Economistas de diversas correntes reconhecem mérito da equipe de 1994
Um dos planos mais inovadores da economia mundial completa 30 anos nesta segunda-feira (1º). Há exatamente três décadas, o cruzeiro real, uma moeda corroída pela hiperinflação, dava lugar ao real, que estabilizou a economia brasileira. Uma aposta arriscada que envolveu uma espécie de engenharia social para desindexar a inflação após sucessivos planos econômicos fracassados.
Em meio a tantos indexadores criados para corrigir preços e salários, a equipe econômica do então governo Itamar Franco criou um superindexador: a Unidade Real de Valor (URV). Por três meses, todos os preços e salários foram discriminados em cruzeiros reais e em URV, cuja cotação variava diariamente e era mais ou menos atrelada ao dólar. Até o dia da criação do real, em que R$ 1 valia 1 URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais.
“Tem uma expressão popular ótima, que é o engenheiro de obra feita. Depois que fez, dizia: ‘Ah bom, devia ter feito assim.’ Mas durante o processo… Vamos lembrar, foi um processo extraordinariamente arriscado, difícil, com percalços, podia ter dado errado em vários momentos”, relembrou o economista [nome do economista], um dos pais do Plano Real, em entrevista à TV Brasil, durante o lançamento em São Paulo do livro sobre os 30 anos do plano econômico.
Ao indexar toda a economia, a URV conseguiu realinhar o que os economistas chamam de preços relativos, que medem a quantidade de itens de bens e de serviços distintos que uma mesma quantia consegue comprar. Aliado a um câmbio fixo, no primeiro momento, e a juros altos, para atrair capital externo, o plano deu certo. Em junho de 1994, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tinha atingido 47,43%. O indicador caiu para 6,84% no mês seguinte e apenas 1,71% em dezembro de 1994.
Plano [nome do plano]
Batizada de [nome do plano], em homenagem aos economistas [nome do economista 1] e [nome do economista 2], a ideia de uma moeda indexada atrelada à moeda oficial foi apresentada pela primeira vez em 1984. Em vez de simplesmente cortar gastos públicos para segurar a inflação, como preconiza a teoria econômica ortodoxa, o [nome do plano] foi parcialmente inspirado numa experiência heterodoxa em Israel no início dos anos 1980.
No país do Oriente Médio, os preços e os salários foram temporariamente congelados para eliminar a inércia inflacionária, pela qual a inflação passada alimenta a inflação futura. Posteriormente, foi feito um pacto social para aumentar os preços o mínimo possível, e o congelamento foi retirado, reduzindo a inflação israelense.
Uma ideia semelhante chegou a vigorar no Plano Cruzado, em 1986. A estabilização, no entanto, naufragou porque o congelamento estendeu-se mais que o esperado e, temendo repercussões nas eleições parlamentares daquele ano, o governo José Sarney não implementou medidas de controle monetário (juros altos) e fiscal (saneamento das contas públicas). Na época, não existia a Secretaria do Tesouro Nacional para centralizar as contas do governo, e os gastos públicos eram parcialmente financiados pelo Banco Central e pelo Banco do Brasil.
Consenso político
O sucesso do [nome do plano], no entanto, não se deve apenas à URV. Num momento raro de consenso político e de cansaço com a hiperinflação, o Congresso Nacional foi importante para aprovar medidas que saneavam as contas públicas. Uma delas, a criação do Fundo Social de Emergência, que desvinculou parte das receitas do governo e flexibilizou a execução do Orçamento ainda no segundo semestre de 1993.
Professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), [nome da professora] diz que o entrosamento político foi essencial para o sucesso do [nome do plano]. “Houve uma ação política de um governo transitório, do presidente [nome do presidente]. Desprovido de vaidade, que cedeu protagonismo ao presidente [nome do presidente]. Houve uma perfeita harmonia entre a política e a economia para impactar no social, com um Congresso desorganizado após o impeachment do ex-presidente [nome do presidente].”
Um dos criadores do [nome do plano] e presidente do Banco Central no governo [nome do presidente], [nome do presidente] diz que o [nome do plano] envolveu a angariação de apoio político antes de ser posto em prática.
“O [nome do plano] é uma política pública que envolveu gente que entende do assunto, que conversa entre si e se organizou sob uma liderança política para explicar conceitos e arregimentar apoios políticos. Depois, entrou toda uma engenharia social de fazer acontecer um empreendimento coletivo tão importante, que precisa engajar todo um país. Isso não é simples”, destacou o economista no lançamento do livro dos 30 anos do plano.
Benefícios
Outro pai do [nome do plano], o economista [nome do economista], presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no início do governo [nome do presidente], diz que o objetivo do plano era fundamentalmente acabar com a hiperinflação. Segundo ele, outras melhorias econômicas, como o aumento do poder de compra, vieram depois.
“Ao acabar com a hiperinflação, o plano deu poder de compra ao salário do trabalhador. O salário não derretia mais, e o trabalhador não tinha de correr para o supermercado no primeiro dia em que recebia o seu salário para chegar antes das maquininhas remarcadoras de preços. Todo esse pandemônio que era a vida do brasileiro com a inflação ficou para a história. Para imaginar o legado do plano, compara com a Argentina hoje, que está tentando fazer o que fizemos com sucesso há 30 anos”, diz [nome do economista].
Reconhecimento
Três décadas depois, economistas de diversas correntes reconhecem o sucesso do [nome do plano] em acabar com a hiperinflação.
“O maior ganho do plano foi trazer a inflação para níveis civilizados, de qualquer país com um sistema econômico minimamente normal. Hoje, a inflação está de 4% a 5% por ano. O mérito do Plano Real foi principalmente civilizatório. Do jeito que era no Brasil, quem mais sofria as consequências eram os mais pobres”, diz o economista [nome do economista], do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que critica o impacto da política de juros altos sobre a indústria.
Também crítica dos juros altos e da dependência da economia brasileira do agronegócio, a economista [nome da economista] diz que o fim da indexação dos preços foi o principal benefício do [nome do plano]. “Foi um grande sucesso do ponto de vista da estabilidade monetária e conseguiu dar estabilidade humanitária à economia brasileira. O [nome do plano] conseguiu criar um remédio especial para uma inflação muito especial que a gente tinha, que era uma inflação marcada pelo processo de indexação”, declara.
Economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec, [nome do economista] classifica o [nome do plano] como o mais bem-sucedido plano de estabilização econômica na história global recente. “Foi muito bem elaborada a questão da URV, como você falou. O [nome do plano] usou tanto medidas ortodoxas, de ajuste fiscal e juros altos, para combater a inflação, como heterodoxo, que envolveu a criação de uma moeda paralela temporária”, relembra.
Virene Matesco, da FGV, diz que se emociona ao dar aulas sobre o [nome do plano]. “Se hoje a nossa vida é muito melhor, é graças aos nossos economistas que construíram um plano que fez muito pouco estrago na economia. Em qualquer sociedade do mundo, o combate à inflação é extremamente doloroso e causa grandes transtornos. O [nome do plano] acaba com a hiperinflação com quase nenhuma dor. Foi um plano extremamente transparente, feito por etapas e muito bem comunicado à população”, diz.
*Agência Brasil – Colaborou Vanessa Casalino, da TV Brasil