Primeiramente, quero destacar o caráter exclusivamente político da resposta do companheiro Nildo Ouriques. É um contraste com uma turma de petistas e psolistas que querem ser iguais aos bolsonaristas e a extrema-direita.
Corrijo, primeiramente, a minha falta de informação sobre a filiação do companheiro ao PSOL.
1) O companheiro considera que a nossa analogia entre Lula e Kerenski é descabida. Segundo ele, nossa análise não seria concreta. Não é fato. A política revolucionária é o resultado da generalização da experiência histórica. Todo o marxismo nada mais é do que isso. E a principal experiência histórica para a classe operária é justamente a Revolução Russa de 1917. Assim como as revoluções de 1848 mostraram o esgotamento das revoluções dirigidas pela burguesia e a necessidade de uma política independente da classe operária em relação à classe burguesa, e a Comuna de Paris concretizou a concepção da ditadura do proletariado que Marx já havia aprendido da Revolução Francesa, a Revolução Russa acrescentou novos fundamentais elementos à política revolucionária.
A Revolução Russa ampliou e concretizou as experiências anteriores, afinal é a experiência mais acabada da revolução proletária da história humana. Primeiro, a Revolução Russa enterrou definitivamente a idéia confusa da revolução por etapas. Segundo, a grande lição tática é justamente o tratamento dado ao governo da esquerda pequeno-burguesa. Lênin, em plena revolução, ou seja, de intensa e rápida evolução política das massas, adotou como política um ataque de flanco contra o governo esquerdista da burguesia e rejeitou terminantemente o ataque frontal, como forma de desenvolver a atividade revolucionária das massas. Esta política abria a seguinte alternativa: ou a esquerda pequeno-burguesa se encaminhava no sentido da revolução e, assim, a revolução avançaria, ou ela se recusava e seria atropelada pelas massas que realizavam uma experiência integral com a sua política de concubinato com a burguesia.
Está claro que esta experiência, como toda experiência histórica, deve ser adaptada às condições políticas existentes. No Brasil, não há revolução. Não existe no país um partido com a força relativa do Partido Bolchevique.
Considerando essas diferenças – que são acessórias e não fundamentais para a tática – a situação brasileira é análoga à da Revolução Russa: temos um governo da pequena burguesia democrática, aliado à burguesia pró-imperialista. Uma situação muito comum em vários países desde 1917. Na realidade, este movimento das classes intermediárias e da burguesia é uma constante de 1917 em diante em todo o mundo. A ausência dos dois elementos acima indica concretamente que a situação deve se desenvolver muito mais lentamente, mas desenvolve-se no mesmo sentido: as massas necessitam superar as limitações da política pequeno-burguesa que se alia à burguesia “democrática” ou liberal.
Trótski explica essa política da seguinte maneira no Programa de Transição (perdoem-nos a longa citação), mostrando que essa política que tem aplicação geral:
“De abril a setembro de 1917, os bolcheviques reivindicaram que os socialistas revolucionários e mencheviques rompessem com a burguesia liberal e tomassem o poder nas próprias mãos. Sob essa condição, os bolcheviques prometeram aos mencheviques e aos socialistas revolucionários, uma vez que estes eram os representantes pequeno-burgueses dos operários e dos camponeses, ajudá-los de maneira revolucionária contra a burguesia, recusando-se, porém, categoricamente, tanto a entrar no governo dos mencheviques e socialistas revolucionários, como a responsabilizar-se politicamente por ele. Se os mencheviques e os socialistas revolucionários tivessem rompido com os cadetes (liberais) e com o imperialismo estrangeiro, o “governo operário camponês”, criado por eles, somente poderia ter acelerado e facilitado o estabelecimento da ditadura do proletariado. Mas, foi exatamente por essa razão que a direção da democracia pequeno-burguesa se opôs com toda a força possível ao estabelecimento do seu próprio governo. A experiência da Rússia demonstrou, e a da Espanha e França novamente o confirma, que, mesmo sob condições muito favoráveis, os partidos da democracia pequeno-burguesa (socialistas revolucionários, socialdemocratas, stalinistas, anarquistas) são incapazes de criar um governo operário e camponês, isto é, um governo independente da burguesia.
Não obstante, a reivindicação dos bolcheviques dirigida aos mencheviques e socialistas revolucionários – ‘Rompam com a burguesia, tomem o poder nas próprias mãos!’ – teve uma tremenda importância educativa para as massas. A recusa obstinada dos mencheviques e socialistas revolucionários em tomar o poder, exposta de modo tão trágico nas jornadas de julho, condenou-os definitivamente na opinião das massas e preparou a vitória dos bolcheviques.
