A posse de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais do Palácio do Planalto, na segunda-feira 10, tem tudo a ver com três eleições presidenciais: aquelas do chefe da nação brasileira em 2022 e 2026 e a de comandante da nação petista em 2025. Na noite de 6 de março, uma quinta-feira, Lula tinha ido ao apartamento da deputada em Brasília, onde estavam alguns dirigentes do partido. A parlamentar deixaria no dia seguinte o leme do PT, nas suas mãos desde 2017, para entrar no governo. Era preciso escolher quem tocaria o barco até 6 de julho, data da eleição interna. Lula foi, no entanto, surpreendido. Ouviu queixas contra Edinho Silva, um de seus porta-vozes na campanha de 2022. “Não sabia que havia tanta resistência”, disse o presidente, conforme relatos do encontro que definiu a escolha do senador por Pernambuco Humberto Costa, um dos vice-presidentes da sigla, para o posto de Gleisi.
Edinho é o candidato de Lula para ser o novo timoneiro petista. Ex-ministro de Dilma Rousseff e ex-prefeito de Araraquara, no interior paulista, tem ido com frequência ao Planalto para conversar com o presidente. Numa de suas passagens, neste ano, um colaborador lulista encontrou-o na antessala presidencial e comentou: “Você deveria vir para o governo”. “Isso aí é com o seu chefe”, brincou Edinho. “O Lula quer oxigenar o partido, quer alguém que não esteja preso à burocracia interna. Também quer alguém que não tenha as marcas e as cicatrizes da Lava Jato, o Edinho não tem essas marcas”, diz um senador do PT. O próximo presidente do partido será uma peça-chave para a campanha à reeleição. O ocupante do posto é naturalmente alguém encarregado de negociar alianças e apoios.
“A política exige coragem na disputa e grandeza na mediação”, afirmou a nova ministra
Dois nomes são citados nos bastidores como supostos perdedores com a “oxigenação”: Jilmar Tatto, deputado por São Paulo e atual secretário de Comunicação da legenda, e a mineira Gleide Andrade, secretária de Finanças. O financiamento público de campanhas adotado no Brasil desde a eleição de 2018 deu grande poder aos tesoureiros partidários. Dos 4,9 bilhões de reais de fundo em 2022, o PT ficou com 499 milhões, a segunda maior fatia (a primeira foi do União Brasil, com 776 milhões). O fundo tinha quantia igual nas disputas municipais de 2024, e o PT de novo recebeu o segundo maior montante, 619 milhões. O mais contemplado foi o PL de Jair Bolsonaro, com 776 milhões.
Nos bastidores, Edinho tem dito que, com ele, Gleide não fica. O cargo de dirigente máximo é o único para o qual haverá eleição. Os demais postos serão divididos por acordo entre as correntes internas. A eleição será pelo voto direto dos filiados, a primeira desde 2013. O partido tem cerca de 2,6 milhões de integrantes, dos quais cerca de 340 mil ingressaram a partir de outubro. O deputado paulista Rui Falcão, antecessor de Gleisi à frente do PT, aposta que haverá pedidos de impugnação de filiações, ou seja, um pente-fino. Sinal, mais um, da alta temperatura da disputa. “Nosso partido deve rechaçar os apelos à despolarização, palavra da moda que significa levar-nos a uma transição efetiva para o centro, com um forte rebaixamento ideológico, programático e organizacional”, escreveu Falcão na quarta-feira 12 em carta aos filiados. O trecho é uma crítica velada a Edinho. Em novembro, o ex-ministro, em uma entrevista à revista Veja, respondeu desta forma à pergunta se a “polarização” política não era do interesse do PT: “Se apostou, errou. Só conseguimos eleger o Lula quando furamos a bolha e conquistamos parte do eleitorado do Bolsonaro. A questão é que, depois da eleição, não avançamos aí”. “Despolarizar” é uma ideia martelada pelos adeptos da “terceira via” e pela mídia em geral. Pressupõe que nenhum “polo” serve, e o PT é um deles, o representante da esquerda no tabuleiro. Para ser justo, é preciso reconhecer: na entrevista, encarada no PT como uma espécie de lançamento precoce da candidatura interna, Edinho declarou: “O PT jamais vai fazer o giro para o centro”.
