Alizée Delpierre, autora de Servir a los ricos. Foto: Reprodução

Em “Servir a los ricos: Les domestiques chez les grandes fortunes (2025)”, a socióloga francesa Alizée Delpierre expõe os mecanismos ocultos da servidão moderna nas residências dos bilionários. Após anos de pesquisa — incluindo trabalho infiltrada como babá e governanta em mansões de Paris, na Riviera Francesa e até na China —, a pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França revela hierarquias perversas, “exploração dourada” e codependência emocional nesse universo. Em entrevista à BBC News, Delpierre analisa como raça, gênero e colonialismo estruturam essas relações, descreve o controle milimétrico sobre corpos e rotinas, e explica por que a dominação doméstica permanece inalterada desde a aristocracia. A seguir, os principais trechos.

(…) No livro, você descreve a relação entre patrões e empregados como uma “exploração dourada”. A que você se refere com isso?

“Exploração dourada” é um oximoro [união de palavras de sentido apostos] que me ajuda a explicar que os empregados estão em uma situação de exploração porque trabalham de forma ilimitada, mas, ao mesmo tempo em que trabalham muito, também ganham muito.

Eu mesma vi como, apesar de eu ser uma empregada apenas meio período, os patrões me pediam para trabalhar muito mais do que havíamos combinado.

Então, os empregados que trabalham todos os dias nas casas dos ricos, que dormem lá — porque essa é uma condição para trabalhar para os ricos —, trabalham o dia inteiro e também à noite.

Por exemplo, as mulheres que cuidam das crianças quase não dormem. Elas precisam dormir nas camas ou nos quartos das crianças, então não dormem bem à noite. E durante o dia têm que cozinhar para as crianças, sair com elas, etc.

É um tipo de exploração, porque não têm tempo para fazer outra coisa além de trabalhar.

Há, então, uma proximidade inegável, mas no livro você também descreve que há uma certa distância. Como os ricos marcam essa distância com seus empregados?

De muitas maneiras.

Uma delas é espacial. Nas casas dos ricos, os empregados não podem circular por todas as áreas. Não podem usar a piscina, não podem ir para as partes da casa onde os ricos se reúnem com seus amigos. Não têm liberdade de circulação.

Nas casas maiores que vi, há corredores diferentes para os empregados e para os patrões, para que os patrões não vejam os empregados o tempo todo.

Outra forma de os patrões imporem distância é mudando os nomes dos empregados. Se o seu nome é Juan, podem te chamar de Joseph, por exemplo.

Ilustração de empregada doméstica sentada com aspirador de pó. Foto: Getty Images

E há uma racialização nessa mudança de nome. Quando os empregados são estrangeiros — o que é o caso de muitos atualmente — os patrões trocam seus nomes por um nome francês. Isso é uma violência simbólica, como diria Pierre Bourdieu.

Há patrões que sempre colocam o mesmo nome para todos os seus empregados. Por exemplo, a babá se chama sempre Maria. Se chega uma nova babá, também será chamada Maria.

É uma maneira de demonstrar a superioridade do rico sobre as outras pessoas, que são despersonalizadas.

A parte “dourada” é que ganham muito: 3 mil, 4 mil, 5 mil, até 12 mil euros [entre R$ 19 mil e R$ 76 mil – o salário mínimo mensal na França é de 1,8 mil euros, ou R$ 11,4 mil].

Se compararmos esses empregados com o restante da população que trabalha, eles fazem parte dos ricos.

Também recebem muitos presentes muito caros: celular, roupas, comida, etc.

Fiquei muito surpresa nas casas dos ricos ao ver que os presentes para os empregados podiam ser roupas da Chanel, uma bolsa de uma marca que eu nem conhecia porque é só para os ultrarricos, etc.

É uma relação ambivalente.

É evidente que, nesse tipo de trabalho, o profissional se mistura com o pessoal. Que efeito isso tem? Como você descreveria essa relação emocional entre ricos e empregados?

Quando você mora com uma pessoa — seja quem for —, inevitavelmente acaba criando uma relação que não é apenas de trabalho.

Há emoções, afeto, até amor: amor pelos patrões, amor pelas crianças dos patrões. É uma relação quase familiar.

Dizer que os empregados “fazem parte da família” não pode ser entendido apenas como uma retórica hipócrita. As emoções são reais.

E, justamente por isso — porque são considerados parte da família — os patrões se sentem no direito de pedir mais do que pediriam a qualquer outro tipo de trabalhador.

A sociologia que estuda as relações dentro da família já mostrou que é justamente nesse espaço que surgem formas muito marcadas de dominação e até de violência.

Isso acontece porque não há ninguém de fora observando o que se passa na intimidade do lar.

Como os empregados são tratados como parte da família, os ricos se sentem à vontade para usá-los como quiserem. Mas, ao mesmo tempo, também se preocupam com eles — com a saúde deles e de seus familiares, por exemplo.

Encontrei muitos empregados que viviam nas casas dos patrões com seus próprios filhos, e os ricos pagavam a escola, a comida, o médico etc.

É uma relação ambivalente. (…)

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 10/06/2025