Há 85 anos, Leon Trotsky foi assassinado, no México, por um agente da política secreta soviética, sob as ordens de Stalin. Assim, o ditador soviético tinha liquidado a última grande liderança da direção bolchevique, que havia dirigido a Revolução Russa, em outubro de 1917.
O assassinato de Trotsky, em 20 de agosto de 1940, não foi um evento isolado ou fortuito. Ele constituía um passo articulado no projeto de Stalin de apagar qualquer vínculo entre os antigos dirigentes da Revolução de Outubro e as novas gerações.
Trotsky consagrou-se como um dos principais líderes da Revolução Russa e organizador do Exército Vermelho. O papel de Trotsky à cabeça do Comitê Militar Revolucionário, que planificou a insurreição, é agudamente refletido pelo jornalista John Reed, autor do famoso livro-reportagem “Os dez dias que abalaram o mundo”. Já o desempenho de Trotsky na organização e liderança do Exército foi fundamental para a vitória dos bolcheviques, numa dura e sangrenta Guerra Civil.
Sua atuação, porém, não se limitou a esse papel. Ele foi o pioneiro em alertar sobre a crescente burocratização do partido e do Estado, um processo que ameaçava as conquistas revolucionárias. Diante disso, assumiu a liderança da Oposição de Esquerda para enfrentar a deriva contrarrevolucionária comandada por Stalin.
Mas, como tudo pôde acontecer? Quais eventos históricos representaram um desafio para o desenvolvimento da Revolução Russa? É o que o veremos a seguir.

Trotsky em meio à guerra civil
Os primeiros anos da Revolução
Nos primeiros anos da Revolução Russa, houve um enorme desenvolvimento das atividades sociais, o que impulsionou um movimento criativo que se espalhou por toda a sociedade, abrangendo muitos campos da vida social.
Nas Artes, por exemplo, pensava-se na fusão da própria arte com o cotidiano. Na Pedagogia soviética, haviam esforços para compreender o desenvolvimento intelectual e o processo de aprendizado das crianças. Juristas imaginavam a própria superação do Direito. E, na Arquitetura e no Urbanismo, buscavam superar a divisão entre a cidade e o campo.
Também houve avanços significativos em relação aos direitos das mulheres, como o direito a legalização do aborto e a igualdade salarial, além de licença-maternidade e acesso à rede de saúde. Algo inexistente em qualquer outro país na época. O mesmo podendo ser dito em relação às pessoas LGBTI+, já que o Estado Soviético foi o primeiro do mundo a descriminalizar a homossexualidade.
Em todas essas áreas, havia várias escolas de pensamento, com autores cultivando profundas divergências entre eles, mas com total liberdade para elaborar, debater e publicar. Recuperar a história dos primeiros anos da Revolução Russa é destacar que ela mobilizou enormes forças sociais em todos os campos da atividade humana.
Enquanto isso, Lênin, o principal dirigente da revolução, tinha a expectativa de reduzir a jornada diária de trabalho, o que não se consolidou pelas dificuldades conjunturais que veremos mais adiante.
Seu objetivo era educar as massas em um país com 90% de analfabetos, elevando sua cultura para que essa pudessem assumir as tarefas políticas e se ocupar administração do Estado sob a forma dos Sovietes (os conselhos de operários e camponeses), com a mais ampla democracia operária.
O fenômeno da burocratização
Entretanto, logo depois da tomada do poder, os bolcheviques se depararam com a enorme reação do imperialismo, que, impiedosamente, procurou esmagar a República dos Sovietes. Para isso, se apoiaram na contrarrevolução interna, formada por monarquistas e a burguesia que organizou o Exército Branco.
Neste momento, coube a Trotsky reconstruir um exército, sobre os escombros do exército czarista, destruído pela revolução. Nele, a passividade e submissão aos oficiais czaristas deram lugar à audácia e ao desenvolvimento da técnica, elementos cruciais para a vitória na Guerra Civil (1918-1921).
Mas o custo foi alto. O melhor da vanguarda operária da revolução havia sucumbido. As fábricas e meios de transporte estavam destruídos e o país retrocedeu economicamente. Às consequências devastadoras da Guerra Civil, soma-se, ainda, o fato de que a jovem República Soviética amargou um profundo isolamento internacional.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma onda revolucionária varreu a Europa e o exemplo mais notável de tal processo ocorreu na Alemanha. Mas, a Revolução Alemã, de 1918-1919, fracassou, apesar do heroísmo dos seus dirigentes, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que foram assassinados.
A onda de guerras e ocupações de fábricas na Itália (1921) também foi derrotada e, em 1924, o processo culminou na vitória do fascista Mussolini. A República dos Sovietes da Hungria (1919) sobreviveu apenas quatro meses. Esse foi o preço pela a ausência e fragilidade de partidos revolucionários sólidos e experimentados, à altura para tomar o poder e defender uma revolução.
Diante desse cenário de colapso pós-Guerra Civil, o governo soviético viu-se obrigado a recorrer a funcionários e técnicos do antigo regime czarista. Assim, começou a surgir uma camada cada vez maior de funcionários oportunistas, muitos deles ex-czaristas reciclados, e um setor de comerciantes intermediários, que se beneficiava com os problemas econômicos.
