É preciso manter os olhos abertos com as Organizações Não Governamentais (ONGs). Não é raro que, sob a capa da imparcialidade e dos bons propósitos, sejam na realidade meros instrumentos do imperialismo para fazer prevalecer seus interesses econômicos, ideológicos e geopolíticos, recorrendo muitas vezes ao golpe de Estado. Uma ONG com este perfil é a “Transparência Internacional”, que sob a máscara moralista do combate à corrupção e com a escandalosa cumplicidade da mídia burguesa, teve papel relevante no golpe de 2016 que resultou na deposição de Dilma Rousseff e no calamitoso governo de Miguel Temer.
A “Transparência” não é mais do que uma sutil fábrica de Fake News a serviço dos interesses obscuros do imperialismo. Atuou como um braço da Operação Lava Jato, que cometeu várias irregularidades e crimes, entre eles o de lesa-pátria, desmantelou a engenharia nacional, destruiu as grandes empreiteiras favorecendo o capital estrangeiro e provocou o desemprego de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, principalmente na cadeia produtiva da construção civil.
O artigo reproduzido abaixo, extraído do Conjur, ajuda a esclarecer a verdadeira natureza desta insidiosa ONG e a manipulação inescrupulosa da luta contra a corrupção em benefício da direita e da extrema direita.
Por Fernando Teixeira
Todo começo de ano é a mesma coisa. Chega o carnaval, os blocos saem na rua e a Transparência Internacional (TI) lança seu “Índice de Percepção da Corrupção (IPC)”. É o momento apropriado. O IPC é uma pesquisa de opinião fantasiada de indicador que “mede” a corrupção.
Nada disso. O índice mostra a opinião de um pequeno grupo de entrevistados, na maior parte empresários e altos executivos, e em geral estrangeiros. À luz da estatística e das regras existentes para nortear pesquisas, o levantamento é empírico e nebuloso por não informar quem são as fontes ouvidas.
A “ong” insinua que o IPC é um indicador que capta a opinião de um público específico, mas não divulga quantas pessoas, de onde nem quando foram pesquisadas — o que faz do pretenso índice um indicador instável e propenso a distorções e influência de fatores políticos. Em situações de polarização política, a opinião pública fica radicalizada e faz do resultado do IPC uma montanha-russa guiada por interesses e preferências de classe, não um retrato da corrupção no Brasil.
No seu site, a ONG informa que seus patrocinadores são governos que disputam mercado com o Brasil, em especial no campo do agribusiness — como França, Estados Unidos, Austrália. O resultado da desmoralização nacional favorece concorrentes do país, o que faz do “índice” um ingrediente poderoso em disputas comerciais.
Nos últimos dez anos, o IPC Brasil foi altamente instável. O indicador caiu quase dez pontos depois da “lava jato”, melhorou durante o governo Bolsonaro e voltou a cair no governo Lula. No relatório do IPC 2024 divulgado hoje, o Brasil atingiu o fundo do poço, com o pior resultado da série história, somando 34 pontos de 100 pontos, e 107ª posição entre 180 países.
Opinião de quem?
A nota metodológica divulgada pela Transparência Internacional no IPC Brasil 2024 informa que o indicador é uma soma de oito indicadores. O Brasil foi particularmente mal em índices como o “Executive Opinion Survey”, feito pelo Fórum Econômico Mundial, e o “World Competitiveness Rank”, do Instituto Internacional de Administração e Desenvolvimento, na Suíça.
Nesse tipo de indicadores, entrevistando agentes de mercado, o Brasil foi mal. São pesquisas com questões abertas do tipo “existe corrupção em seu país?”, aumentando mais as chances de respostas enviesadas. Mas nem todos os indicadores são assim. O Brasil melhorou em metade dos indicadores usados pela TI. O país foi bem em índices voltados a medir a qualidade do governo e o ambiente institucional, usando não entrevistas de mercado, mas a avaliação de especialistas.
O Brasil melhorou no conhecido indicador “Varieties of Democracy” (V-DEM), coordenado pela Univerdidade de Gothenburg, na Suécia, feito para captar os avanços do país na defesa das instituições e qualidade da democracia. Segundo o V-Dem, o Brasil foi destaque no mundo em avanço democrático de 2024, com elogios ao Judiciário e destaque à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF).
No Brasil, o material de divulgação do IPC vem acompanhado de um relatório com um “balanço” do ano. Ao contrário do V-DEM, por aqui a Transparência Internacional acha que o Supremo Tribunal Federal faz parte do problema, não da solução. O motivo são as tentativas do Supremo de corrigir ilegalidades e manipulações em processos da “lava jato” e corrigir acordos de leniência abusivos.