Para Gleisi Hoffmann, ir para o “centro” decretaria a “morte” do PT. Na reunião em 6 de março, um dos que falaram mal de Edinho foi o prefeito de Maricá, no Rio de Janeiro. Segundo Washington Quaquá, um dos vice-presidentes do PT, o colega não tem o melhor perfil para presidir a legenda. Não seria “popular”. Curioso. Ambos são sociólogos e governaram duas vezes cidades de portes parecidos: Araraquara tem 250 mil habitantes e Maricá, 200 mil. Há uma diferença digna de destaque. Em 2024, Quaquá voltou a eleger-se, para um terceiro mandato não consecutivo, enquanto Edinho não conseguiu fazer da enfermeira Eliana Honain sua sucessora.

Apoio. José Dirceu chegou a ser cogitado, mas está fechado com Edinho Silva – Imagem: Redes Sociais/Edinho Silva
Coube a Quaquá, político que acha que o PT hoje defende mais posições de ONGs e pautas identitárias do que propostas pró-trabalhadores, fazer um gesto que tornaria pública a reunião na residência de Gleisi Hoffmann. Publicou no Instagram, em 7 de março, uma foto ao lado de Lula feita no apartamento. Da foto para a publicação de uma notícia sobre os bastidores do encontro não passaram 24 horas. “O presidente Lula vai pra reunião pra que a gente possa construir unidade e ela é vazada como instrumento de luta interna (…) Estou muito indignado”, disse Edinho, em 9 de março, durante evento público.
O ex-ministro tem o apoio não só de Lula, mas de nomes influentes do PT paulista, entre eles Emídio de Souza, amigo do presidente e ex-prefeito da cidade de Osasco, João Paulo Cunha, ex-comandante da Câmara dos Deputados, e Alexandre Padilha, substituído por Gleisi na Secretaria de Relações Institucionais da Presidência e agora ministro da Saúde. Outro apoiador é José Dirceu, reabilitado pela Justiça e disposto a concorrer a deputado por São Paulo em 2026. Dirceu comemorou na terça-feira 11, em Brasília, o aniversário de 79 anos, a mesma idade de Lula, que fará 80 em outubro. Na reunião na casa da agora ministra, um dos presentes citou-o, diante da indagação de Lula: se não for o Edinho, quem poderia ser presidente do PT? Resposta de Lula, segundo relatos: Dirceu tem de se concentrar na campanha a deputado.
Edinho foi à festa de Dirceu. Gleisi Hoffmann, não. A ministra tinha um jantar naquela noite com líderes do dito “Centrão” e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba. O “Centrão”, definição imprópria para aquela massa partidária que adora cargos em governo (qualquer um) e propostas direitistas, cobiçava a Secretaria de Relações Institucionais. Seria uma forma de “capturar” o Palácio do Planalto. Lula só faria a vontade dessa turma se fosse ingênuo. Ficaria refém de grupos que flertam com alternativas para a eleição presidencial do próximo ano.