Foi a combinação desses fatores que deu origem a uma nova camada social privilegiada: a burocracia estatal. Stalin, até então um dirigente de pouca expressão, emergiu como a principal figura à frente dessa nova casta de funcionários e burocratas do Estado soviético.
A destruição da democracia operária soviética
Neste processo, Stalin criou a ideologia do “socialismo em um só país”, usada para assegurar os privilégios dos burocratas. Também introduziu a política das Frentes Populares, que justificava alianças com setores burgueses.
Em suma, temiam que uma revolução internacional pudesse reativar os ânimos das massas soviéticas e, assim, ameaçar o seu poder e seus privilégios. E, assim, foram desmontando conquista após conquista, fazendo com que todos aspectos da vida retrocedessem enormemente.
Nada disso foi feito sem oposição. No período final de sua vida, Lênin se preparava para combater abertamente Stalin e as tendências que ele representava. O registro dessa batalha está impresso em sua “Carta-Testamento”, chamando por sua remoção do cargo de secretário-geral do partido. Com a morte de Lênin, a luta contra a burocratização foi encabeçada por Trotsky e pela Oposição de Esquerda.
A Oposição de Esquerda e a luta pelos soviets e pela revolução permanente
Trotsky e a Oposição defendiam que o grande problema enfrentado pela URSS estava no desenvolvimento da revolução mundial, sendo necessário tirar a URSS do seu isolamento e dar aos trabalhadores soviéticos uma força revolucionária renovada.
Nesse sentido, a Oposição defendia mais do que um novo programa para a recuperação da indústria soviética: defendia restaurar a democracia operária e a influência dos conselhos de trabalhadores, os Sovietes, na tomada de decisões políticas do país, em oposição à crescente centralização burocrática do poder nas mãos de Stalin.
Para a Oposição, era vital o retorno da plena democracia no partido e na Internacional Comunista, para que ocorresse um debate aberto sobre as alternativas para a URSS e que isto provocasse a regeneração do partido e da Internacional, permitindo encontrar uma linha correta para a revolução Internacional.
Nas décadas que se seguiram, o Estado, havia se transformado em um aparato burocrático e repressivo, que impedia qualquer tipo de democracia. Isso só foi possível porque Stalin implementou uma sangrenta contrarrevolução, assassinando ou prendendo milhares de dirigentes, quadros e militantes bolcheviques.
Mas havia outro caminho…
Nada estava predestinado a acontecer. O stalinismo não foi uma consequência lógica do bolchevismo, como defendem os ideólogos liberais e conservadores. Tampouco o stalinismo foi uma necessidade histórica para o “desenvolvimento da URSS”, como afirmam (de forma envergonhada ou não) certos “influencers” neostalisnistas, que enchem a boca pra enaltecer os supostos “feitos históricos” de Stalin.
Essa visão é tosca e obtusa. Geralmente, é acompanhada pela velha cantilena de que o confronto Trotsky-Stalin foi um pouco mais do que uma tempestade em um copo d’água, já superado pela História.
É preciso fazer um alerta: por trás dessa verborragia em busca de alguns “likes”, oculta-se uma falsa concepção de socialismo, estranha ao marxismo, pois despreza completamente a democracia operária e, consequentemente, a capacidade da classe operária e demais classes oprimidas em governar. Isto é, em constituir aquilo que Karl Marx chamou de “sociedade de produtores associados”.
O stalinismo foi uma contrarrevolução burocrática, produto da complexa situação histórica descrita acima, e que servia aos interesses de uma casta de burocratas, ávidos em manter seus privilégios.
Mas, havia uma outra alternativa, um outro caminho, para o desenvolvimento da revolução, onde reflorescesse a democracia operária nos Sovietes e brotasse, novamente, a criatividade em todos os campos da sociedade, a partir do livre debate de ideias e na exportação da revolução mundial, com a criação de novas repúblicas socialistas mundo afora.
Essas novas nações seriam sustentadas por um proletariado mais desenvolvido e culturalmente mais avançado do que o russo. Ao mesmo tempo, essa expansão traria de volta para a União Soviética uma força revolucionária renovada. Esse foi o programa da Oposição de Esquerda. E essa foi obsessão de Trotsky depois de sua expulsão da URSS.
Ao mesmo tempo em que defendia intransigentemente as conquistas sociais da Revolução de Outubro, obtidas sob a base da socialização dos meios de produção, Trotsky sustentou que elas só poderiam ser resguardadas caso a burocracia stalinista fosse varrida do poder, com uma revolução política, que restaurasse a democracia dos sovietes, mantendo a propriedade social.
Do contrário, Trotsky dizia, a própria revolução estaria ameaçada, ou sob uma restauração capitalista vinda de uma agressão imperialista externa – tal como Hitler tentou em 1939 – ou sob as mãos da própria burocracia, como o líder da Oposição de Esquerda previu e, de fato, aconteceu, entre os anos 1980-90.
Portanto, para todos os que defendem um socialismo genuíno, lastreado na democracia operária e no controle político e econômico efetivo pelos trabalhadores (e não por uma casta burocrática), o legado e as lições de Trotsky permanecem mais vitais do que nunca.
Para estes, o grito de alerta e de esperança segue ecoando através do tempo: Trotsky Vive!
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