O mundo está à beira de uma catástrofe ambiental sem precedentes. As mudanças climáticas, impulsionadas por um modelo de desenvolvimento insustentável, ameaçam a sobrevivência de diversas espécies, incluindo a nossa. Nesse contexto, a questão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) torna-se crucial. A construção dos compromissos assumidos pelo País no enfrentamento à crise climática precisa ser necessariamente popular, voltada para os interesses das comunidades e dos movimentos sociais brasileiros.

A crise climática é, antes de tudo, uma crise do capitalismo. Com sua busca incessante por lucros, o sistema capitalista degrada a natureza sem considerar as consequências. Esse modelo de produção e consumo, baseado na exploração predatória dos recursos naturais, é o principal responsável pelo aquecimento global. Os impactos das mudanças climáticas não são, porém, distribuídos de forma equitativa. Enquanto as nações ricas e industrializadas são as maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, os outros países do Sul Global, como o Brasil, é que sofrem os efeitos colaterais. As populações mais vulneráveis, incluindo comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas, enfrentam as maiores dificuldades.

Uma Contribuição Nacionalmente Determinada Popular deve ser vista como um instrumento de transformação social e ecológica. Ela deve ser construída a partir das bases, levando em consideração as necessidades e demandas das comunidades afetadas pelas mudanças climáticas. Diferentemente das NDCs feitas anteriormente e a que está em vigor, que apenas refletem os interesses das elites econômicas, uma NDC Popular deve emergir dos movimentos sociais e das organizações de base.

Essa NDC deve ser guiada por princípios de justiça ambiental, reconhecendo que os impactos das mudanças climáticas são distintos e que os mais vulneráveis devem ser protegidos e priorizados nas políticas correspondentes. Além disso, é essencial garantir a participação democrática, assegurando que todos os setores da sociedade, especialmente aqueles mais afetados, tenham voz ativa na elaboração e implementação das políticas climáticas. A transição justa é outro princípio fundamental, promovendo a mudança para uma economia sustentável que não deixe ninguém para trás, garantindo empregos dignos e respeitando os direitos dos trabalhadores. Também é crucial a proteção e o fortalecimento dos direitos das comunidades tradicionais e indígenas sobre seus territórios, reconhecendo seu papel fundamental na preservação ambiental.

A criação de uma NDC Popular deve ser entendida como parte de luta mais ampla pela justiça social e ambiental

A NDC Popular, na perspectiva que queremos, deve ser um instrumento para a construção de um novo modelo de sociedade, onde as relações humanas com a natureza sejam baseadas na sustentabilidade, na justiça e na solidariedade. A luta por uma NDC Popular deve ser entendida como parte de um esforço mais amplo pela justiça social e ambiental. Movimentos sociais, como os dos trabalhadores ­sem-terra (MST), dos atingidos por barragens (MAB), dos povos indígenas (Apib) e o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente (FBOMS), têm um papel fundamental na construção dessa agenda. Suas demandas históricas por reforma agrária, direitos territoriais e soberania alimentar estão intrinsecamente ligadas à luta pela justiça climática.

Para que uma NDC Popular se torne realidade, é necessário um amplo processo de mobilização e articulação social. A construção de uma NDC Popular exige a participação ativa das comunidades e dos movimentos sociais. Isso inclui a rea­lização de assembleias populares, consultas comunitárias ea criação de fóruns de discussão que permitem a construção coletiva de propostas. Além disso, é crucial que os movimentos sociais se articulem politicamente para pressionar o Estado e as instituições internacionais. Isso inclui a formação de alianças com outros movimentos sociais, partidos políticos progressistas e organizações internacionais que demonstram a mesma visão de justiça climática e social.

A luta por uma NDC Popular é, em última análise, a luta por um mundo mais justo e sustentável. É a luta contra um sistema econômico que coloca os lucros acima das pessoas e do planeta. Inspirados pelos princípios do Fórum Social Mundial, é notável que outra sociedade é possível – uma sociedade onde as relações humanas com a natureza sejam baseadas na solidariedade, na sustentabilidade e na justiça. Os movimentos sociais brasileiros têm um papel crucial nessa construção, e é através da sua força e resistência que poderemos construir uma NDC que realmente represente os interesses do povo e do planeta.

A construção de uma NDC Popular é um passo essencial na direção de transição justa e sustentável, em que todos tenham o direito a um futuro digno e seguro. É um chamado à ação para todos aqueles que acreditam na necessidade urgente de mudar o curso da história, antes que seja tarde demais. Venha com a gente, chega de NDCs de gabinete!


Adilson Vieira, sociólogo, integrante do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico (IPDA) e da coordenação da Associação Alternativa Terrazul. Ana Laíse da Silva Alves, integrante da coordenação da Alternativa Terrazul, cocriadora da Teia Carta da Terra Brasil e representa a Alternativa Terrazul na coordenação da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). Pedro Ivo Batista, membro da coordenação do FBOMS, presidente da Alternativa Terrazul e integra o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Sila Mesquita, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), membro da coordenação da Cúpula dos Povos Rumo à COP 30 e participa do Movimento de Mobilização pela Terra e pelo Clima.

Publicado na edição n° 1319 de CartaCapital, em 17 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Obra coletiva’

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Última Atualização: 11/07/2024