Para a presidência do PT, Lula banca o ex-prefeito Edinho Silva, mas há fortes resistências internas
Gleisi foi nomeada para chefe da articulação política do governo, diz um colaborador presidencial, por ser da confiança de Lula, ter experiência em gestão e ser uma peça capaz de sacudir a militância petista em 2026, o ano da reeleição. Foi chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff de 2011 a 2014, foi senadora de 2010 a 2018, é deputada desde 2019. Assumiu a presidência do PT em 2017 num dos momentos mais conturbados da história do partido. No ano anterior, Dilma tinha sido deposta e o PT amargava um baque nas eleições municipais. Naquele mesmo ano, Lula seria condenado na Operação Lava Jato, acabaria preso em 2018. A deputada comandou o Lula Livre e a construção da candidatura de Fernando Haddad em 2018 em aliança com o PCdoB. A partir de 2019, início do governo Bolsonaro, promoveu a unidade do campo progressista na oposição ao capitão, movimento que mais tarde desaguaria na candidatura de Lula em 2022 em aliança com PSB, PDT, PCdoB, PSOL e Rede. “A Gleisi chega com muita força política ao cargo, o Padilha era fraco, porque o Arthur Lira não falava com ele”, diz um deputado governista conterrâneo da ministra. “A Gleisi é uma negociadora, os dirigentes partidários reconhecem isso nela”, afirma um senador do PT. Que teoriza: a ministra não precisa provar nada a Lula, que sabe quem ela é, o que pensa e que tem posições críticas sobre certas decisões do governo, em especial na área econômica. O parlamentar diz mais: “Gleisi não entrou no governo para ser puxa-saco”, vai dizer o que pensa mesmo que contrarie as inclinações do presidente. “O presidente precisa de sangue novo no governo”, completa o senador, que antevê embates da nova ministra com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, a quem o Congresso faz muitos reparos.
No discurso de posse como ministra, Gleisi emitiu alguns recados para tentar desarmar desconfianças sobre o que será sua atuação, em razão de suas posturas ao longo do governo Lula. Ela já criticou duramente o fisiologismo do Congresso e o peso das “emendas parlamentares”. Daí ter dito ao ser empossada: “A política exige coragem na disputa e grandeza na mediação”. Só não haverá “mediação” com a extrema-direita e o bolsonarismo, com esses é confronto, daí ela ter citado, elogiosamente, o juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Transição. O senador Humberto Costa vai presidir o PT até as eleições do meio do ano. Pela primeira vez desde 2013, os filiados vão decidir por voto direto – Imagem: Bruno Spada/Agência Câmara
Gleisi também reclamou no passado recente de medidas econômicas impopulares e pró-mercado do ministro da Fazenda. Pela mesma razão, fez acenos ao colega: “Estarei aqui, ministro Haddad, para ajudar na consolidação das pautas econômicas deste governo, as pautas que você conduz e que estão colocando novamente o Brasil na rota do crescimento, com emprego e renda”. Ela mencionou em específico a proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais. É uma promessa de campanha de Lula. A proposta será enviada em breve ao Congresso. Tem tudo para ser a batalha parlamentar mais importante do ano. Caso aprovada, valerá a partir de 2026, ano da reeleição. “A Gleisi está na articulação política do governo por causa de 2026, simples assim”, observa um colaborador da ministra.
Lula cogitou ainda nomear como ministro o deputado Guilherme Boulos, do PSOL de São Paulo. Comentou com ao menos dois interlocutores, e Gleisi foi um deles. Gosta do psolista, se vê um pouco nele. A campanha de Boulos a prefeito paulistano em 2024 foi a única na qual mergulhou de cabeça. “Não há condições políticas de fazer do Boulos ministro”, comenta um petista experiente. Motivos: levar o deputado e Gleisi ao primeiro escalão ao mesmo tempo seria visto pelo mundo político e pelo “mercado” como uma guinada forte do governo à esquerda. Além disso, Boulos passaria a figurar na lista de herdeiros políticos potenciais de Lula, o que deixaria ouriçados aqueles que, no PT, sonham com o posto. Por fim, seria bagunçar ainda mais o PSOL, cuja bancada parlamentar rachou recentemente entre defensores de apoio firme ao governo e aqueles que desejam manter certa distância do Planalto. Boulos é do primeiro grupo.
A eleição de 2026 começou. •
Publicado na edição n° 1353 de CartaCapital, em 19 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Troca de figurino’