O Brasil contava com 5,9 milhões de pessoas ocupadas com o trabalho doméstico no 4º trimestre de 2024, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, mencionada pelo Dieese no boletim especial que divulgou sobre o tema nesta segunda-feira (28).

O ofício, como é sabido, tem raízes em nosso passado de escravidão e na estrutura social patriarcal, o que transparece no fato de que é exercido até hoje principalmente por mulheres negras. Nada menos que 91,9% da categoria é composta por mulheres, de forma que a exploração da força de trabalho empregada no ramo é intensificada pela discriminação de gênero.

Trabalho de cuidado

Conforme observam os técnicos do Dieese, trata-se também de uma atividade que na maior parte do tempo esteve à margem dos principais avanços obtidos pelos demais trabalhadores no campo dos direitos trabalhistas, sendo caracterizada, ainda, por baixa remuneração e evidências de ilegalidades nas relações com os patrões.

O boletim considera o trabalho doméstico como uma forma de oferta de trabalho de cuidado. Ao longo dos últimos anos, refletindo o relativo envelhecimento da população brasileira, percebe-se o crescimento principalmente de pessoas que são cuidadoras, incluindo tanto aquelas que realizam cuidados pessoais a domicílio como as cuidadoras de crianças (babás).

Somadas, essas duas ocupações correspondiam a cerca de 21% do total de pessoas ocupadas em serviços domésticos, em 2024, um contingente igual a 1,24 milhão de profissionais. Em 2014, essas duas categorias ocupacionais correspondiam a 14% do total de pessoas ocupadas na atividade, ou 807 mil profissionais.

Efeitos da pandemia

No Brasil, o tema ficou em evidência graças às discussões sobre a Política Nacional de Cuidados, que desenha a questão do cuidado como direito a ser assegurado por políticas transversais, cuja oferta deve ser realizada conjuntamente por Estado, setor privado, comunidade e homens e mulheres, nas famílias.

Atualmente, o sistema de relações de cuidados brasileiro recai principalmente sobre as famílias, majoritariamente sobre as mulheres, devido à baixa oferta de serviços públicos voltados a essas atividades. E quando não é suprida pela família, a oferta de cuidados, no país, é realizada principalmente pela comunidade, e, no caso das famílias com maior poder aquisitivo, pelas trabalhadoras domésticas remuneradas.

Entre as atividades de cuidados, houve um crescimento principalmente das pessoas empregadas nos cuidados pessoais em domicílio, passando de 5,8%, em 2014, para 11,1%, em 2024. No caso dos cuidados com crianças, exerciam a atividade 8,1% das pessoas ocupadas, passando a 9,8%, em 2014.

Vale notar o crescimento das pessoas empregadas como cuidadoras de crianças, principalmente, entre 2020 e 2022, que corresponde exatamente ao período da pandemia da Covid-19, quando as escolas de educação infantil permaneceram a maior parte do tempo fechadas.

Mulheres e negras

Considerando o sexo da pessoa ocupada, verifica-se que o trabalho doméstico tem rosto feminino, empregando, no quarto trimestre de 2024, um contingente de 5.434 mil mulheres, ou 93,5% do total. Mas, entre as diferentes atividades realizadas, observam-se importantes diferenças de gênero.

As mulheres são maioria absoluta como profissionais de cozinha, cuidadoras de crianças, cuidadoras pessoais em domicílio e nos serviços domésticos em geral. Já os homens estão alocados, principalmente, no trabalho doméstico externo, que abarca tanto atividades de agricultura e jardinagem, como condução de veículos e segurança.

Além do viés de gênero, o trabalho doméstico emprega principalmente pessoas negras, que representam 68,5% da categoria. E embora as pessoas negras sejam maioria, também, em todas as ocupações consideradas, em 2024, havia maior concentração delas nos serviços domésticos em geral e no cuidado com crianças, que são duas das atividades mais demandadas do ramo.

Pessoas maduras

Em relação à faixa etária, é possível notar que o trabalho doméstico remunerado é exercido principalmente por pessoas maduras, com mais de 45 anos, que correspondem a 54,2% do total da ocupação. A faixa de 30 a 44 anos, por sua vez, concentra 31,8% das pessoas ocupadas.

