O ano foi 2024 e, mais uma vez, o Brasil se destaca como o país que mais mata pessoas transgêneras em todo o mundo. De acordo com o 7° relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2023 foi registrado o assassinato de 145 pessoas trans, número maior que do ano anterior, em que foram constatadas 131 mortes. O relatório evidencia a média de pelo menos um assassinato a cada três dias. Agora, em 2025, o número de homicídios teve uma queda de 16%, mas nosso país continua no topo da lista de assassinatos de pessoas trans e travestis.

De fora para dentro

Começo esta matéria de forma brusca, pois se faz necessário deixar muito bem assinalada a conjuntura em que vivemos. Se no ambiente universitário os problemas nefastos do capitalismo surgem de fora para dentro, obviamente, não será diferente ao nos referirmos a qualquer pauta da comunidade LGBTQIA+.

Na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), por mais que haja estudantes trans em quantidade expressiva – principalmente quando se refere ao Campus 1 em Florianópolis (SC) – e cotas trans na pós-graduação, ainda não se tem essas cotas para os cursos de graduação. Sem falar na luta constante que es estudantes travam para ter sua identidade de gênero e nomes sociais respeitados, assim como para a criação de banheiros neutros em todos os centros.

Ao ter em vista essas problemáticas, falando como mulher trans e estudante do curso de Licenciatura em Teatro na UDESC, surgiu a necessidade de analisar mais profundamente essas questões.

 Como é a qualidade de vida de estudantes trans na universidade? 

Surgiu a ideia, assim, de criar um formulário cujo objetivo seria desenvolver uma pesquisa a partir da vivência de pessoas trans no contexto universitário, particularmente do Campus 1 da UDESC e seus três centros: CEART (Centro de Artes, Design e Moda), FAED (Centro de Ciências Humanas e da Educação) e ESAG (Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas). O documento, em torno de duas semanas, recebeu cerca de 30 respostas. Compartilho aqui os dados que me tomaram mais atenção: 

Ao se perguntar a identidade de gênero de cada participante, 16,1% se identificaram como mulheres trans, 13% como homens trans ou pessoas transmasculinas e 3,2% como travestis. A maior porcentagem foi a de pessoas não-binárias, constando 54,8%.

As respostas determinam es participantes como nascides entre 1990 a 2005, com a maioria sendo de 2003. Ou seja, das informações coletadas, a maior parte vem de jovens adultos em torno de seus 20 anos de idade.

Ao perguntar se, enquanto estudante, já havia sofrido ou presenciado casos de transfobia, 12,9% afirmaram que sim, 16,1% apenas presenciaram, 25,8% disseram que não, e 45,2% afirmaram que tanto sofreram quanto presenciaram.

Ao perguntar se, nessas situações de discriminação, havia sido tomada alguma medida, 6,5% afirmaram que sim e o problema foi resolvido, 19,4% afirmaram que sim e não foi resolvido, e 74,2% afirmaram que não. 

Quando foi perguntado se a pessoa se sentia acolhida na universidade, 16,1% responderam que sim, 12,9% responderam que não, e 71% responderam que se sentiam parcialmente acolhides. 

Ao questionar o porquê da falta ou não de acolhimento, houve respostas variadas. Transcrevo algumas aqui, prezando pelo anonimato des participantes:

“O CEART especificamente é bem acolhedor por termos contato com pessoas que vivenciam ou apoiam a causa. Apesar disso ainda encontramos situações de violência, que podem vir tanto de alunos, professores ou até do próprio meio acadêmico.”

“Uma vez fui expulsa da porta de um banheiro feminino, por conta da leitura de gênero que um dos guardas da FAED teve. Esse tipo de situação gera muita disforia e ninguém nunca faz nada sobre.”

“Nossa existência é invisibilizada pelo corpo docente, professores não têm preparo para lidar com estudantes não binários, casos de transfobia são invisibilizados entre os grupos de estudantes, estudantes com atitudes transfóbicas não são cobrados de seus posicionamentos.”

Ao perguntar das medidas que poderiam ser tomadas para resolução dos problemas citados, houve pontos em comum, os quais listarei aqui:

  • Banheiros neutros em todos os centros;
  • Mais políticas de inclusão, redes de apoio e acessibilidade;
  • Eventos de conscientização como palestras e oficinas, convidando ativistas e lideranças trans; 
  • Capacitação de servidores no geral (corpo docente, técnico, terceirizado);
  • Eventos em datas comemorativas da comunidade sediados pela universidade;
  • Cotas trans nas graduações; 
  • Atuação maior da administração dos centros para evitar e eliminar casos de transfobia;

Estas respostas revelam a violência cotidiana sofrida por essas pessoas, seja ela física, verbal ou psicológica. O que é importante pontuar, acima de tudo, é como esse tipo de opressão em momento algum se desvincula da exploração infligida à classe trabalhadora. Muito pelo contrário: a transfobia, assim como o machismo e o racismo, se constitui como mais um dos pilares que sustenta o capital – a dominação dos corpos e mentes de nossa classe, a exploração até a última gota de nossa força produtiva. 

É plenamente possível lutar por várias causas sem subestimar nenhuma delas, pois todas se unem por um aspecto em comum: o aspecto de classe. Marsha P. Johnson, ativista estadunidense e fundadora da Street Transvestite Action Revolutionaries (STAR, em tradução livre Ação Revolucionária para Travestis de Rua), corrobora com essa perspectiva ao dizer que: “você nunca tem completamente seus direitos, individualmente, até que todos tenham direitos.”

Lutar pelos direitos das pessoas trans é lutar igualmente pela classe trabalhadora!

Das palavras para a ação!

A partir desta análise, é possível ter um panorama muito mais ampliado sobre pessoas trans na universidade, suas especificidades e adversidades. A questão que agora permanece é: o que fazer?

Não é suficiente apenas dizer que deveria ser assim ou assado, é preciso fazer. Companheires, é necessário que transformemos nossas palavras em ações, que não estacionemos em discursos belos, porém abstratos, que avancemos para a prática concreta e material. É preciso nos mobilizarmos para ontem! 

Organizem-se em movimentos sociais, centros acadêmicos, sindicatos! Ademais, se formos falar especificamente da UDESC, há de se citar a coletiva TRAMA – uma iniciativa fundada em 2023 por estudantes da universidade. O grupo tem por objetivo reunir pessoas trans, travestis e não binárias para lutar pelos seus direitos na universidade, sendo composto por estudantes de graduação e pós-graduação de vários centros da UDESC.

Opções são o que não faltam, mas é de demasiada importância que você, estudante, trabalhador e pessoa trans, se organize e lute pela permanência estudantil e adesão cada vez maior de nosso povo. Havemos de lutar. Havemos de vencer!

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Last Update: 24/02/2025