“De fato, o que é o amor senão aceitar permanecer numa absoluta vulnerabilidade, numa radical posição de fraqueza diante do outro?” – José Tolentino Mendonça

Apenas condenar as políticas de Trump não basta. É necessário entender por que foi eleito.

Os Estados Unidos da América são um país economicamente falido: devem mais de 100% do PIB. Ou seja, caso fossem uma empresa, estariam quebrados.

O mesmo vale para a maioria dos países da União Europeia e o Japão, devedores de mais de 100% do que produzem.

Uma hora a conta chegaria.

Trump acaba de anunciar o fechamento da agência de cooperação internacional USAID. Na justificativa, alegou o volume da dívida pública estadunidense.

A agência financiou, no passado, mais de um golpe de Estado, inclusive no Brasil, em 1964.

Por meio dela, dois institutos fake, o IPES e o IBAD, receberam financiamento dos EUA para espalhar mentiras e atemorizar a população com o fantasma do comunismo, que viria pelas mãos do latifundiário João Goulart…

Seriam para rir, se não fossem para chorar os 21 anos de terror e atraso que o golpe de 64 engendrou e que o filme de Walter Salles Ainda estou aqui bem retrata nas telas.

Um parêntese: Lula não quis que se recordassem os 60 anos do golpe em primeiro de abril de 2024. No entanto, rendeu-se às evidências e cumprimentou Fernanda Torres por ter sido agraciada com o Globo de Ouro, interpretando Eunice Paiva naquela película.

Gramsci teria sorrido: mais uma vez a cultura não apenas é o centro da política, mas também a liderança e a vanguarda.

Que ironia, pensar que o final daquela agência, golpista, veio pelas mãos da extrema-direita…

Em meio ao caos da política externa trumpista, são muitas as situações irônicas: o quanto os países do Sul apanhamos nos organismos especializados da Organização das Nações Unidas dos países do Norte — que o mínimo com que nos brindavam era com desprezo, ouvidos moucos e grossuras sem fim.

Nenhum deles admitia, porém, que eram economias quebradas, crescentemente descapitalizadas, na medida em que o Sul se rebelava contra o colonialismo, sobre o qual haviam construído sua prosperidade.

Então, formavam bloco coeso, ao qual se agregavam Canadá, Austrália e Nova Zelândia, cabendo-lhes fazer o serviçinho sujo para os virtuais patrões (EUA, Europa Ocidental — leia-se França, Reino Unido e Alemanha — e Japão).

Como irão reagir agora à ameaça de Trump de tomar a Groenlândia da Dinamarca?

Como irão evitar a guerra comercial com que ele ameaça a UE?

Sempre se soube (embora a extrema-direita não aceite) que a Terra é redonda – e gira. Mas, com que velocidade!

Pior, o ódio da extrema-direita pela História cega-os às evidências: o Ocidente não teria vencido Hitler sem que ele tivesse aberto a frente oriental contra a União Soviética, em que pereceram 30 milhões de russos, na defesa da democracia.

A propósito, a Rússia, que libertou os prisioneiros do campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia, não foi excluída na semana passada das comemorações da libertação daquele gulag?

Por esse caminho de repetição, segue Trump, abrindo continuamente frentes de atrito, claramente incapaz de medir forças em relação aos adversários, inclusive os mais próximos, como a parábola do Novo Testamento prescrevia ao rei que não quisesse ser derrotado.

Nesse emaranhado de contradições de um capitalismo em sua fase mais perversa, a da acumulação extrema, em benefício de uma dúzia de bilionários e em detrimento das imensas maiorias, vemos instituições vetustas como as monarquias ruírem ante o tsunami da extrema-direita.

Alguns exemplos: como estão reagindo os monarcas da Dinamarca e do Reino Unido às ameaças de Trump de tomar a Groenlândia e o Canadá? Vale lembrar que Charles é o chefe de Estado do Canadá.

A Comunidade Britânica o que disse ou dirá, quando um membro é ameaçado de invasão?

Quem acabou com a Área de Livre Comércio da América do Norte foi…a extrema-direita. Que nível de contradição!

Entretanto, há muito o que chorar do estádio pretoriano, militarista em que se baseiam, único sustento dessas “democracias”, que aos pés da deusa Atenas, da guerra, sacrificam suas melhores vidas.

Assim foi que se viu um helicóptero militar colidir com avião de passageiros em Washington, a pouca distância da própria Casa Branca, matando 64 passageiros e tripulantes da aeronave comercial e três militares do referido helicóptero, no qual se faziam exercícios com óculos de combate noturno que provavelmente impediram a visão lateral do piloto, levando à colisão fatal.

De Atenas, colheram o belicismo, não a sabedoria, o cuidado, a prevenção de desastres.

Na São Paulo da extrema-direita “moderada” (para a mídia local), trens descarrilam com a chuva e não se consegue viajar 55 quilômetros na região metropolitana.

Pior, a empresa de ônibus que detém o monopólio virtual da ligação de Jundiaí com a capital espaça as partidas a cada…meia hora, com veículos lotados e sistema de emissão de passagens que com a chuva…deixa de funcionar.

Mas o desgovernador irá aos EUA para receber prêmio por ter vendido a empresa pública de água e saneamento para empresa privada que fechou os laboratórios regionais de análise da água, ofertando aos paulistas e visitantes coliformes fecais e viroses a não terminar…

Só nos resta augurar que a ignorância e o proverbial atraso da extrema-direita brasileira possa, ao menos, ilustrar-se com o exemplo da estrada sem saída a que aquela ideologia sempre conduz, em toda e qualquer latitude e longitude.

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Last Update: 04/02/2025