dos impostos e atinge inclusive políticas públicas populares como o Pix, além de áreas como comércio digital, propriedade intelectual, etanol e meio ambiente.
A nova frente de ataque foi oficializada pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 — o mesmo instrumento usado por Trump para justificar a guerra tarifária contra a China em 2018.
Em comunicado, o representante Jamieson Greer afirmou que a medida responde aos “ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas e outras práticas comerciais injustas”.
Na prática, a medida abre caminho para novas sanções comerciais — como cotas, tarifas adicionais e restrições regulatórias — que poderão ser impostas unilateralmente pelos EUA.
O processo está fundamentado em um relatório que apresenta acusações sem provas contra diversas políticas brasileiras, inclusive citando a rua 25 de Março, o desmatamento e a concessão de patentes, além do uso de acordos bilaterais com Índia e México.
Entre os pontos mais contestados está a crítica ao Banco Central por desenvolver e popularizar o Pix, tido pelo relatório como um obstáculo ao avanço de empresas privadas dos EUA no setor de pagamentos eletrônicos.
O episódio é tratado como evidência de que Trump está disposto a retaliar até mesmo conquistas populares e acessíveis da sociedade brasileira.
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Pix, STF e censura: acusações atingem soberania nacional
A inclusão do Pix como “prática desleal” foi uma das menções que mais chamaram atenção no documento. O sistema gratuito, criado pelo Banco Central para ampliar a inclusão financeira, é acusado de restringir a atuação de plataformas privadas como o WhatsApp Pay, da norte-americana Meta.
A crítica se baseia no fato de que o lançamento do serviço da Meta foi suspenso temporariamente em 2020 por decisão do BC e do Cade.
O relatório também critica decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que responsabilizam redes sociais por conteúdo ilegal — especialmente os relacionados a discursos golpistas.
Para o governo norte-americano, essas decisões configuram “ordens secretas” que ameaçam a liberdade de expressão e colocam em risco empresas estadunidenses.
Há ainda uma insinuação de que executivos de empresas americanas teriam sido ameaçados de prisão no Brasil, sem que o relatório apresente provas ou nomes. A crítica ignora que tais decisões foram tomadas em processos judiciais legítimos e públicos, ligados à contenção de ataques à democracia.
O tom do relatório reflete a crescente politização da política comercial dos EUA sob Trump, com acusações que beiram a ingerência em decisões internas do sistema judiciário brasileiro.
Retaliação se estende a etanol, comércio popular e acordos
Outro ponto da ofensiva é a crítica aos acordos comerciais firmados pelo Brasil com países como México e Índia, que teriam gerado “tarifas preferenciais injustas” contra os produtos norte-americanos.
A prática, no entanto, é autorizada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e adotada por diversos países em suas estratégias bilaterais.
O setor de etanol também entrou na mira. O relatório alega que o Brasil impôs tarifas de até 18% ao produto norte-americano, o que teria causado uma queda drástica nas exportações dos EUA — de US$ 761 milhões em 2018 para US$ 53 milhões em 2023. O dado, porém, ignora a variação cambial, fatores de mercado e o fato de que o Brasil já havia zerado essas tarifas anteriormente.
Surpreendentemente, a tradicional Rua 25 de Março, em São Paulo, também é citada como exemplo de falha no combate à pirataria. O USTR afirma que o local continua sendo um centro de comércio de produtos falsificados, sem que o Brasil tenha imposto sanções suficientemente dissuasivas — mesmo reconhecendo operações e apreensões realizadas pelas autoridades brasileiras.
A inclusão da 25 de Março no relatório expõe o grau de detalhamento — e de seletividade — da ofensiva americana, que busca criminalizar práticas populares de comércio e promover uma narrativa de descontrole estatal no Brasil.
Tentativa de coerção política coloca caso na esfera diplomática
A ofensiva liderada por Trump também tem motivação política explícita. Em declarações anteriores, o presidente norte-americano associou a retaliação comercial à “perseguição” contra Jair Bolsonaro, seu aliado pessoal, sugerindo que o Brasil estaria violando princípios democráticos ao levar o ex-presidente à Justiça. O objetivo, segundo analistas, é pressionar as instituições brasileiras e fragilizar o governo de Lula.
O uso da Seção 301 em contextos politizados já havia sido criticado durante a guerra comercial contra a China, mas a aplicação contra o Brasil é considerada ainda mais frágil. O relatório carece de fundamentação técnica robusta e traz argumentos jurídicos genéricos, o que abre espaço para contestação em fóruns internacionais.
O governo brasileiro, por sua vez, já indicou que poderá reagir com base na Lei da Reciprocidade aprovada pelo Congresso, adotando medidas proporcionais contra os EUA. Também há expectativa de que o Itamaraty acione a OMC e outros mecanismos multilaterais diante do que é visto como tentativa de coerção comercial e diplomática.