A exceção ao perfil de pessoas maduras são aquelas ocupadas como cuidadoras de crianças. Nessa atividade 40,8% das ocupadas possui menos de 30 anos. Entre elas, há concentração grande na faixa de 18 a 24 anos, que corresponde a 21,1% do total. Essa é a única atividade que apresenta indicadores para jovens entre 14 a 17 anos, compreendendo 7% do total. Vale destacar que o trabalho doméstico é proibido para menores de 18 anos desde 2008, quando a atividade foi incluída na lista das piores formas de trabalho infantil, seguindo as recomendações da Convenção 182 da OIT.

Baixa escolaridade

Quanto à escolaridade, a maior parte das pessoas ocupadas em trabalho doméstico está concentrada nas faixas de menor escolaridade: 62% do total têm até o ensino médio incompleto e, dessas, 41% possuem até o ensino fundamental incompleto. No outro extremo, 36,1% das pessoas ocupadas possuem ensino médio completo ou superior incompleto e 2% superior completo.

Há maior concentração de pessoas com maior escolaridade alocadas nas atividades de cuidados pessoais a domicílio, onde 50,3% possuem pelo menos o ensino médio completo, e no cuidado de crianças, onde 53,9% possuem esse nível de escolaridade.

Menos que o mínimo

No tocante ao rendimento, verifica-se que, em 2024, as pessoas ocupadas nesse setor recebiam em média R$ 1.252,00, um valor inferior ao piso salarial em vigor no país, na ocasião (R$ 1.412,00). Havia também importantes desigualdades salariais dentro da própria categoria.

As pessoas ocupadas em serviços domésticos em geral – que são a grande maioria no setor – e as cuidadores de crianças, recebiam rendimentos ainda menores do que a média geral (R$ 1.211,00 e R$ 1.069,00, respectivamente). Considerando-se o sexo e a raça/cor da pessoa ocupada, verifica-se que as mulheres, sobretudo negras, eram as mais mal remuneradas.

Apenas 24,4% do total de pessoas ocupadas tinham carteira assinada. Essa realidade era a mesma, se consideradas as diferentes atividades exercidas pelos profissionais, à exceção dos profissionais de cozinha que trabalhavam na maioria (51,2%) com carteira assinada.

Sem proteção social

Entre as pessoas ocupadas em serviços domésticos em geral, cuidados pessoais a domicílio e cuidados de crianças, a proporção de profissionais com carteira de trabalho assinada ainda era menor do que a média geral: 23,9%, 21% e 22,3%, respectivamente.

Outro indicador historicamente associado à má qualidade dos postos de trabalho no setor de serviços domésticos é a baixa proteção social. Em 2024, somente 34,8% das pessoas ocupadas como tal eram contribuintes da Previdência Social, o que lhes garante o direito à aposentadoria e pensão. Quando à forma do contrato 45,4% eram diaristas.

Conclusão

As características gerais das pessoas empregadas no trabalho doméstico apontam para um perfil predominante de mulher negra, madura, de baixa escolaridade e responsável pelo domicílio. Há uma tendência no setor, nos últimos 10 anos, de crescimento de atividades especializadas, como as de cuidados com pessoas e de crianças, concomitante à redução das pessoas ocupadas como prestadoras de serviços domésticos gerais, ainda que estas continuem majoritárias.

As pessoas que prestam serviços de cuidados diretos são majoritariamente mulheres negras, mas com escolaridade acima da média do total.
Destaca-se ainda a presença de cuidadoras de crianças que são mais jovens, e, inclusive, dentro das faixas etárias proibidas pela legislação nacional. As cuidadoras diretas também são, em maioria, trabalhadoras mensalistas, mas sem carteira de trabalho assinada, sem proteção social, com jornadas de trabalho mais elevadas e mal remuneradas.

Em outras palavras, o trabalho doméstico remunerado tem se especializado, em direção às atividades de cuidados diretos com as pessoas, mas sem mudar de modo significativo o histórico de desvalorização e precarização, cuja origem não tão remota em nossa história é o trabalho escravo.

 

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Last Update: 28/04/2025