“Trabalhe duro e faça acontecer.” “Seja seu próprio chefe.” “Pare de reclamar e comece a faturar.” Esse é o mantra oficial da religião do empreendedorismo, recitado com fervor por coaches de palco, youtubers da positividade tóxica e até por campanhas institucionais de governos. Refrões que prometem liberdade, riqueza e realização, mas, como acontece com toda ideologia de sustentação do capitalismo, chega a hora em que a realidade aparece. E os franqueados da Cacau Show estão descobrindo, trufa por trufa, que o sabor do sucesso pode ser mais amargo do que se esperava.

O império do chocolate e os servos da vitrine dourada

A Cacau Show é hoje uma das maiores redes de franquias do Brasil — símbolo de “sucesso empresarial nacional” e case favorito dos apaixonados pelo mito do self-made man. O script é conhecido: um jovem visionário, um bombom artesanal e uma bilionária trajetória. Mas, por trás das vitrines sofisticadas cheias de trufas e embalagens douradas, funciona uma engrenagem de exploração disfarçada de oportunidade, que esmaga quem se aventura a embarcar nesse “negócio dos sonhos”.

Os relatos que vêm à tona revelam o que a publicidade omite: franqueados exaustos e afundados em dívidas, com jornadas de trabalho insanas e lucros que evaporam com boletos de cobrança. Um deles desabafa num fórum online: “Você basicamente vai viver para a loja. Vai perder fins de semana, feriados, com lucro que mal cobre as contas. Se um funcionário falta, é você que cobre. Se o chocolate derrete, é você que paga.”

É o empreendedorismo da servidão, onde o “dono” trabalha mais que qualquer funcionário CLT, sem férias, sem 13º e com o constante peso da falência batendo à porta. Apenas com a doce ilusão de que está no controle.

Mulheres: as mais exploradas do “empreendedorismo de necessidade”

A situação dos franqueados da Cacau Show é só a cobertura. Abaixo, há um sistema inteiro alimentado por microempresários que, na verdade, operam como trabalhadores disfarçados de patrões — MEIs sem segurança, autônomos sem autonomia, empreendedores à beira da falência. Tudo sob o guarda-chuva ideológico do “faça você mesmo”, que transforma fracasso sistêmico em culpa individual.

E não é um mero acaso que a propaganda do “seja sua própria chefe” mire, com força, nas mulheres. Sobretudo nas mulheres pobres, mães solo, negras. O discurso do empreendedorismo virou maquiagem perfeita para esconder a precariedade embalada como empoderamento.

Só que na prática, são elas que mais quebram. Assumem riscos sem rede de apoio, crédito ou tempo, muitas vezes empurradas para o “próprio negócio” por pura sobrevivência. Em 2024, 61% das mulheres empreendedoras estavam na informalidade. A maioria não ganha mais que dois mil reais por mês. Vendem pelo WhatsApp, batem de porta em porta, disputam centavos em mercados saturados. Sem previdência. Sem licença-maternidade. Sem direitos. É o feminismo versão coach: você não precisa de proteção social, só de “mentalidade vencedora”.

Nenhum coach virá te salvar

A franqueadora não vende um negócio. Vende uma esperança. E esperança, no capitalismo, é mercadoria com alto valor agregado, pago com suor, dívidas, esgotamento e o colapso psicológico de quem percebe, tarde demais, que nunca foi dono de nada, era só peça numa máquina. E, quando tudo der errado (e costuma dar), o prejuízo é só seu. A empresa lava as mãos e te agradece pela tentativa.

Nessa hora nenhum coach virá te salvar. Nenhum e-book vai te tirar da precariedade. Nenhum influenciador pagará suas contas com um story motivacional. Não existe saída individual para uma armadilha coletiva. A única saída pra isso é a organização: para lutar por empregos para todas e todos com salário digno e direitos, serviços públicos de qualidade e uma sociedade que tenha a vida – e não o lucro – como centro.

A promessa do empreendedorismo parece doce, mas é uma armadilha revestida de glacê. Os franqueados da Cacau Show aprenderam isso com juros, correção monetária e crises de ansiedade. Porque no capitalismo, o “próprio negócio” é, na maioria das vezes, só uma farsa bem montada. E como todo sonho embalado pelo mercado, termina quando você acorda. De cara com a realidade brutal da exploração.

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Last Update: 05/06/2025