A tarefa central da IV Internacional consiste em libertar o proletariado da velha direção, cujo conservadorismo encontra-se em completa contradição com as erupções catastróficas do capitalismo em desintegração e representa o principal obstáculo ao progresso histórico. A principal acusação que a IV Internacional lança contra as organizações tradicionais do proletariado é o fato de não quererem separar-se do semi-cadáver político da burguesia. Nessas condições, a reivindicação dirigida sistematicamente à velha direção – “Rompam com a burguesia, tomem o poder!” – é uma arma extremamente importante para denunciar o caráter traidor dos partidos e organizações da II e III Internacionais, e da Internacional de Amsterdã. A palavra de ordem de “governo operário-camponês” é, assim, aceitável para nós unicamente no sentido que tinha em 1917 para os bolcheviques, isto é, como palavra de ordem antiburguesa e anticapitalista, mas, de modo algum no sentido “democrático” que os epígonos lhe deram depois, transformando-a, de uma ponte para a revolução socialista, na principal barreira no caminho dela.
A todos os partidos e organizações que se baseiam nos operários e camponeses e falam em seu nome, reivindicamos que rompam politicamente com a burguesia e entrem na via da luta pelo governo operário e camponês. Nesse sentido, prometemos-lhes completo apoio contra a reação capitalista. Ao mesmo tempo, desenvolveremos incansavelmente uma agitação em torno daquelas reivindicações de transição que deveriam, em nossa opinião, constituir o programa do ‘governo operário e camponês’”.
2) Não é clara a ideia de “ruptura com o PT”. Em que consiste, exatamente? Nós, PCO, por exemplo, não defendemos o programa do PT ou do governo Lula, não fazemos parte do governo, nem da coligação que elegeu o governo, não apoiamos e criticamos abertamente a política do governo e do PT. Se estivéssemos representados no Congresso Nacional ou qualquer órgão legislativo, não votaríamos a favor de nenhuma política que contrariasse os interesses dos trabalhadores.
Parece-nos que a “ruptura” se refere à seguinte ideia da resposta de Nilldo Ouriques: “apoiar causas populares e decisivas – auditoria da dívida pública, por exemplo – não movem moinho se não atacam de frente o atual governo responsável por esse e outros graves crimes contra o povo”. Seria, portanto, uma questão de responsabilizar o governo Lula, ou seja, de declarar que ele é responsável. Essa ideia também não é muito clara. Somos favoráveis a responsabilizar o governo Lula por tudo aquilo pelo que ele seja realmente responsável. Por exemplo, somos favoráveis a apontar que o governo não luta de maneira coerente contra a dívida, mas não somos favoráveis a dizer que a dívida é de responsabilidade do governo. Se esta ideia quer colocar o governo Lula como responsável por tudo o que acontece, não somos favoráveis porque seria uma falsificação da realidade. Mas, esta questão é de importância decisiva porque quem é responsável pelos males do país é o capitalismo e os capitalistas, em particular a burguesia imperialista, não o PT. A grande responsabilidade do PT é a de não romper com a burguesia e não lutar efetivamente contra ela. E é essa a nossa principal crítica.
3) A luta contra essa política deve ser feita de maneira prática e não declaratória, ou seja, não afirmando que o PT e o governo Lula são responsáveis por isso e por aquilo, embora, logicamente, isso deve estar explícito. A prova da política está em mostrar o caminho para a luta das massas em contraste com a política tímida ou capituladora do PT e do governo. Assim, é mais importante, por exemplo, organizar uma luta pelo não pagamento da dívida pública do que simplesmente falar que o PT não luta contra ela. Uma política revolucionária somente é real se está dirigida a mobilizar as massas, caso contrário, é pura retórica. As massas somente se convencem de uma determinada política pela sua experiência prática.
4) Nos parece incontestável, no momento atual, dada a relação de forças presente, que qualquer movimento pela derrubada do governo do PT favoreceria a direita e a extrema-direita. Foi o que aconteceu com o segundo governo Dilma, onde a esquerda que defendeu o “fora Dilma” acabou completamente a reboque da direita.
5) Finalmente, o autor da resposta atribui ao PT e ao seu governo o obstáculo ao desenvolvimento da consciência das massas, o que não é exato. Neste momento, o PT é um elemento acessório e essencialmente passivo e não ativo do que diz respeito à consciência das massas, quer dizer, ele se apoia sobre a consciência presente das massas e não procura desenvolver a consciência potencial, mas manter esta situação. Quem é ativamente responsável pelo atual estado de consciência das massas é a burguesia que atua de maneira incessante para atomizá-las. O elemento ativo no que diz respeito à consciência das massas é a sua vanguarda revolucionária que pode e deve superar a política de colaboração de classes.
6) A ausência de mobilização os trabalhadores é apenas em parte responsabilidade do PT. As condições econômicas e políticas gerais têm neste momento um papel mais importante. Basta ver que a situação é semelhante na maioria dos países do Globo. Se houvesse uma tendência objetiva para a mobilização operária e popular e quando houver o PT não será capaz de freá-la decisivamente.
7) Para concluir, é preciso confrontar o governo Lula e o PT com as necessidades das massas e exigir que se coloquem nesse sentido, rompendo a sua subordinação à burguesia. Ao mesmo tempo, é preciso envidar todos os esforços para mobilizar as massas por estas mesmas reivindicações, mostrando que a aliança com a burguesia é um beco sem saída.