Se o IPC traz resultados sem relação com a realidade, o relatório apresentado pela Transparência Internacional vai mais longe. O material é usado pela entidade como oportunidade para dar sua opinião sobre acontecimentos do momento, defender a “lava jato” e atacar adversários. A maior preocupação da TI parece ser blindar a “lava jato” de questionamentos e investigações.
O relatório chegou a criticar a “instauração de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) contra magistrados que atuaram no âmbito da Operação Lava Jato” e denuncia a “anulação de condenações” proferidas no âmbito da “lava jato”. Ou seja, para a TI é bom para a luta contra a corrupção encobrir fraudes, ilegalidades e manipulação cometidos pela Justiça e acobertar seu uso para fins políticos e projetos de poder pessoais.
Rabo preso
A Transparência Internacional é uma entidade privada fundada na Alemanha nos anos 1990, que chegou ao Brasil a reboque da “lava jato”, funcionando como linha auxiliar, confidente e assessora de relações públicas. A TI foi mais tarde investigada por associação indevida e tentativa de desviar R$ 2,5 bilhões em recursos oriundos dos acordos de leniência. A grife tem contado com a complacência dos investigadores.
Até hoje a TI nunca criticou possíveis ilegalidades, fraudes e desvios cometidos na “lava jato” e foge de comentar formalmente os efeitos desastrosos da operação para o país no campo jurídico, econômico, político e social. Pelo contrário. Há anos, a TI usa seus 15 minutos de fama com a divulgação do IPC para defender a “lava jato” e atacar adversários da operação.
Outros índices
O IPC é um índice antigo, com 30 anos de idade, que diz muito pouco e já foi superado por indicadores mais modernos. Um exemplo é o índice criado em 2015 pela professora romena Alina Mungiu-Pippidi, o Corruption Risk Forecast, o qual avalia países usando dados objetivos sobre a organização política e estrutura institucional. Nesse índice, o Brasil é um dos líderes mundiais em pontos como transparência pública e governo eletrônico, e fica em 30º lugar no ranking geral de integridade.
O Brasil vai bem também no ranking “Indicador de Corrupção Fracionado” (Unbundled Corruption Index), da professora da Universidade Johns Hopkins Yuen Yuen Ang. Nesse ranking, com 15 países, o Brasil fica em 7ª posição, mas apresenta um perfil de corrupção mais parecido com Estados Unidos e Japão do que com Rússia e Bangladesh. O índice mede diferentes tipos de corrupção e diferencia lobby e doação eleitoral de outras práticas.
Uma das conclusões da pesquisadora é que muitas vezes o “dinheiro de acesso” usado por empresários para se aproximar de políticos não significa necessariamente “roubo” e prejuízos para o Estado e a economia. Pelo contrário. Muitas vezes, a ideia é influenciar favoravelmente políticas públicas e garantir direitos em ambientes institucionais disfuncionais.
Muito do que foi encontrado pela “lava jato” coincide com esse “dinheiro de acesso”, uma fórmula usada pelos negócios em todo o mundo, inclusive países desenvolvidos, para manter boas relações entre setor empresarial e Estado. Chamar coisas diferentes pelo mesmo nome, diz a professora Yuen Yuen Ang, é parte do problema com a anticorrupção atual.
Uso político
No fim do ano passado, o diretor de anticorrupção da Organização para o Desenvolvimento Econômico e Social (OCDE), Frédéric Bohem, publicou um artigo criticando o uso político do discurso da corrupção mundo afora. Para ele, o uso político da corrupção fragiliza a democracia e favorece movimentos autoritários, o que piora a corrupção.
O que a Transparência Internacional Brasil faz é exatamente o contrário. Ao usar a divulgação do IPC para defender a “lava jato” de investigações e denúncias, estimula o uso do discurso por movimentos políticos e favorece avanços autoritários. A TI faz pouco caso de abusos e ilegalidades, fecha os olhos às consequências nefastas da “lava jato” para o país e ignora os avanços mais recentes no debate anticorrupção pelo mundo.
Outro ponto criticado por Frédéric Bohem é o abuso do discurso anticorrupção por políticos, que acabam usando o tema para fazer proselitismo, demagogia e atacar adversários. Segundo Boehm, pesquisas demonstram que, quanto menos se fala de corrupção, melhor, pois o tema cansa a população e a torna cínica e indiferente. Já a TI acha que um dos problemas no Brasil é que o atual presidente da República “fala pouco” sobre corrupção.
O futuro da anticorrupção é outro. Nele não cabe o uso de demagogia, punitivismo barato e populismo penal como instrumentos para tomar o poder. O futuro da anticorrupção é de prevenção, de pensar reforma administrativa, reforma política, participação social, Estado de qualidade e direitos para todos. Se excessos foram praticados em nome do combate à corrupção, é preciso responsabilizar culpados e reparar danos. Não esquecer o que fizeram no carnaval passado.
*Fernando Teixeira é jornalista econômico.