O Tribunal de Contas da União já tem elementos suficientes para julgar a participação da Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil em ações visando desviar recursos de acordo de leniência para fundações definidas por ela e pelos procuradores (pessoa física) do Ministério Público Federal.

O documento “Propostas de Desenho Geral e Recomendações de Governança Para As ações de Reparação Social da J&F”, em análise pelo Tribunal de Contas da União, é a prova mais robusta do jogo de interesses, visando controlar os recursos provenientes de acordos de leniência com empresas condenadas por corrupção.

No caso, trata-se da tentativa da Operação Greenfield de repetir a manobra da Lava Jato, com a tal fundação para combater a corrupção.

Em 12 de dezembro de 2017, houve a assinatura de um Memorando de Entendimento, “no qual as partes oficializam as contribuições da Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil na recomendação de um desenho de governança para investimento em projetos sociais e de uma estratégia de investimento nas temáticas anticorrupção, além do monitoramento independente dos recursos nos dois primeiros anos (renováveis por igual período)”.

Escrupulosa, a Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil anuncia que não será remunerada pelo trabalho de consultoria. Mas participará diretamente da montagem de uma empresa, com o poder de distribuir milhões de reais em recursos para os premiados, contratar consultores, gestores financeiros.

Entre suas atribuições está a de sugerir um plano de investimentos e “estratégias da outorga de subsídios” – não esclarecendo a que subsídios se refere. Também sugerirá uma estratégia de investimento nas temáticas anticorrupção, “além do monitoramento independente do desembolso nos dois primeiros anos (renováveis por igual período)” É curioso o adjetivo independente, que sugere autonomia total da Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil.

Segundo o relatório, as sugestões foram realizadas pela equipe da Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e “consultores contratados”, sem indicação sobre quem contratou e quanto foi pago.

Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil propõe a co-participação da J&F e da “sociedade civil” na governança do projeto. Mas como quem foi prejudicado pela corrupção foi a “sociedade brasileira”, caberá a ela (ou seja, às pessoas selecionadas pela Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e pelos procuradores da Greenfield) “a garantia do seu papel predominante na seleção dos projetos e orientações gerais para a destinação dos recursos”. A J&F poderá ficar com a divulgação dos projetos.

Ou seja, a tal “sociedade civil” define os projetos contemplados, e a J&F divulgará, como se fosse um trabalho seu. Segundo a proposta, o MPF não deverá ter participação direta na gestão, “mas cumprirá sua função específica de fiscal do acordo e geral de controle da legalidade dos fatos”.

Com essa condição, tira-se qualquer possibilidade do MPF participar do controle, como instituição – o que levaria à substituição dos procuradores, de acordo com as determinações do MPF -, assegurando o controle absoluto da tal “sociedade civil” selecionada para tocar o projeto.

Caberá à J&F contribuir por 25 anos para um “fundo patrimonial perene”. Passado o período de contribuição, o controle do fundo será assumido integralmente pelo conselho selecionado pela Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e pelos procuradores da Greenfield.

Na primeira etapa do projeto, a Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil recomenda a participação de outros fundos como agentes intermediários, “permitindo que comecem os desembolsos mesmo antes da conformação plena das estruturas operacionais”.

O primeiro período do projeto – 2020 a 2022 – já prevê desembolsos de R$ 15 milhões, para projetos e custeio, e um saldo de R$ 325 milhões do fundo patrimonial. Depois, haverá um aumento dos desembolsos até atingir R$ 45 milhões em 2027, quando o fundo patrimonial já terá um saldo de R$ 734 milhões.

A etapa de consolidação será entre 2028-2041, com o fundo patrimonial com um saldo estimado de R$ 863 milhões no final de 2030, R$ 1,392 bilhão ao final de 2035 e R$ 1,998 bilhão em dezembro de 2041.

A partir daí, a fundação terá total autonomia para administrar o fundo patrimonial.

A instância máxima da fundação será o “Conselho Curador”. Ele será paritário entre a tal “sociedade civil” e a J&F, mas apenas no período 2020-2022. A partir de 2023, a tal “sociedade civil” terá 6 representantes, contra 4 da empresa. E, a partir daí haverá um aumento progressivo dos membros da “sociedade civil” e uma redução dos membros da J&F.

Haverá dois objetivos básicos no projeto. O primeiro, de bombear recursos para “mitigar e reparar os efeitos da corrupção sobre a sociedade e as instituições democráticas”. O segundo objetivo será “prevenir a corrupção por meio do incentivo à cidadania participativa e do controle social”. Nesse ponto, fica claro o objetivo político dessa parceria. É o mesmo modelo que foi adotado em todas as Primaveras, e marca a atuação de ONGs americanas na Venezuela.

Para atingir esse objetivo, haverá “linhas de apoio direto a entidades existentes que realizam o controle social da corrupção e linhas de incentivo à criação de novas entidades e redes de entidades para ampliação do controle social da corrupção”.

Está vetado ao MPF a participação no processo de instituição ou gestão da iniciativa, o que garante a liberdade total da fundação em relação a qualquer poder constituído.

Do lado do MPF, a pactuação foi liderada pelo Procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes e pela procuradora Sara Moreira de Souza Leite.

No despacho 1.16.000.001755/2-17-61 os procuradores definem “como serão geridos e executados os recursos previstos para investimento em projetos sociais”. Diz o documento:

“Os signatários registram ainda ciência e concordância, com o auxílio da Fundação para o Desenvolvimento da Sociedade Civil, na apresentação de um projeto de investimentos na prevenção e no controle social da corrupção”.

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Last Update: 05/08/2024