Transição justa é pré-requisito para enfrentar a crise climática

por Linnit Pessoa

As evidências científicas sobre o aquecimento global e seus efeitos têm se tornado cada vez mais robustas e inquestionáveis. Nos últimos anos, a frequência e intensidade de eventos climáticos extremos têm se multiplicado ao redor do mundo, afetando populações, economias e ecossistemas de maneira alarmante. A urgência de uma resposta global levou à intensificação dos debates sobre os caminhos para uma transição socioecológica. Contudo, essa questão não se restringe ao debate sobre como e o que mudar: também é preciso discutir as condições, seu objetivo central, e para benefício de quem essa transição ocorrerá.

A crise climática, por sua natureza, não respeita fronteiras. Seus efeitos ultrapassam limites geográficos e acentuam desigualdades históricas entre países e populações. Por isso, a transição precisa ser coordenada, requerendo um certo grau de cooperação internacional. Não basta que a transição ocorra em alguns países e regiões de forma isolada, é fundamental construir uma resposta conjunta e articulada globalmente. Isso envolve reconhecer as assimetrias entre o Norte e o Sul globais — tanto em termos de responsabilidade histórica pelas emissões quanto em relação às capacidades de enfrentamento da crise. É nesse contexto que revogamos por uma transição justa: uma abordagem que reconheça essas desigualdades e busque corrigi-las no próprio processo de transição.

O debate sobre transição climática muitas vezes é reduzido à substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis. Ainda que essa mudança seja indispensável, ela está longe de ser suficiente. A transição que precisamos promover vai muito além da mudança da matriz energética. Ela deve envolver transformações profundas nos modos de produção, consumo e organização social. Isso envolve diversas áreas e setores, como o planejamento urbano, a forma como produzimos alimentos, a matriz de transporte, e a oferta de serviços públicos. Sem essa amplitude, a transição corre o risco de não apenas reproduzir, mas também aprofundar, os padrões de desigualdade e exclusão que marcam o modelo de desenvolvimento atual.

O conceito de transição justa tem raízes nos Estados Unidos dos anos 1970, quando sindicatos, comunidades locais e organizações ambientais se articularam para discutir os impactos sociais do fechamento de uma usina nuclear. Desde então, o termo evoluiu e se expandiu, tornando-se parte de um movimento global mais amplo. Ganhando destaque nas décadas de 1980 e 1990, passou a representar também a resistência de trabalhadores e comunidades contra um modelo econômico que combina desigualdade social com degradação ambiental. Embora inicialmente focado nos setores de energia e extrativismo, seu escopo se ampliou para abranger transformações em diferentes áreas, como de sistemas alimentares, de transportes e de serviços públicos.

Nesse sentido, o termo ‘justa’ não representa um adendo à transição: é a sua própria condição de possibilidade. Mais do que mitigar os danos ambientais e reduzir emissões, a transição justa inclui a correção da desigualdade global de responsabilidade e dos impactos relacionados à mudança climática. Trata-se de incorporar à agenda climática discussões fundamentais sobre raça, classe, gênero e território. Questões como o acesso ao trabalho digno, a distribuição dos custos da transição, os critérios para projetos de desenvolvimento e a proteção das comunidades locais também são centrais para esse debate. Além disso, a transição justa também envolve outro ponto fundamental, que é a necessidade de reconhecer e enfrentar as assimetrias entre países centrais e periféricos — tanto em termos de vulnerabilidades sociais e econômicas, quanto de poder de decisão sobre os rumos da transição. A justiça climática é tanto um princípio quanto uma estratégia de viabilização da própria transição.

Em outras palavras, uma transição verdadeiramente justa exige uma ruptura com as lógicas de exploração, extração e alienação que historicamente sustentaram o desenvolvimento econômico capitalista. Para que a transição ocorra de forma efetiva e a crise climática seja verdadeiramente enfrentada, é fundamental questionar as raízes coloniais ainda presentes nas relações internacionais e propor formas de cooperação que promovam autonomia, soberania e justiça, tanto entre os países quanto entre as diferentes classes sociais e setores econômicos. A transição justa não é uma escolha, mas o único caminho possível para enfrentar a crise climática.

Linnit Pessoa – Doutora em economia pela UFF e pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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Last Update: 17/04/2025